David Stillwell, que lidera o centro de psicometria de Cambridge, publicou em 2013 um artigo científico onde concluía que através da atividade no Facebook era possível traçar um perfil e prever comportamentos de personalidade de um utilizador com fiabilidade, disse, em entrevista à Lusa, que após este trabalho as pessoas ficaram mais conscientes dos dados pessoais que estão disponíveis.

"A razão porque publicámos [este artigo] foi para demonstrar que estes dados [como colocar um 'gosto' na página da rede social Facebook], que podem passar por pôr um 'like' em filmes, música, que não são privados, podem ser usados para prever uma série de coisas pessoais sobre as pessoas", começou por explicar o cientista, que esteve em Portugal para encerrar a conferência sobre ética e responsabilidade no ISCTE, na sexta-feira.

O estudo demonstrava que simples interações nas redes sociais "podem revelar mais do que se pensa" sobre um utilizador.

"O que mudou com o passar do tempo foi o facto de as pessoas ficarem mais conscientes" da importância dos seus dados pessoais, de que essas 'simples' interações revelam muito de si, prosseguiu.

Para David Stillwell, o acesso a dados pessoais tem "dois lados" e não pode ser visto apenas de uma forma negativa.

"Tudo depende da forma como são usados: se é um problema ou uma oportunidade", sublinhou.

Se por um lado, através dos dados pessoais se pode traçar um perfil e adaptá-lo a cada consumidor de forma a fornecer "um melhor serviço", também há o risco de este poder ser usado indevidamente contra o utilizador.

David Stillwell sublinhou que a obtenção dos dados não acontece apenas no mundo digital, através da utilização do cartão de crédito, do cartão de fidelização nas lojas, é possível cruzar informação, traçar um perfil e prever o comportamento.

"Costumo perguntar às pessoas se sabem quem é que pode prever quando é que vamos morrer. Será o meu médico? Não, provavelmente será o meu supermercado", pois através dele pode-se traçar o tipo de alimentação, prosseguiu.

Por isso, "dependendo da forma como é aplicado" a informação, tal "pode ser positivo ou negativo", apontou.

O professor de 'big data analytics' e ciências sociais na Universidade de Cambridge considerou, ainda, que as pessoas "deveriam estar mais conscientes dos direitos" que constam no RGPD, em vigor desde maio do ano passado.

"Um dos direitos [no RGPD] que gosto é a portabilidade dos dados", que permite ao utilizador pedir uma cópia dos seus dados a uma empresa e, se assim o entender, entregar a outra entidade concorrente.

Outro dos direitos que aprecia no regulamento é o direito que o cidadão tem em questionar uma empresa sobre a decisão tomada com base nos seus dados pessoais.

"Por exemplo, se pedir um empréstimo e este for rejeitado, tem o direito de questionar a razão", prosseguiu.

"Acho que as pessoas ainda não se aperceberam destes direitos porque quando começarem a exercê-los" haverá "grandes mudanças" porque isso obrigará as empresas a reforçarem os seus procedimentos no tratamento de dados pessoais.

E isso aumentará a ética das empresas? Para David Stillwell, a "chave está na concorrência".

Isto porque "quando se tem várias opções, [as empresas] passam a concorrer assentes em quem tem mais ética, quem é mais fiável", atributos do género, salientou o cientista.

O professor da Universidade de Cambridge considerou que a "transparência", ou seja, para onde vão os dados pessoais é uma questão essencial.

"É preciso explicar às pessoas o que é feito com os seus dados", porque assim que as pessoas perceberem isso passam a ter "controlo", outro dos pontos essenciais no processo.

"Assim que as pessoas perceberem o que está a ser feito com os seus dados vão passar a querer assumir o controlo dos mesmos" e isso será uma situação mais equilibrada, já que passam também a ser detentoras dos "benefícios".

Atualmente, "é apenas a empresa que beneficia disso", salientou.

Stillwell defendeu ainda a necessidade de haver transparência em toda a publicidade.