A arrancar 2022, ainda a viver na ressaca de 2021, escrevemos aqui no The Next Big Idea sobre como Changpeng Zhao, fundador da Binance (a maior plataforma de criptomoedas do mundo), apesar de não ter um perfil mediático como outros pares no tech world, tinha feito uma enorme fortuna, gozava de uma influência ímpar no universo dos criptoativos e liderava uma empresa que estava na linha da frente pela promoção de um mundo descentralizado. Com tudo o que isso tem de bom e de mau.
Ora, volvidos quase dois anos, Zhao volta a merecer a nossa atenção, ou não tivesse o líder da Binance saltado para a ribalta dos media tradicionais por admitir e declarar em público que não fez o suficiente para impedir a lavagem de dinheiro de pessoas e grupos com intenções menos nobres (leia-se terroristas e criminosos).
De forma resumida, na semana passada, passou-se o seguinte:
- Changpeng Zhao, conhecido no mundo das criptomoedas apenas pelas inicias CZ, declarou-se culpado no âmbito de uma investigação nos EUA levada a cabo por várias agências federais norte-americanas como o Departamento de Justiça, o Departamento do Tesouro ou a CFTC, o regulador do mercado de futuros e opções.
- A Binance, enquanto empresa, também se deu como culpada das acusações de lavagem de dinheiro, branqueamento de capitais, entre outras, e concordou não só em pagar uma multa astronómica de 4,3 mil milhões de dólares, como nos próximos três anos ter um supervisor independente a olhar para as práticas internas.
- De acordo com a acusação, entre agosto de 2017 e outubro de 2022, tanto a Binance como CZ estiveram envolvidos “num esforço deliberado e calculado” para contornar as leis norte-americanas e lucrar com a operação no país.
- CZ concordou em pagar uma multa de 50 milhões de dólares e renunciar ao cargo de CEO da plataforma que fundou.
- Changpeng Zhao enfrenta agora uma pena que pode ir até aos 18 meses de prisão, mas os procuradores mantêm em aberto a possibilidade de pedir uma pena mais severa, segundo o New York Times. A audiência está marcada para 23 de fevereiro de 2024, mas CZ vai aguardar pelo julgamento em liberdade porque pagou uma fiança estabelecida em 175 milhões de dólares.
Porque é que isto importa e fez notícias um pouco por todo o lado e jornais? Porque é um duro golpe contra a figura mais poderosa e influente da indústria das criptomoedas — e que surge no seguimento da queda da FTX e à condenação do seu fundador, Sam Bankman-Fried, conhecido como “Crypto King”, que era tido como o principal concorrente da Binance e de CZ.
A notícia do acordo foi anunciada numa conferência de imprensa em Washington, na qual participaram a Secretária do Tesouro, Janet L. Yellen, e o Procurador-Geral Merrick Garland. Este último, salientou que, no espaço de um mês, o Departamento de Justiça processou “com sucesso” os CEOs de duas das maiores bolsas de criptomoedas do mundo. “A mensagem aqui deve ser clara: usar novas tecnologias para violar a lei não faz de vocês uns disruptores, faz de vocês uns criminosos”, rematou.
O que diz a acusação
Segundo a acusação, a Binance além de permitir a criminosos operar e mover os seus fundos, fingiu que estava a “tentar cumprir a lei”.
No comunicado de imprensa do Departamento de Justiça, é referido que de forma “deliberada”, a plataforma permitiu transações ilegais entre utilizadores dos EUA e utilizadores de países com sanções económicas em vigor como o Irão, Cuba, Síria e regiões da Ucrânia ocupadas pela Rússia - com as quais lucrou “com taxas significativas”.
A agência Reuters, que tem vindo nos últimos tempos a publicar uma série de reportagens de investigação sobre as atividades da Binance – aqui explica como é se tornou num centro para hackers, burlões e traficantes de droga e aqui conta como é que CZ publicamente assumia uma posição favorável à regulação, embora na sombra a política da casa fosse outra. Os detalhes mais problemáticos demonstram que a Binance não comunicou 100 mil transações suspeitas entre grupos que os EUA consideram ser terroristas, como é o caso da Al-Qaeda, o Hamas e o Estado Islâmico. Além disso, a plataforma também não reportou transações com sites que comercializavam materiais de abuso sexual de menores e transações de receitas provenientes de ciberataques, nomeadamente de ransomware.
A acusação também explica que apesar de, em 2019, a Binance ter anunciado que criou a Binance.US para operar nos EUA, a empresa ensinava os clientes "VIP”, responsáveis por transações de enorme volume, a contornar a situação e ajudava-os a registar uma nova conta numa entidade offshore e a transferir as suas participações para essa conta. Ou seja, ajudava os clientes da Binance.US a fazer operações com os clientes da Binance.com — algo ilegal aos olhos da lei norte-americana.
CZ já não é CEO, mas mantém a influência
No dia 21 de novembro, CZ, de 46 anos, confirmava o acordo, que ia renunciar ao cargo de CEO e quem seria o seu sucessor. "Hoje deixei o cargo de CEO da Binance. Admito, emocionalmente, não está a ser fácil largar. Mas sei que é a decisão acertada. Cometi erros e tenho de assumir a responsabilidade. É a melhor decisão para a nossa comunidade, para a Binance e para mim próprio", escreveu na X (ex-Twitter) aos seus mais de 8 milhões de seguidores.
Naquela que é uma publicação longa, CZ detalha que será substituído por Richard Teng, até aqui responsável de mercados regionais na plataforma. Teng conta com mais de 30 anos de experiência em serviços financeiros e regulação para ajudar a Binance a atravessar esta nova fase em que tenta recuperar a confiança dos mercados e cooperar com as autoridades de forma mais transparente. Na sua conta da X, Teng assegura que “estamos aqui para ficar” e que a empresa continua forte e viável.
Quanto a Changpeng Zhao, que nasceu na China, mas mudou-se para o Canadá aos 12 anos, revelou que ia fazer uma pausa e que planeava fazer "investimento passivo" em projetos de criptomoedas e dedicar-se ao papel de mentor a empreendedores emergentes (de forma privada). No entanto o seu futuro permanece incerto, visto que um juiz federal permitiu que voltasse para os Emirados Árabes Unidos, onde viveu no último ano, depois de pagar 15 dos 175 milhões de dólares da fiança em dinheiro.
Já sobre a multa cifrada dos 50 milhões de dólares e a admissão de culpa, segundo alguns analistas ouvidos pela Reuters, o desfecho até não foi mau para CZ. Apesar de ser afastado da liderança da empresa continua a manter a sua participação na Binance e deve passar pouco tempo na prisão. E os muitos milhões de dólares que terá de desembolsar acabam por não ter grande impacto na sua fortuna avaliada nos 15 mil milhões de dólares, segundo estimativas da Forbes.
O futuro e repercussões
Para o universo cripto, as admissões de culpa da Binance e de Zhao são muito relevantes porque a Binance chegou a processar dois terços de todas as transações de criptomoedas de todo o mundo e Zhao é há muito considerado o homem mais rico e influente do setor. Figuras de culto são comuns na tecnologia, e CZ ganhou o seu espaço ao moldar a conversa em torno das criptomoeadas.
Quanto ao futuro da Binance, apesar de o token BNB, a sua moeda, ter baixado 13% nas horas seguintes ao anúncio da multa, estabilizou no dia seguinte. No que toca a levantamentos, nas 24 horas seguintes ao anúncio da multa, estes aconteceram e foram mais elevados do que é normal, mas segundo a Yahoo Finance, ainda longe do maior volume registado em 2023.
Moral da história: o cerco está apertar no faroeste cripto sem lei. Mas se isso é o fim dos tokens digitais? Não. Na opinião de alguns analistas consultados pelo site especializado Decrypt, o afastamento de CZ é até tido como um sinal de maturidade do mercado de criptomoedas e uma prova de que quem opera à margem da regulação vai muito provavelmente sofrer consequências. Porque se até o maior criptomilionário do mundo e o “Crypto King” caem, então há pouca esperança para os restantes.
Se há algo a retirar da acusação contra a Binance é que os departamentos federais norte-americanos estão de olhos postos na atividade e querem fazer dos tubarões exemplos. Primeiro fizeram-no com a FTX, que encerrou e o CEO foi condenado. Agora, com a Binance, impôs uma das maiores multas de sempre já aplicadas pelo governo dos EUA contra uma empresa financeira. Segundo o New York Times, a multa aplicada à Binance está perto dos cerca de 5 mil milhões de dólares que a Goldman Sachs pagou em 2020. E no futuro, a julgar pelos avanços (leia-se processos) da SEC, a Comissão do Mercado de Valores americana, a Kraken e a Coinbase, plataformas de criptomoedas e dois grandes nomes do setor, parecem ser os próximos alvos.
Portanto, os tempos vindouros prometem trazer mais novidades.
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