O retrato foi feito à Lusa por investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, nas vésperas dos 30 anos do lançamento do telescópio para a órbita da Terra, que ocorreu em 24 de abril de 1990.

Para o astrofísico Nuno Santos, que se tem especializado no estudo de planetas fora do Sistema Solar, o Hubble "permitiu, acima de tudo, e pela primeira vez com aquele nível de qualidade, observar o céu acima da atmosfera da Terra".

"Permitiu olhar para o Universo com novos olhos", enfatizou, salientando "a capacidade" do telescópio "para realizar observações em cores (ou comprimentos de onda) que são filtradas pela atmosfera terrestre", como o ultravioleta e parte do infravermelho, radiação que é nociva à vida.

Por outro lado, as observações são "obtidas livres das perturbações que a atmosfera produz na luz", gerando "imagens mais nítidas e medições mais estáveis", adiantou Nuno Santos.

"A precisão e estabilidade com que consegue realizar as suas medições e a capacidade de observar nesses comprimentos de onda [ultravioleta e parte do infravermelho] não visíveis à superfície da Terra é, certamente, um dos seus maiores atributos", sustentou.

Segundo o astrofísico, que tem direcionado a sua investigação para a busca de planetas extrassolares, o telescópio espacial Hubble "foi um dos precursores" na deteção de atmosferas nestes planetas, apesar de tal trabalho ter sido já feito também com telescópios terrestres.

"Outro exemplo que me marcou, aliás um dos resultados iniciais, foi a obtenção de imagens de discos protoplanetários, sistemas solares em formação", destacou.

Apesar das virtudes, o Hubble tem igualmente fraquezas, em parte devido às dimensões do espelho principal, de 2,4 metros de diâmetro.

"Não é especialmente grande, sobretudo quando comparado com os grandes telescópios terrestres (de 8-10 metros)", assinala Nuno Santos, acrescentando que esta limitação faz com que o Hubble não tenha tanta "capacidade para recolher fotões", isto é, partículas de luz, capacidade essa que "é essencial" para "observar objetos débeis ou fenómenos que ocorrem muito depressa".

Por isso, de acordo com o investigador Alexandre Cabral, "a única solução é mesmo um novo telescópio, maior e com o estado da arte da tecnologia espacial, ou seja, a tecnologia atual".

Este novo telescópio espacial, no qual os astrofísicos depositam expectativas revigoradas, chama-se James Webb, em homenagem a um dos primeiros diretores da agência espacial norte-americana NASA, e tem lançamento previsto para 2021, após sucessivos adiamentos. O seu espelho principal mede 6,5 metros de diâmetro.

Alexandre Cabral, responsável pelo grupo de instrumentação no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, realça que, apesar de "a tecnologia que existe a bordo" do Hubble "já estar ultrapassada", ainda hoje "não existe nenhum instrumento capaz de rivalizar consigo".

A seu ver, esta unicidade explica-se pela qualidade das observações e pela longevidade do aparelho, "muito acima do esperado".

"O planeamento inicial da NASA eram 15 anos, já considerando intervenções no telescópio, duração que é superior ao que normalmente acontece, em torno dos cinco anos", apontou Alexandre Cabral, frisando que a "tão grande longevidade" do Hubble deve-se "a cinco intervenções, bem complicadas", feitas por astronautas que chegaram ao telescópio em vaivéns, veículos que a agência espacial norte-americana manteve a funcionar até 2011.

"Enquanto o programa do vaivém espacial existiu, e dada a baixa órbita do Hubble, foi possível realizar atualizações nos seus equipamentos e melhorar (e corrigir) as suas 'performances'", sublinhou o investigador.

Logo dois meses após o lançamento do telescópio, em 25 de junho de 1990, foi detetado um defeito no espelho principal que impedia obter imagens nítidas. O defeito foi corrigido ao fim de três anos.

"Por questões de agenda e custos houve alguma negligência em termos de calibração e verificação das tolerâncias de fabrico do espelho principal, que obrigou a uma intervenção complexa para a sua correção em pleno espaço (da mesma forma que hoje alguém míope tem de usar lentes corretivas)", esclareceu Alexandre Cabral.

Para o investigador, o descuido técnico deu, no entanto, uma "grande lição", a de que "mais importante do que os próprios instrumentos são os sistemas concebidos para os testar, validar e calibrar".

"Esta é uma das áreas mais importantes no desenvolvimento de instrumentos, em especial para missões espaciais", acentuou.

Telescópio espacial Hubble foi lançado há 30 anos, mas covid-19 adia festejos

O telescópio espacial Hubble, que abriu janelas para o Universo ao revelar galáxias, estrelas e planetas como nunca antes vistos, foi lançado há 30 anos, mas o aniversário, na sexta-feira, é ensombrado pela pandemia da covid-19.

Em tempo de confinamento em casa, a Agência Espacial Europeia (ESA), que opera o telescópio com a congénere norte-americana NASA, desafiou os entusiastas das redes sociais a partilharem uma fotografia ou um vídeo de um bolo de aniversário, feito com os ingredientes tradicionais, como farinha e ovos, ou com ingredientes mais criativos, como papel, peças Lego ou barro.

Devido à pandemia, os eventos públicos programados pela ESA e NASA para assinalar a data foram adiados.

Em 2 de janeiro, quando a doença respiratória aguda ainda não tinha atingido as proporções pandémicas, a ESA divulgou um calendário digital para 2020, com 12 imagens captadas pelo telescópio, uma para cada mês do ano, que resultou de uma iniciativa lançada em setembro de 2019 nas redes sociais.

O telescópio, que começou a ser construído em 1979, foi lançado para o espaço em 24 de abril de 1990, a bordo de um vaivém Discovery.

O lançamento do engenho, concluído em 1985, foi atrasado devido à suspensão do programa de vaivéns da NASA, depois da explosão, em 1986, de um vaivém Challenger, que vitimou os sete astronautas que seguiam no veículo.

Um outro revés surgiu pouco tempo depois do lançamento.

Em 25 de junho de 1990, dois meses após o telescópio ter sido colocado na órbita da Terra, a 569 quilómetros de altitude, as primeiras imagens difundidas confirmaram que o espelho principal, de 2,4 metros de diâmetro, tinha um defeito que tornava as imagens desfocadas.

A anomalia foi corrigida com cinco pares de espelhos óticos que foram instalados no telescópio em 1993 e, mais tarde, substituídos por dispositivos mais modernos.

Ao longo da história do Hubble, os equipamentos foram, aliás, reparados ou substituídos em diversas operações de manutenção conduzidas por astronautas.

Há cerca de dois anos, em outubro de 2018, as observações estiveram suspensas durante três semanas devido a uma avaria num dos giroscópios de reserva, que teve de ser calibrado. Os seis giroscópios do Hubble, que o guiam numa determinada direção nas observações, tinham sido substituídos em 1999 e 2009.

Apesar da provecta idade para um telescópio, o Hubble não tem data de morte anunciada, assim continuem a funcionar os instrumentos, muito embora se perfile um sucessor, o telescópio espacial James Webb, com lançamento previsto para 2021, após vários adiamentos.

O Hubble, que permite estudar o espaço sem as distorções causadas pela atmosfera terrestre, tem o tamanho aproximado de um autocarro: mede 13 metros e pesa 11 toneladas. Na órbita da Terra, demora 96 minutos a dar uma volta completa ao planeta.

O nome do telescópio foi atribuído em homenagem ao astrónomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953), que demonstrou a existência de outras galáxias, além da Via Láctea, e que o Universo se expande, sabe-se agora de modo acelerado.

Uma das imagens mais famosas registadas pelo telescópio, em 1995, é a Nebulosa da Águia, mais conhecida por Pilares da Criação, por ser um berçário de estrelas.

O portefólio inclui imagens de colisões de dois asteroides ou do cometa Shoemaker-Levy 9 com o planeta Júpiter, de uma explosão de raios-gama numa galáxia distante e das luas de Plutão.

O Hubble foi, em 2014, o primeiro telescópio a observar a desintegração de um asteroide, tendo dado a conhecer o mapa mais detalhado da atmosfera de um planeta fora do Sistema Solar.

Graças ao Hubble foram descobertas, em 2012, sete galáxias primitivas que se formaram há mais de 13 mil milhões de anos, quando o Universo dava os seus primeiros passos.

Em 2013, mostrou vapor de água a despontar da superfície da Europa, gerando o interesse da comunidade científica e das agências espaciais por esta lua de Júpiter.

O investigador Pedro Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, destaca ainda, como feitos do telescópio, "a primeira evidência da existência de um enorme mar subterrâneo na lua Ganimedes, também de Júpiter", o maior planeta do Sistema Solar onde uma "enorme tempestade", conhecida pelo "grande olho vermelho" e onde "cabem várias vezes o planeta Terra", está a "começar a contrair e, eventualmente, irá desaparecer".

"Ao observar Marte ao longo do tempo, foi possível acompanhar a transformação do aspeto da superfície marciana ao longo das estações do ano", com a calote polar a alternar entre os hemisférios Norte e Sul "à medida que o inverno marciano migrava de um hemisfério para o outro", acrescentou à Lusa o também docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, especialista em sistemas planetários.

Para Pedro Machado, "o Hubble foi essencial para o advento de mais alguma disrupção no conhecimento planetário", tendo-se "revelado fundamental para o desenvolvimento da investigação" em sistemas planetários, incluindo o Sistema Solar.

O telescópio, equipado com vários instrumentos científicos, câmaras, computadores, espetrógrafos e sensores, permite observar corpos celestes na luz visível, ultravioleta e infravermelha (esta última em porções mais reduzidas).

A capacidade de observação na radiação infravermelha será otimizada com o telescópio espacial James Webb, que terá um espelho maior, de 6,5 metros de diâmetro, e instrumentos mais avançados.

Ao olhar melhor através das nuvens de gás e poeira, o James Webb possibilitará estudar a formação de estrelas e aumentar o conhecimento sobre o Universo primitivo, aquele para o qual o Hubble não abriu todas as janelas.

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