"O conceito de indústria 4.0 é um tema muito abrangente e que pode ser visto por vários prismas. Mas aquele pelo qual nós gostamos de olhar para o conceito é termos consciência de que aquilo que está associado a este novo paradigma da indústria 4.0 muitas vezes não é um desafio tecnológico, mas todo um desafio e um momento de mudança estratégica-organizacional", começa por dizer Sílvia Vara, responsável pelo do departamento de Investigação e Desenvolvimento da Direção de Laboratórios do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ). Basicamente, o que nos está a dizer é que a tecnologia é um meio para se atingir um fim - mas o que decide do sucesso e do fracasso é tudo o resto.  "[A tecnologia] é a parte menos desafiante de um processo de transformação no âmbito da indústria 4.0 porque a tecnologia existe, está lá, é só comprá-la".

Uma ideia complementada por Pedro Silva, diretor da consultora KPMG.  "Isto é uma transformação profunda e não sendo apenas tecnologia, e não começando por aí, começa exatamente pela vertente do negócio. Ou seja, à medida que se vai mudando efetivamente aquilo que são as bases do negócio,vai se introduzindo tecnologia e isto vai sendo feito de forma progressiva, por que se for demasiado disruptiva tem tendência a correr mal e a dar maus resultados".

Por isso, o que ambos os especialistas recomendam é - antes de mais - uma visão clara do que se quer atingir, e um plano, de curto e médio prazo . "A ideia de introduzir tecnologia por tecnologia vai falhar, por um lado, segundo se não houver metas de curto e médio prazo as organizações não vão ter a capacidade de facto de receber aquilo que são os benefícios desta transformação".

Uma nota importante é também a importância dos pequenos passos mais que dos grandes saltos (que raramente acontecem de uma vez): "Esses pequenos resultados é aquilo que motiva a própria organização porque a mudança que falamos aqui também é muito interna. E se não conseguir apresentar resultados parcelares, a empresa pode desanimar ao não atingir rapidamente o todo", considera Sílvia Vara.

O conceito indústria 4.0 tem as suas origens em indústrias com determinadas características, indústrias de processo, de produto, mas é um conceito que se aplica transversalmente a qualquer empresa de qualquer setor de atividade, de qualquer tamanho ou dimensão. O que muda são as necessidades: uma indústria que tem uma componente tecnológica altamente desenvolvida não tem as mesmas necessidades do que uma que trabalhe na área do retalho ou no comércio tradicional. Ainda assim, os desafios são os mesmos. "Os desafios são de conectividade com a cadeia de valor, com os seus clientes, com os seus fornecedores. É agilizar todo o processo internamente e sem dúvida que aí a tecnologia dá muito suporte", explica Sílvia Vara.

Indústria portuguesa não está preparada para entrar na quarta revolução

Em 2017, o Governo apresentou uma estratégia para a indústria 4.0 e ao longo de 2018 têm se multiplicado discussões em vários foruns. O tema entrou, sem dúvida na agenda, mas a pergunta que muitos fazem é se Portugal e as empresas portuguesas estão preparados para esta nova revolução industrial. Sílvia Vara considera que não. "Considero que [Portugal] não está preparado por que efetivamente aquilo que é preciso desenvolver é uma cultura para a transformação digital, não é a cultura de que vamos comprar tecnologia e aí já estamos na era da indústria 4.0. Tem que ser uma cultura dentro das próprias pessoas, dos trabalhadores, das lideranças. E o que sabemos que pela nossa experiência no terreno é que o nível de maturidade para a indústria 4.0 da maior parte das PMES portuguesas é bastante baixo".

"No caso das PME portuguesas não é uma questão de se estar preparado ou não, é uma questão quase de sobrevivência. Se nós não o fizermos alguém vai fazer por nós. E esse é um desafio que vai obrigar as empresas, de facto, a transformarem-se. Sob pena, como são parte da cadeia de valor, não conseguirem ter interação nem a montante nem a jusante. E isso vai obrigar os empresários não a olhar para isto como uma moda, mas como uma necessidade de evoluírem e efetivamente", corrobora Pedro Silva.

Investimento desajustado ao momento

Transformar custa dinheiro e são, por isso, críticos os apoios disponíveis para as empresas iniciarem ou aprofundarem os processos de indústria 4.0. Mas, na opinião de Sílvia Vara e de Pedro Silva, vai ser necessário mais investimento e mais apoios."Os apoios que existem [do Estado] não estão a esgotar totalmente as necessidades. É preciso muito mais apoio. Como não existe um verdadeiro conhecimento do estado de maturidade das empresas por setor de atividade, às vezes as políticas e os apoios são desajustados das verdadeiras necessidades. As PMEs têm mais dificuldade em chegar à informação do que as empresas maiores. E têm mais dificuldades até, espante-se, dependendo da localização geográfica onde estão. Uma empresa do interior não tem acesso à mesma informação que tem uma empresa do litoral", afirma a especialista do ISQ.

"Há o tema da descentralização", concorda Pedro Silva. "Mas a transformação digital também ajuda a diminuir essa distância. Esta transformação digital vai aproximar não só as empresas que estão no interior ou estão mais descentralizadas daquelas que estão nos polos mais evoluídos. Segundo aspeto, as empresas que têm menores recursos financeiros poderem ter acesso a um conhecimento que já foi testado em empresas com maior capacidade financeira". Por último, na opinião do especialista da KPMG, é fundamental partilhar boas práticas, o que implica uma boa estratégia de comunicação. "Esta integração é um dos aspetos chave onde ainda há algum trabalho a desenvolver. Como é que se consegue cooperar entre as empresas no sentido de partilharem boas experiências. Estamos a falar de muitas soluções que são perfeitamente transversais a vários setores de atividade e mesmo dentro de cada um dos setores. A forma como se conseguem demonstrar e mostrar aos restantes empresários o que já foi feito como caso de sucesso pode ser diferenciador para outra empresa também apostar naquele tipo de solução".

A quarta revolução industrial

A primeira revolução industrial, no século XVIII, introduziu a mecanização do trabalho humano. No século seguinte, a segunda revolução industrial aprimorou os métodos mecanizados e passou a permitir a produção em massa. A terceira revolução fez-se a partir da autonomia as máquinas passaram a ter e que levou a que certos trabalhos passassem a não precisar de intervenção direta do ser humano.

A atual revolução industrial decorre do uso massivo da internet e levou à criação de sistemas ciberfísicos que aliam a automatização e a digitalização. O futuro, que já é presente em algumas empresas, passa por fábricas e sistemas que funcionam em conectividade, com base em algoritmos que respondem e aprendem. Tudo está ligado em simultâneo.

A Indústria 4.0, que dá nome à quarta revolução industrial, é uma expressão usada pela primeira vez na feira de Hannover, na Alemanha, em 2011. Dois anos depois é adotado pelo governo federal alemão como título da n​ova visão para a indústria alemã​.Tem por base vários conceitos e tecnologias: a simultânea operabilidade de máquinas em constante comunicação (M2M - Machine to Machine); a IoT (Internet of Things); a Big Data, repositórios de grandes quantidades de dados, a análise de dados e tomadas de decisões em tempo real; Inteligência Artificial.