O nosso fascínio enquanto humanos pelas estrelas e pelos mistérios do espaço não é nada de novo — há milhares de anos que os pirilampos dos céus nos afetam a curiosidade e despertam o desejo de conhecer a fascinante escuridão do universo. Assim foi na Grécia Antiga, assim se repetiu no séc. XVII quando Galileu apontou o telescópio aos céus, assim acontece hoje em dia via multimilionários que aliam mentes brilhantes e a ambição a muito dinheiro para tornar o “turismo espacial” numa coisa (negócio) bem real.
Ou seja, vivemos numa época em que a tecnologia evoluiu de tal forma que, nestes nossos tempos modernos, além de Elon Musk ter planos (adiados) para que a SpaceX dê umas voltas à Lua com passageiros, e de tanto a recém-insolvente Virgin Galactic (de Richard Branson) como a Blue Origin (de Jeff Bezos) terem transformado civis de carteira recheada em turistas espaciais, a pergunta “vamos num balão até à borda do espaço comer à luz das estrelas?” passou a ser assunto que pode ser levado à letra. Nesta última parte, fazemos referência ao anúncio da semana passada da francesa Zephalto, que fez saber que está a aceitar reservas para quem tenha o desejo de “ousar sonhar” viajar até à estratosfera num balão digno de filme sci-fi.
A partir de 2025, pela módica quantia de 120 mil euros por pessoa, quem quiser ir à estratosfera almoçar iguaria refinada francesa “na mais imaculada nave espacial do século XXI”, já o pode fazer (os planos são para expandir o território de lançamento, mas numa fase inicial será necessário ir a França). À Bloomberg, o fundador e engenheiro aeroespacial da Zephalto, Vincent Farret d’Astiès, explicou que tem planos para realizar até 60 voos por ano e que o objetivo da empresa é proporcionar uma experiência que traga os melhores elementos da hospitalidade francesa, nomeadamente boa comida, vinho fino e design de conforto.
O que se quer dizer com isto? Por boa “comida” e “design”, entenda-se confeção nível estrelas Michelin (sem se saber ao certo quem é o parceiro gastronómico em causa) e uma experiência feita à medida de cada passageiro, onde nem o Wi-Fi vai faltar — há que partilhar as imagens inacreditáveis com a família e amigos, que serão meros terráqueos durante umas horas.
- Mas quem é a Zephalto? É uma startup francesa, nascida em 2016, que atua na área espacial e é responsável por um balão movido a hidrogénio e hélio, concebido para voar sem interrupção. O projeto conta com o apoio da agência espacial francesa e a Zephalto realizou três voos de teste com pilotos a bordo, sem ainda que nenhum tivesse alcançado a altitude de 25 quilómetros (um voo de testes no final do ano deve garantir esse objetivo). Porém, a ideia é que quando todos os testes forem aprovados, o balão obtenha a certificação da EASA (Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação) para atuar como avião comercial.
A experiência
Segundo a informação oficial, a “Celeste” (assim se chama a cápsula pressurizada “state-of-the art” onde vão estar os passageiros) foi desenhada por Joseph Dirand, um conhecido arquiteto de interiores francês (responsável por lojas como a Balmain ou Givenchy, bem como de restaurantes chiques como o “Loulou” ou o “Monsieur Bleu”), em que suas linhas minimalistas não vão distrair os passageiros do que ali estão a fazer: “descobrir a paisagem infinita” do cosmos. A título de curiosidade, está incluída na tarifa a possibilidade de falar com um psicólogo antes do voo. É que “ver a Terra de cima” pode ser um desafio, elucida Farret d'Astiès. E as declarações do ator William Shatner, em 2021, podem ser prova disso.
E como é que se vai desenrolar a viagem? Para começar, o balão vai sair de solo francês e subir 25 quilómetros até à estratosfera durante uma hora e meia. Uma vez no pico de altitude (explica a Bloomberg que é cerca de três vezes superior à de um avião comercial), o balão permanece por lá durante três horas, dando aos convidados a oportunidade de apreciar uma vista até aqui só ao alcance de globo ocular de astronautas. Depois desse período, há que pensar no regresso, em que a descida demora mais uma hora e meia, transformando a viagem numa experiência única de seis horas.
- Mas porquê 25 km e não mais? “Escolhemos 25 quilómetros porque é a altitude a que estamos na total escuridão do espaço, com 98% da atmosfera por debaixo de nós, para que se possa apreciar a curvatura da Terra na linha azul. Está-se na escuridão do espaço, mas sem a experiência da gravidade zero", explica Farret d'Astiès. (Nota: ainda que a NASA diga que o espaço começa oficialmente a 80 km da Terra, outros organismos internacionais situam-no a 100 km, na chamada Linha de Kármán. Bezos chegou a esta última, Branson não.)
Porém, apesar da Zephalto ser o novo membro da família da corrida espacial, diga-se que não é a única a levar passageiros de balão até à estratosfera. A World View e a Space Perspective estão preparadas para oferecer viagens semelhantes ainda mais cedo (2024). No entanto, a recém-chegada francesa parece decidida a apostar numa experiência diferenciada, em que o luxo e conforto a bordo parecem ter primazia.
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