“O Dicionário de Palavras Soltas do Povo Transmontana” é a primeira obra de recolha vocabular dos distritos de Bragança e Vila Real que reúne os termos com um significado próprio nesta região, como explicaram à Lusa os autores.
A obra “contém mais de 10.200 palavras e expressões típicas de Trás-os-Montes, desde vocabulário em vias de extinção, de que só as gerações mais velhas se recordam, passando pelo calão, pela gíria, até às palavras e expressões castiças reinventadas pela nova gente transmontana”, como é descrito em cada um dos 2.000 exemplares já à venda.
A ideia partiu de três amigos José Pires, presidente da União de freguesia da Sé, Santa Maria e Meixedo, Cidália Martins e Mário Sacramento.
Como contaram à Lusa, começaram “em jeito de brincadeira” a tomar nota das palavras que cada um se lembrava até que decidiram: “vamos guardar isto porque se vai perder”.
Com o passar do tempo surgiu a ideia de fazer um dicionário. “Não um dicionário formal, mas informal que explicasse o que significa uma palavra utilizada aqui que tem um significado próprio, porque há palavras que estão neste dicionário que também são usadas noutras regiões, mas o significado não é o mesmo”, explicou José Pires.
Ao longo de três anos e meio, recolheram, entre as que conheciam, no contacto nas aldeias, com colaboradores nas diferentes zonas da região, e consultando o trabalho de estudiosos do tema, mais de 15 mil palavras e expressões.
No dicionário aparecem apenas aquelas que foram validadas como sendo exclusivamente típicas desta zona, pelo menos em termos de significado.
Do resultado concluem que “os transmontanos conferem à Língua Portuguesa uma vitalidade própria” com um “linguajar repleto de graciosidade, alguma malícia e muito humor à mistura”.
O dicionário “descodifica, de forma simples e descomplicada, o significado desse falar e dizer único e divertido”.
Em terras onde os espertos são “guichos” e um bocado de pão é um “cibo”, não há quem nunca tenha largado o típico “bô”, expressão que indica admiração ou espanto, equivalente a “não me digas”, “pode lá ser”, “não acredito”.
“Isto não é uma obra nossa, é uma obra de todos os transmontanos. Aquilo que se pretende é reforçar também a identidade transmontana”, apontou Mário Sacramento.
Os autores constatam que o linguajar da região já foi motivo de vergonha para alguns que saiam da região e quando a visitavam causavam inclusive “algum constrangimento” aos que moravam na aldeia quando usavam as expressões regionais.
“Hoje em dia não, nós temos que afirmar esta nossa genuinidade, a autenticidade, que é aquilo que nos define como transmontanos”, defendeu.
Os autores do dicionário constaram também, como referiu Cidália Martins, que “há muitas palavras que têm o mesmo significado em várias aldeias, mas são ditas de maneira diferente, e escritas”.
No dicionário não entram termos mirandeses porque o Mirandês é uma língua, a segunda oficial de Portugal.
Nas divisórias do dicionário, aparece uma pegada com os nomes de todas as localidades da região começados pelas respetivas letras.
Este trabalho foi abraçado, “desde a primeira hora”, pelo professor Adriano Moreira, natural da região transmontana, que desde Lisboa apoiou toda a logística e é o autor do prefácio.
“Quando lhe apresentamos o primeiro esboço, ele prontificou-se logo a encontrar alguém para nos acompanhar na obra, para fazer o prefácio, para a apresentação, para fazer estar essa obra em tudo quanto fosse academia de ciências, em instituições”, contou José Pires.
“C`moquera isto vai dar muito que falar”, assim espera Mário e os outros autores da obra publicada pela editora Guerra e Paz.
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