Janeiro é Henrique Janeiro. Nome próprio. Engane-se quem ache que seja um alter-ego ou pseudónimo (ou até mesmo alguma referência a Rui Veloso). Escolheu-o assim, Janeiro, porque precisava de um nome. E gosta de ser identificado desta forma, esqueçam o Henrique. O músico sentou-se à conversa com o SAPO24. E ainda bem que assim foi, que a diferença de alturas entre o intérprete de "(sem título)" e a jornalista é alguma. Se pela televisão não parece, saiba que Janeiro tem perto de dois metros, 1,98 m precisamente. De Coimbra ao Festival da Canção. Da amizade com Salvador Sobral à banana. "Mas afinal quem é Janeiro".

Como tudo começou

A música surge naturalmente em casa, "por via da educação". Janeiro recorda-se das viagens de carro com a mãe a "ouvir música altíssimo", bossa e jazz sobretudo. Já o pai ouvia mais rock, "tipo Lou Reed". "Também puxava um bocadinho pela canção portuguesa: de Rui Veloso a GNR", conta. Essas memórias remontam aos 8 ou 10 anos, se a memória não lhe falha.

"não, tu vais ser músico, porque aí é que tu és feliz"

O que chama de educação musical familiar passou depois por algumas aulas de piano, sugeridas pela mãe. "Uma seca", brinca. Anos mais tarde volta às aulas, mas ainda tudo "muito lúdico, nada profissional", com a frequência na Academia de Música "Sétima", dos irmãos João e Daniel Bessa.

Até que tudo fica sério. O desejo de entrar em guitarra jazz na ESML (Escola Superior de Música de Lisboa) levam-no a ter aulas particulares. Janeiro tinha 17 anos, por essa altura. Ainda vivia em Coimbra, de onde é natural. "Fiquei seis meses a preparar-me, mas era impossível. Ainda assim fiquei em quinto quando só entram os três primeiros", conta. "Mas era impossível apenas com seis meses tentar entrar quando tinhas malta com anos e anos de Hot Clube".

Aos 18 anos o curso de Musicologia entra na equação, "como plano B". Mas ainda assim faltava algo, parecia-lhe tudo muito teórico. Decide frequentar o curso na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, ao mesmo tempo que frequenta o Hot Clube de Portugal, para "ter a componente prática". Conciliar as duas coisas  — "não vou dizer que foi fácil —  "foi uma experiência muito enriquecedora", partilha.

créditos: Arlindo Camacho

Estudar música, ao contrário de muitas histórias partilhadas por pares de profissão, foi algo quase imposto pelos pais. "Tu vais estudar música", disseram-lhe. Janeiro gosta de contar essa história, já que sente que no seu caso os papéis inverteram-se. Ainda tentou dizer "vou para economia ou gestão". Mas a mãe já sabia: "não, tu vais ser músico, porque aí é que tu és feliz". 

É-lhe difícil escolher as referências musicais, por serem muitas. A nível nacional, na parte lírica escolhe Variações, na composição musical destaca Rui Veloso. Internacionalmente, Frank Ocean, pela importância de "Blond", e John Mayer pela abordagem à pop com referências do blues e do jazz. Não gosta de catalogar, mas sente "que o público precisa de uma referência e de um filtro". Por isso, diz, fazer "música pop em português, com referências da música electrónica, do jazz e de bossa".

Quando termina a frequência no Hot Clube lança o primeiro EP, homónimo. Estávamos em 2015. Agenciado pela Azáfama, agora está com a Ruela Music. De norte a sul, percorre vários palcos para se "mostrar à indústria, o mais importante no início". Do NOS em D'Bandada ao Vodafone Mexefest, passando pelas FNACs.

Mais recentemente, dá a conhecer um lado mais cru da sua música em conjunto com alguns nomes do panorama nacional e com quem sente algum tipo de relação musical. Convida Salvador Sobral, Ana Bacalhau e Miguel Araújo para aquilo que chamou de as "Janeiro Sessions". Estas sessões, descreve, são "um porto de abrigo, um local onde posso ser eu próprio e posso mostrar o que sou o quanto artista e enquanto pessoa". E promete novidades, no futuro.

A amizade com Salvador Sobral

Janeiro conhece Salvador Sobral no Hot Clube, há cerca de cinco anos. Foram apresentados por um amigo em comum. "Ele diz que sentiu logo que eu ia ser amigo dele; eu senti o mesmo", partilha.

Por várias vezes colaboraram. Salvador participa no EP de Janeiro, no tema "Teresa e Tomás" gravado no estúdio de Rui Veloso. Confessa que se influenciam mutuamente, mas não só a nível musical. A partilha entre os dois vai mais longe e estende-se às outras artes. 

Quando assistia a Salvador no Festival da Canção nunca pensou estar, um ano mais depois, no mesmo lugar que o amigo. Por isso, diz, que recebeu o convite com surpresa. Foi por telefone. "Ele ligou-me e perguntou se queria participar no Festival da Canção. Fiquei surpreso, mas aceitei logo", recorda agora. Na altura pensou só em compor, estava longe da ideia de interpretar um tema escrito por si. Mas à medida que o processo de composição se desenrolou percebe que teria de ser ele a dar voz.

 "Quando componho, faço-o sempre com um cunho muito próprio e acabo por não conseguir imaginar a canção na voz de outra pessoa. Pode ser por defeito ou por demasiada identidade na canção".

Entre outras novidades, o Festival da Canção introduziu, nesta edição, a possibilidade de o vencedor do ano anterior voltar a participar ou convidar um compositor. Janeiro foi, como já referido, a escolha do intérprete de "Amar pelos Dois". Talvez por este alinhar dos astros, Janeiro tem sido comparado a Salvador Sobral. E até há razões para tal: "isso sempre aconteceu entre amigos", diz Janeiro que leva tudo "na boa". "Vocês são bué parecidos, sempre disseram. Até as nossas mães o dizem", graceja. "Nos últimos anos temos estado muito unidos e muito próximos. Isso, naturalmente, pode influenciar", acrescenta. "Quando tenho um amigo muito próximo, ganho os maneirismos dele. Se vou ao Porto, venho de lá a falar assim [faz sotaque nortenho]", termina.

Por ter sido escolhido por si e pela amizade, não esconde a importância de Salvador estar ao seu lado na noite da primeira semifinal, de onde saiu apurado para a grande Final do Festival. 

Do Hot Clube ao palco do Festival da Canção

No palco da semi-final do Festival da Canção diz ter-se sentido seguro. "Talvez porque nos ensaios não me tinha sentido tão confortável. Mas é por isso então que existem os ensaios", brinca. Sentado na beira do palco, apenas uma guitarra elétrica e um amplificador o acompanhava.

"Como a canção é muito calma, muito tranquila, estava a fazer um esforço por também tentar passar essa tranquilidade. O facto de estar sentado, da canção ter uma faixa de chuva, que dava um ambiente introspectivo. Era importante acompanhar a canção e não estar ali meio nervoso. Tentei e senti-me tranquilo, correu bem".

"(sem título)"  — assim mesmo, parêntesis incluídos  — recebeu a pontuação máxima do júri (12 pontos), que não coincidiu com a preferência do televoto (4 pontos). "Fiquei um bocado triste por a malta não gostar lá em casa", desabafa. Quanto aos jurados, confessa-se muito feliz por ter sido "unânime".

O título que é ao mesmo tempo a ausência de um vem da "vontade de despir a canção ao máximo, até do próprio título".

Se a atenção do público não se traduziu em votos, aquando da gala, traduz-se agora em visualizações no YouTube. O vídeo da atuação do músico conta, desde a sua publicação pela RTP no domingo, mais de 170 mil visualizações (e a contar). De todos os intérpretes da primeira semifinal é aquele que mais interesse tem despertado na plataforma digital. Curiosamente, uma história que aconteceu com Salvador Sobral e agora se repete.

A imagem de Janeiro dificilmente ficará dissociada do lenço que usa na cabeça. Qual Axl Rose do jazz. "Tudo começou para aí há um ano e meio ou assim, já não sei porquê. Já não me consigo lembrar", conta. Hoje já tem umas cinco ou seis fitas, mas "vão sempre surgindo mais".

A restante cenografia está associada à mensagem que quer passar. Feita por Mariana da Bernarda, "é importante referir o nome dela porque tem feito um trabalho incrível", em conjunto "com a malta da Pop Closet". Os phones vêm mais por uma questão funcional que propriamente estética.

A banana, de onde veio a banana

"Tinha montes de bananas lá atrás [nos bastidores], tanto que estive a noite toda a comer bananas", conta.

"Mas é algo normal, tenho sempre bananas no saco. Antes até tinha sido apanhado a comer bananas enquanto o José Cid era entrevistado. Depois pensei, vou assumir esse momento nonsense, meio subversivo".

Pode ter sido mal-interpretado, admite Janeiro. As redes sociais confirmam. "Mas eu adoro isso", admite.

"Não adoro ter sido mal interpretado, mas adoro o facto da provocação ser também uma extensão da minha identidade. Se tu crias um momento irreverente e subversivo como seja comer uma banana, qualquer coisa que as pessoas não estejam à espera, crias ali uma espécie de provocação com a qual me identifico enquanto artista".

"A performance, como acontecia no modernismo português do século XX, com Almada Negreiros ou o Fernando Pessoa, é uma coisa que acho genial", justifica o músico. 

"Provocar as pessoas é bom para mim. Não queria passar como sendo arrogante, mas talvez tenha sido interpretado assim", acrescenta. 

Diz que é difícil de explicar e compreende que seja difícil de entender. Por isso compara a sua intenção com o humor de Ricardo Araújo Pereira: "pelo riso vai buscar uma coisa intelectual e as pessoas ouvem-no".

créditos: Arlindo Camacho

O Festival enquanto montra do seu trabalho

O músico prefere não pensar na final (ou numa vitória) porque para si o objetivo da participação já está cumprido: "Queria dar-me a conhecer". Até porque prevê, já no primeiro semestre deste ano, lançar o seu primeiro álbum — onde já pensa incluir a canção que levou ao Festival.

"Não é caso para não ser honesto. Fui ao Festival para mostrar a minha música e a minha identidade artística e, também, para deixar o Salvador orgulhoso com a canção", assume. 

Ir à Eurovisão, que se realiza este ano pela primeira vez em Portugal, em Lisboa, seria especial. "Até porque a canção fala de Lisboa: há tantas coisas boas e uma delas é estares perto, de que servem dez Lisboas se me sinto no deserto...".