A tradução é assinada por Margaret Jull Costa, a premiada tradutora de autores portugueses para língua inglesa, e pelo escritor, tradutor, editor e professor de origem argentina Patricio Ferrari, conhecedor da literatura portuguesa e, em particular, da obra do poeta de Orpheu.
"Aqui estão, nas esplêndidas novas traduções de Margaret Jull Costa e Patricio Ferrari, os poemas completos de Alberto Caeiro, o 'heterónimo' imaginário criado por Fernando Pessoa, o mestre do modernismo português", escreve a editora nova-iorquina New Directions, na apresentação da obra.
À semelhança da edição portuguesa, “The Complete Works of Alberto Caeiro” reúne o que ficou da construção do heterónimo: os poemas agrupados em “O Guardador de Rebanhos” e num possível “Pastor Amoroso”, assim como “Os Poemas Inconjunctos”, que o autor nunca deixou de ‘fixar’, ao longo da vida, como o prefácio de Pizarro e Ferrari esclarece.
A edição junta-lhes ‘fac-símiles’ dos originais, manuscritos, datilografados e constantemente anotados, e textos de Pessoa sobre Caeiro e a sua obra escrita.
A edição inclui igualmente textos dos heterónimos Álvaro de Campos e Ricardo Reis, sobre Caeiro, e de outras figuras fictícias de Pessoa, que se atravessam na grande teia do escritor, como o “filósofo” Antonio Mora e o “scholar” I.I. Crosse, que “ousa” apresentar "o misticismo da objetividade" do poeta-pastor a um público inglês: "Ser uma coisa é não significar nada".
Para os organizadores da "Obra Completa de Alberto Caeiro", este heterónimo, que “terá vindo à alma” de Pessoa “no ‘dia triunfal’ de 08 de março de 1914”, “está no centro da [sua] ficção”.
Pizarro e Ferrari admitem que “Caeiro terá surgido de uma casualidade”, adquirindo depois uma dimensão própria, cada vez maior. E recordam as palavras de Pessoa: “Lembrei-me um dia de fazer uma partida ao [Mário de] Sá-Carneiro: de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada”.
Para os investigadores, à partida, Caeiro e Carneiro estão ligados. E a declaração da morte do primeiro, em retrospetiva, será ditada pelo suicídio, em 26 de abril de 1916, do autor de “Céu em Fogo”, em Paris: "Ambos os poetas morreram jovens (...), e o desaparecimento de Ca[rn]eiro parece motivar o de Caeiro”, defendem.
As datas de nascimento e morte de Caeiro adquirem então uma carga significativa: “Foram fixadas por Pessoa por volta de 1916, numa altura em que o ‘poeta bucólico’ já podia morrer, por assim dizer, porque já existia o livro pelo qual seria lembrado – ‘O Guardador de Rebanhos’ – e porque já se iniciara a construção de um segundo Caeiro, o jovem Mestre de uma série de discípulos que manteriam viva a sua memória".
Assim, para Pizarro e Ferrari, “há um primeiro Caeiro, que apareceu na primeira semana de março de 1914 e não foi publicado na revista Orpheu (1915); e um segundo Caeiro, já póstumo, que é discutido por António Mora, prefaciado por Ricardo Reis, evocado por Álvaro de Campos e publicado na Athena (1925) e na Presença (1931)”.
A "Obra Completa de Alberto Caeiro" demonstra a existência de ambos: o pastor bucólico “quase ignorante das letras”, que Pessoa mantém em construção até ao fim, e que acaba por transformar numa referência dos outros heterónimos.
Na passada terça-feira, dia em que o livro chegou às livrarias norte-americanas, o jornal The New York Times, que já considerou Pessoa “tão ardente quanto [Reiner Maria] Rilke”, descreveu-o como “o grande poeta português”, e a crítica, citada pela editora, afirmou que “alguns dos mais importantes poemas” do autor tiveram origem exatamente em Caeiro, “o pastor humilde”.
A revista literária The Paris Review, por seu lado, reproduz o perfil de Pessoa, assinado pela tradutora Margaret Jull Costa para esta edição, e sublinha a função vital da escrita, no autor de “Mensagem”, assim como a inevitabilidade dos heterónimos.
“Pessoa vivia para escrever, para datilografar, para fazer rascunhos em tudo o que lhe aparecesse à mão - pedaços de papel, sobrescritos, folhas soltas, folhetos publicitários, verso de cartas comerciais... E escreveu em quase todos os géneros - poesia, prosa, drama, ensaio, textos filosóficos e de crítica, teoria política”, afirma Jull Costa.
Aos heterónimos deu “biografias complexas, estilos próprios, filosofias distintas”, e colocou-os a interagir entre si, “criticando ou traduzindo o trabalho uns dos outros”.
“Alguns eram meros esboços, mas os seus três principais heterónimos poéticos - Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos - produziram um corpo de trabalho muito sólido”, conclui Margaret Jull Costa, que soma mais de três décadas a traduzir autores de língua portuguesa para inglês, ação distinguida com a Ordem do Infante D. Henrique, em 2018.
A edição bilingue da "Obra Completa de Alberto Caeiro", nos Estados Unidos, sucede à premiada e nova tradução do “Livro do Desassossego”, também publicada pela New Directions em 2017, envolvendo igualmente Pizarro e Jull Costa. "Um mosaico avassalador de sonhos, fragmentos autobiográficos, de teoria literária, críticas e máximas", como o professor e ensaísta George Steiner (1929-2020) definiu o livro de Bernardo Soares.
"Figura central do modernismo europeu", Pessoa tem uma obra “arrebatada e inquietantemente sugestiva", que "permanece assombrosa e surpreendente”, escreveu o poeta e crítico norte-americano William Stanley Merwin (1927-2019), no The New York Review of Books, a propósito da edição do “Livro do Desassossego”. “Não há ninguém como ele”, concluiu.
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