Esta é a primeira exposição de Eduard Arbós depois de dois anos em que esteve retirado, "afastado do mundo", numa luta para garantir que não perdia o seu olho direito, contou à Lusa o artista espanhol, natural de Barcelona, mas que vive entre Lisboa e a cidade catalã há 14 anos.
Na exposição no Círculo Sereia do CAPC, os frascos de colírio que tinha que tomar surgem transformados numa espécie de escultura, os cartões-de-visita do hospital com datas e horas numa obra visual, há trabalhos em grafite em torno do olho, um calendário que se assemelha à escrita de braille com pontos negros em todas as visitas e cirurgias feitas em dois anos.
O seu quarto, visto como lugar frágil, onde tinha de estar fechado durante dias após as operações, os seus olhos junto a outros num caderno para aprender a desenhar do seu pai, referências ao cinema e aos movimentos da OP Art (arte ótica) e dadaísmo são outras das obras presentes, numa exposição que questiona a perceção, a representação e a própria construção da imagem.
Em 2015, foi diagnosticado a Eduard Arbós um descolamento da retina no olho direito. Foi feita uma cirurgia, que correu muito bem, e a previsão seria para recuperar "a 100% a visão".
No entanto, a situação complicou-se, houve um segundo descolamento da retina, posteriormente o olho criou uma espécie de membrana e esteve perto de perder o olho, num processo longo e duro, entre 2015 e 2017, em que não pôde pintar nem desenhar.
"Não podia fazer nada. Era de uma dureza extrema. A parte mais insuportável era perceber como se suporta a angústia e não se cai numa grande depressão", disse à Lusa o artista, referindo que a solução passou por, sobretudo, "não pensar, não pensar no futuro e nunca pensar em arte".
Quando pensava, frisa, "ficava muito angustiado”. “Ficava tenso, porque não saberia se poderia voltar a trabalhar".
Terminado o processo e com o olho direito "altamente danificado" - apenas vê umas sombras - Eduard Arbós entrou "em pânico total" com a ideia de voltar a trabalhar, porque não sabia o que poderia fazer.
No processo de regresso ao trabalho, surgiu a ideia de relatar tudo o que lhe tinha acontecido naqueles dois anos, numa espécie de guião cinematográfico resumido, que, depois escreveu à mão, num trabalho de relação entre escrita e desenho, como se o relato fosse "uma espécie de pintura visual".
"Está tudo escrito mas sem nenhuma pontuação, tudo em maiúsculas, só com pontos finais e parágrafos, que dificulta a leitura. Quero que a pessoas tenham que fazer um esforço, tenham uma dificuldade de visão, se quiserem ler este texto" - guião esse que aparece convertido em obra visual na exposição do CAPC.
A escrita do guião, a primeira de muitas obras que acabam por retratar a sua luta, foi "um momento catártico" e de libertação, mas também de adaptação, "de reajuste, de reconstrução", explica.
Para o trabalho, a maioria das obras foram feitas a partir do desenho com grafite, material escolhido pela característica ótica - dependendo da incidência da luz o grafite pode revelar um negro profundo ou um prata brilhante - e também porque "mostra o gesto de construir o desenho", num trabalho centrado na relação entre a escrita e o desenho, a preto e branco.
Com a inauguração a aproximar-se, Eduard Arbós confessa uma "ansiedade brutal" por ver o trabalho montado e apresentado.
"Aqui, há muitos sentimentos especiais, até porque não sabia se poderia regressar. Há uma parte emotiva muito forte, que nunca tinha tido até agora a fazer uma exposição. Diz-se que o artista entrega-se com o corpo ao seu trabalho. Aqui, é literal", vinca.
A exposição é inaugurada no sábado, às 17:00, e vai estar no Círculo Sereia do CAPC até 23 de março, sendo possível visitar de terça-feira a sábado, das 14:00 às 18:00.
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