“Tivemos a clara perceção de que podia ter sido qualquer um de nós”
“Estamos todos com a mesma sensação: nada é impossível quando uma pessoa efetivamente quer fazer”, começou por dizer David Fonseca ao SAPO24, artista leiriense que ainda no sábado passado atuou - e encheu - no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, onde conseguiu, juntamente com outros artistas da região, juntar 10.500 euros para a causa. Aconteceu tudo muito depressa, conta-nos.“Logo um dia após toda esta tragédia acontecer tive um telefonema da Câmara Municipal de Leiria que quiseram fazer logo um concerto de solidariedade”, conta-nos o músico.
Para David Fonseca aquele é um momento que lhe ficará na memória, “somos todos vizinhos ali, e aquela zona toda a gente a conhece muito bem e por isso tivemos a clara perceção de que podia ter sido qualquer um de nós, ou alguma das nossas famílias, a estar envolvida naquilo”.
“Eu acho que uma das ideias da arte é unir as pessoas, mas a resposta do público tem sido absolutamente inacreditável”, sublinhou o músico. Os estrangeiros quando visitam o nosso país costumam dizer que somos um povo muito “amistável”, “muito dados uns aos outros”, disse o artista leiriense, realçando que nem sempre os portugueses “têm o condão de perceber isso” e que “é quando estas coisas acontecem que o sentimento de comunidade é fora de série”.
A “homenagem mínima”
Já para Camané, esta “é uma homenagem mínima”. O fadista lamenta o número de vítimas mortais e destaca a importância de se ser solidário nesta altura, salientando ainda a necessidade de uma “mudança de atitude”, porque para que “uma tragédia como estas não se repita, é preciso que exista finalmente uma mudança”. Às famílias e vítimas dos incêndios da região centro do país, o músico deixa uma mensagem de conforto: “estamos juntos”.
“Façam como os músicos, deem as mãos e ponham as divergências de lado”
“Mais uma vez quando os sinos tocam a rebate, os músicos unem-se. Não é nada de novo na nossa história, mais uma vez estamos cá com o coração nas mãos”, diz João Gil. O guitarrista e compositor que esteve na formação de alguns dos grupos mais emblemáticos da música portuguesa, como os Trovante e a Ala dos Namorados, ressalva a importância da música nestes momentos. “Nós [os músicos] somos como uma esponja. Absorvemos as dores e as angústias, mas também as coisas boas da vida. Funcionamos como uma espécie de reflexo. Absorvemos isso tudo das pessoas e devolvemos-lhes o nosso trabalho”. Numa tragédia como esta, “tão grande, única na nossa história, não há memória de uma coisa assim, os músicos dão as mãos. Para serem úteis, para mobilizar e para não deixar esquecer”.
Para João Gil, este evento também vista passar uma mensagem. “O recado que nós damos a toda a classe política, partidária e aparelho de estado é este: façam como os músicos, deem as mãos e ponham as divergências de lado”. “Falem menos e façam mais. Chegou o momento de fazer, de fazer mais. Não faltam leis, não falta conversa, não faltam argumentos... falta agir. É chegado esse momento”, conclui o músico que este ano celebra 40 anos de canções.
“Podia ter acontecido connosco, o fogo podia ter aparecido à nossa frente e nós não podíamos fugir”
Para o jovem músico Diogo Piçarra, é “inacreditável” todos os meios que foram reunidos em tão pouco tempo para tornar este concerto solidário possível. “Em menos de uma semana juntaram os três canais, juntaram todas as rádios, juntaram quase todos os artistas… é realmente de louvar tudo o que está a acontecer. Pessoas que estão aqui de alma e coração sem receber nada”, sublinha o músico que nos conta que o próprio adiou um dos seus espetáculos para poder estar aqui esta noite, na Meo Arena, no concerto Juntos Por Todos.
“Fiquei muito sensibilizado com tudo o que aconteceu desde as imagens que vi na televisão, desde as fotos ou mesmo passando pela zona. Tudo devastado, tudo destruído…”, relembra Piçarra que há pouco tempo tinha atuado perto daquela região do país, em Pampilhosa da Serra.
No fim, diz o jovem músico, o sentimento que fica é de que poderia ser qualquer um, naquele momento, a atravessar a estrada, inclusive ele e a sua banda, a caminho de um dos muitos concertos que costuma ter por aquela zona.
“Podia ter acontecido connosco, com a nossa banda, o fogo podia ter aparecido à nossa frente e nós não podíamos fugir, nem para a frente, nem para trás e foi o que aconteceu a muitas das famílias que não tinham escapatória. Foi só esperar que a morte chegasse e isso sensibilizou-me imenso”, diz-nos o artista.
“O nosso país ficou doente e nós deixámos todas as coisas que nos separam e unimo-nos por isto”
“Isto dá-me mesmo um orgulho enorme do meu país”, diz-nos Luísa Sobral, minutos antes de entrar para o ensaio de som. Mas, realça a cantora, é importante não esquecer de quem é grande parte do mérito de tudo isto: das agências que representam os 25 artistas que, esta noite, vão pisar o palco da Meo Arena. “Nós chegamos aqui, aparecemos e fazemos o ensaio de som e o concerto à noite, mas isto tem muito trabalho da agência e de toda a gente que está há uma semana a organizar uma coisa que supostamente demoraria meses a organizar”, salienta a artista.
Luísa Sobral diz que já tinha noção de que o seu país era assim, o que acontece é que “às vezes as pessoas esquecem-se”. “Acho que é um bocadinho como nas famílias, quando alguém fica doente e toda a gente, de repente, se deixa de discussões e se unem. É assim, o nosso país ficou doente e nós deixámos todas as coisas que nos separam e unimo-nos por isto”, diz a cantora ao SAPO24.
“A música sempre fez a diferença”
Para o seu irmão, Salvador Sobral, que esta noite está a “a amar por todos”, a importância de uma noite como esta é “crucial”. “Se nós podemos dar a nossa voz, literalmente, por esta causa, então temos de o fazer”, conta o músico que venceu a edição deste ano do Festival da Eurovisão. “A música sempre fez a diferença”, mas hoje mais do que nunca. A quem viveu de perto esta tragédia, Salvador pede para ter “muita força”. “Isto tudo passará. Embora não o pareça agora, tudo passa. Um dia tudo isto estará atrás das costas”, remata esperançoso.
O espetáculo "Juntos Por Todos" vai ser transmitido pela RTP, SIC, TVI e por “todas as rádios portuguesas”, sendo a receita entregue à União das Misericórdias Portuguesas.
Os incêndios que deflagraram na região Centro, há mais de uma semana, provocaram 64 mortos e mais de 200 feridos, e só foram dados como extintos no sábado.
Mais de dois mil operacionais estiveram envolvidos no combate às chamas, que consumiram 53 mil hectares de floresta, o equivalente a cerca de 75 mil campos de futebol.
A área destruída por estes incêndios - iniciados em Pedrógão Grande, no distrito de Leira, e em Góis, no distrito de Coimbra - corresponde a praticamente um terço da área ardida em Portugal em 2016, que totalizou 154.944 hectares, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna divulgado pelo Governo em março.
O fogo chegou ainda aos distritos de Castelo Branco, através da Sertã, e de Coimbra, pela Pampilhosa da Serra.
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