“Estamos aqui como se fossemos uma seita”, disse o ensaísta, que se tinha referido anteriormente ao fascínio que o poeta Fernando Pessoa (1888-1935) exerce sobre quem o lê.
“Pessoa fascina-nos porque parece uma coisa óbvia e na realidade é uma coisa rara. Não posso ler Fernando Pessoa sem estar lendo a mim próprio”, afirmou o ensaísta.
O ensaísta disse que o “Livro do Desassossego”, do heterónimo Bernardo Soares, “torna-se uma espécie de Bíblia, sem ter havido essas pretensões, mas porque todos [podem] encontrar nele as próprias experiências percebidas de uma outra maneira”.
Eduardo Lourenço foi a “surpresa” do dia, na medida em que a participação do autor de “O labirinto da Saudade: psicanálise mítica do destino português” chegou a estar anunciada, mas foi cancelada “por motivos de saúde alegados por ele”, como explicou a organização.
Hoje, Antonio Cardiello, da comissão organizadora do congresso, devia moderar, a fechar o segundo dia do congresso, uma conversa com o filósofo José Gil, mas Eduardo Lourenço, que já tinha assistido a outras mesas, decidiu participar “a título de fantasma” de si próprio, como afirmou.
Dirigindo-se aos congressistas, reunidos no auditório 02 da Fundação Calouste Gulbenkian, Eduardo Lourenço, de 93 anos, afirmou: “estou aqui como fantasma de mim mesmo”.
“Eu já tinha abdicado de participar em colóquios, nomeadamente sobre Pessoa”, disse o ensaísta referindo-se ao poeta “como personalidade incontornável do século XX”.
“O que eu tinha a dizer de interessante, se merece essa qualificação, foi escrito em 1953, noutra vida, noutro tempo”, afirmou Eduardo Lourenço que se referiu a si como “uma vítima da passagem do astro da fulgurância de Fernando Pessoa”.
Eduardo Lourenço revelou ainda o título previsto para a sua comunicação a este congresso, que termina no sábado, “O Vampiro Absoluto”, que “é o que é Fernando Pessoa”.
O ensaísta referiu-se a Fernando Pessoa como fazendo parte de uma “galáxia muito particular dos fantasmas e mitos, que desde finais do século XIX dominam a perspetiva da criação moderna, dentro e fora da Europa”.
A conversa prosseguiu com o filósofo José Gil, que só em finais da década de 1970 se encontrou com Pessoa, como disse Antonio Cardiello, e que sobre o autor de “Mensagem” editou três títulos.
José Gil, respondendo a um desafio de Eduardo Lourenço sobre o “além Deus” em Fernando Pessoa, disse que na obra do poeta “há sempre um deus, depois de outro deus, e há sempre um além para além”.
“E para além há um deus e ainda um outro além”, numa “lógica própria de Pessoa” em que “o conceito [de Deus] não é substancial, é uma passagem”, “é um pensamento fundo, que vai para além de deus”, argumentou.
“A grande descoberta de Pessoa foi a de ser múltiplo, como se pode ser múltiplo sem nos estilhaçarmos”, disse José Gil que considerou que “toda a obra de Fernando Pessoa deve-se a ritmos e visões”.
Eduardo Lourenço, que a dado passo se referiu a si como “um filósofo de contaminação”, por oposição a José Gil que “é um filósofo por profissão”, disse que o poeta de quem se conhece vários heterónimos como Bernardo Soares, Álvaro de Campos, António Mora, Alberto Caeiro, entre outros, é “um interlocutor de tudo o que era interessante ao seu olhar e à sua exigência”.
O congresso termina no sábado com quatro outras mesas temáticas e uma “mesa de discussão: História dos Congressos Pessoanos”.
Nesta última mesa participam o catedrático emérito da Faculdade de Letras da Universidade do Porto Arnaldo Saraiva, o catedrático aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Fernando Martinho e o ex-membro do conselho de administração da Fundação Gulbenkian José Blanco, todos membros da comissão científica do congresso.
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