Criada por David Crane e Martha Kauffman a série “Friends”, passada em Nova Iorque, fez-nos acompanhar dez anos da vida de um grupo de seis amigos – os irmãos Monica (Courteney Cox) e Ross (David Schwimmer) Geller, Rachel Green (Jennifer Aniston), Joey Tribbiani (Matt LeBlanc), Chandler Bing (Matthew Perry) e Phoebe Buffay (Lisa Kudrow) – que se reuniam no Central Perk e com quem partilhamos horas e horas. Roubaram-nos risos e, de vez em quando, uma lágrima ou outra.

A sitcom estreou em 1994, teve dez temporadas, 236 episódios, num total de 118 horas, e o último episódio foi emitido nos Estados Unidos a 6 de maio de 2004. 

Agora, os seis voltaram para um “especial”, realizado por Ben Winston, e reencontram-se no Stage 24, da Warner Bros., em Burbank, na Califórnia. Na verdade, não se trata de um novo episódio, isto no sentido em que não existe um guião como o que que cativou milhões durante uma década. É mesmo uma reunião, algo mais como um episódio-documentário nostálgico com os atores em idade mais avançada a recordar tempos bem passados.


Ouça aqui o episódio do podcast Acho Que Vais Gostar Disto dedicado a Friends:


Este "especial" dá-se entre momentos calmos no cenário original e conversas num tom mais familiar entre o elenco, leituras de mesa, uma entrevista com público moderada por James Corden — que se perde entre o seu papel de entrevistador e de óbvio fan —, várias participações especiais de celebridades e flashbacks de algumas das “nossas” cenas favoritas e bloopers.

Recuperar a ligação e cumplicidade entre estes atores poderia ser um desafio, principalmente porque, desde 2004, "os seis membros do elenco estiveram todos juntos numa sala apenas uma vez... até hoje" – avisa um disclaimer no início do programa.

Mas a química mantém-se e tal é palpável quando os atores começam a entrar um a um no estúdio, onde está o cenário da série meticulosamente recriado. Neste reencontro, os protagonistas vagueiam pelo estúdio e recordam os detalhes da produção.

Matt LeBlanc partilha o "quão pequeno parece" o espaço tantos anos depois. Podemos dizer o mesmo desta reunião.

É ali que descobrimos, por exemplo, que Courteney Cox (Monica Geller) escrevia as falas na mesa da cozinha do seu apartamento e até mesmo nas maçãs ou que Matthew Perry se sentia "como se fosse morrer" em episódios ao vivo quando o público não se ria das suas falas. Torna-se curioso vê-los juntos nos cenários recriados, a partilharem várias histórias ou situações que o público desconhecia.

Só quando se dá a reunião mais íntima entre os protagonistas no cenário é que temos oportunidade de ver realmente as personagens regressarem à vida. A recriação do jogo de trivialidades do episódio da quarta temporada "The One with the Embryos", em que Rachel e Monica perdem o apartamento para Joey e Chandler, consegue transportar-nos no tempo. Os atores têm de recorrer à memória para ver quem se lembra de mais detalhes da série. À parte disto, o jogo é também claramente utilizado para introduzir várias "aparições", como Richard, o ex-namorado de Mónica, e o vizinho rabugento Mr. Heckles.

Também as leituras de mesa de cenas de episódios, como o "The One Where Everybody Finds Out" – em que Lisa Kudrow assume a personagem de forma incrivelmente natural –, transportam-nos no tempo. As transições entre leituras em 2021 e as cenas originais relembram-nos como os atores estão mais velhos e nós também.

Outro momento particularmente gratificante nesta reunião é quando LeBlanc e Matthew Perry se voltam a sentar nos cadeirões reclináveis, numa cena que nos traz de volta a cumplicidade de Joey e Chandler.

São estas ocasiões que nos fazem recordar o “sentimento” de ver "Friends" e que são (certamente) a melhor parte da reunião. A partilha de memórias, a troca de histórias sempre saudadas com um sorriso. Mas sempre que a ação sai do cenário original, e da intimidade entre estes seis, acaba por perder um pouco com a introdução de novos elementos, que acabam por dispersar.

Nesta reunião, aparecem também curtas entrevistas com o produtor executivo Kevin Bright e os criadores David Crane e Marta Kauffman, que partilham um ou outro detalhe engraçado sobre as audições – desde o papel de Ross que foi escrito a pensar em David Schwimmer ou mesmo que a Courteney Cox tinha sido pensada para o papel de Rachel, mas acabou por se identificar mais com Monica. É neste segmento que David Crane descreve o conceito da série da forma mais simples e, provavelmente, adequada: "é mais ou menos aquela altura na sua vida em que os seus amigos eram a sua família".

Estes momentos são intercalados com uma entrevista ao elenco realizada em frente à famosa fonte em que dançaram para o genérico. Mas, ao estilo de ‘talk show’, a entrevista conduzida por James Corden pouco acrescenta ao episódio. Serve, porém, como propósito para revelações e várias aparições. “Oh my God”! Sim, revemos Maggie Wheeler, que interpretou “Janice”, James Michael Tyler que conhecemos como “Gunther” e até mesmo os “pais Geller”, interpretados por Christina Pickles e Elliott Gould. E temos ainda duas revelações - um rancor (ao que parece bastante profundo) de Schwimmer em relação a Marcel (que foi o seu ‘macaco de estimação’ na série) e uma paixoneta inicial entre a Jennifer Aniston e David Schwimmer, que nunca passou de platónica.

Esta última revelação acaba por ser mais aprofundada nos momentos de interação entre os seis no cenário – que “sabem a pouco”.

A reunião tem também instantes menos bem-sucedidos e forçados, como um desfile de algumas peças de guarda-roupa menos convencionais da série – que conta com a presença de Cara Delevingne, Justin Bieber e Cindy Crawford – ou quando várias celebridades – como os BTS, David Beckham, Kit Harington e Malala Yousafzai – partilham alguns dos seus episódios favoritos e personagens com que mais se identificam. Os testemunhos individuais de celebridades são agradáveis, mas pouco acrescentam ao episódio.

Entre as surpresas, há ainda espaço para um dueto entre Lady Gaga e Lisa Kudrow, que interpretam o ‘hit’ “Smelly Cat”. Este parece ser o ponto alto dos “cameos”, numa ode a todos aqueles que são diferentes.

O "especial" conta ainda com um segmento em que fãs de todo o mundo explicam de que forma a série teve impacto nas suas vidas.

Este regresso a Central Perk não aborda novas histórias, não altera nada. Persevera até o facto de a sitcom ser algo positivo e alegre, sem deixar espaço para temas mais sérios – como a contestada falta de diversidade do programa, a maneira como determinados assuntos eram abordados na altura ou até eventuais experiências problemáticas na vida pessoal dos atores. Em todo este "especial", há apenas um momento “desconfortável”: quando falam sobre como se mantêm em contacto uns com os outros, Perry afirma que ninguém o contacta e fá-lo de forma tão seca que é impossível dizer se se trata de uma piada ou não.

Falar dos defeitos da sitcom teria sido interessante, mas também não teria refletido a série em si. "Friends" foi uma série que entreteve e que hoje ainda rouba algumas gargalhadas — o seu objetivo nunca foi ser profunda, por isso não poderíamos esperar que tal acontecesse na reunião.

"Friends: The reunion" tinha como objetivo inicial complementar o lançamento da HBO Max como um serviço de streaming – retirando a série “Friends” da Netflix e reclamando-a como sua, quase como uma “declaração de guerra” entre plataformas de streaming. No entanto, a pandemia atrasou o seu lançamento. Ainda assim, mesmo um ano após o lançamento original da HBO Max, a reunião parece surgir numa altura adequada, já que em várias partes do mundo se começa a desconfinar e várias famílias voltam a reunir-se num cenário de maior normalidade.

"Friends" pode não ser a "melhor" sitcom de sempre ou a "mais popular", mas é um sucesso global e esta reunião foi como rever velhos amigos que já não víamos há algum tempo.

"Friends: the Reunion" está disponível na HBO Max, nos Estados Unidos, e na HBO Portugal.