Amiga de Frank O’Hara, um dos poetas maiores da chamada Escola de Nova Iorque, com quem privou, Salette Tavares (1922-1994) define uma via própria, afirmando-se como “uma das autoras mais cultas e originais” da poesia portuguesa do século XX, transcendendo “as barreiras das especialidades e dos géneros artísticos'”, como destaca a editora.

A recuperação e inserção dos inéditos na nova edição, resulta de “um longo trabalho de seleção, que integra, e às vezes ilumina [a obra da autora], conferindo-lhe novo sentido”, escreve no prefácio a ensaísta Catherine Dumas, professora emérita de Língua e Literatura Portuguesas, na Universidade da Sorbonne Nouvelle-Paris 3, atualmente senadora no Parlamento francês.

A obra de Salette Tavares regressa pela Imprensa Nacional (IN), que em 1992 tinha já editado ”Poesia Completa (1957-1971)”, da autora, tendo, na altura, sido distinguida com o Prémio PEN de Poesia.

Sobre esta nova edição, a IN explica que inclui o texto integral de 1992, com acréscimos, modificações, vários inéditos e ainda “uma secção de poesia visual (a cores)”.

“A secção da poesia visual, a cargo de Salette Brandão, (…) ultrapassa em quantidade e qualidade as reproduções da ‘Pequena Antologia’, intitulada, em 1963, ’Brincadeiras Brincadeiras'”, sublinha Dumas.

A nova edição inclui ainda “os paratextos, com o prefácio que [a filóloga italiana] Luciana Stegagno Picchio assinou em 1990, e que não podia faltar, pois ele ressalta toda a dimensão da obra [de Salette Tavares] no contexto da poesia portuguesa e do pensamento ocidental da época”.

Neste novo volume encontra-se ainda “o prefácio que Gillo Dorfles escreveu para a edição italiana de ’Lex Icon’”, destaca Catherine Dumas, no prefácio, sublinhando a dimensão internacional que a obra de Salette Tavares atingiu, nas décadas de 1960-80, e que agora se encontra soterrada.

“Obra Poética (1957-1994)” é um volume com cerca de mil páginas de poemas, que faz parte da coleção Plural, e resgata a dimensão literária da poeta e da artista.

Catherine Dumas, sobre esta edição, alerta para “dois conjuntos autónomos que o público português vai saborear pela primeira vez: o ‘Livro do Soporífero’, de 1962, e ‘O Fazer da Mão’, de 1970”.

“No primeiro confluem poemas de vária consanguinidade: há fúrias à Jorge de Sena (‘Só raiva virá onde tudo morreu’), e Jorge de Sena é outro nome de referência, quando se fala em Salette Tavares; há fragmentos de alto artesoado e blocos de magmática plasticidade à Ramos Rosa; e há poemas furados por espaços-silêncios, como rendas de bilros, com as suas rimas perfeitas e toantes, suas suspensões de voz quais suspiros crepusculares”.

Salette Tavares é “uma das autoras mais cultas e originais da segunda metade do século XX português”, afirma a IN, que cita a filóloga italiana Luciana Stegagno Picchio, segundo a qual a poetisa “é também a ‘portadora de um robusto e originalíssimo pensamento estético e de um passado de agitadora cultural que transcende as barreiras das especialidades e dos géneros artísticos'”.

Salette Tavares destacou-se, nas décadas de 1960-1980, no contexto da Poesia Experimental.

Licenciada em Ciências Histórico-Filosóficas, pela Universidade de Lisboa, especializou-se em Estética e Teoria da Arte, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, em Itália, onde trabalhou com Mikel Dufrenne, Étienne Souriau e Gillo Dorfles.

Estudou em Paris, no final da década de 1940, com Jeanne Delhomme e Jean Valle, com quem fez o Curso sobre Heidegger. Fez o curso de história da arte, na Escola do Louvre, com René Huygue, assim como Estética e Teoria da Arte, mantendo proximidade aos críticos Maurice Merleau-Ponty e Gabriel Marcel.

Na década de 1950, foi professora de História, no ensino liceal.

Na mesma época, iniciou-se na fotografia e no trabalho em cerâmica, duas áreas que viriam a dar origem aos primeiros objetos de poesia espacial.

O primeiro livro de poesia surgiu em 1957, “Espelho Cego”.

Surgiram depois, ainda na década de 1960, “Poemas do Soporífero”, “Concerto em Mi Maior para Clarinete e Bateria”, “14563 Letras de Pedro Sete” e “Quadrada”.

Em 1964, após a publicação do primeiro “Caderno da Poesia Experimental”, organizado por António Aragão e Herberto Helder, fixou-se temporariamente em Manhattan, convivendo com o seu amigo Frank O’Hara, um dos poetas cimeiros da chamada Escola de Nova Iorque, autor de “Poemas à Hora do Almoço”, na altura conservador do museu da cidade.

Na grande metrópole norte-americana, estudou ainda arquitectura com Philip Johnson, e abordou as obras de Frank Lloyd Wright e Mies Van der Rohe, visitando ainda Filadélfia, onde então se encontrava o arquiteto português Raul Hestnes Ferreira (1931-2018), seu amigo.

No auge da produção concretista portuguesa, a partir de 1965, Salette Tavares leccionou Estética, na Sociedade Nacional de Belas Artes, e publicou as lições correspondentes, sem ilustrações, na revista Brotéria, mantendo-se inédito “A dialética das formas”, terminado em 1972.

Nome de referência na chamada Poesia Experimental Portuguesa, fez parte da exposição coletiva “Visopoemas” e participou também no “Concerto e Audição Pictórica”, com Jorge Peixinho, António Aragão, Ernesto de Melo e Castro, Clotilde Rosa e Manuel Baptista, na antiga Galeria Divulgação.

As suas obras “Brincade Iras / irras / B irras” e “Lex Icon” chegaram além-fronteiras, destacando-se as traduções em Itália e na Alemanha, sobejamente elogiadas pela crítica.

Foi também convidada para a Bienal de Veneza de 1979, e expôs na Galeria Quadrum.

Como tradutora devem-se-lhe, entre outras obras, as versões portuguesas dos “Pensamentos”, de Pascal, e de “As maravilhas do cinema”, de Georges Sadoul.

Em 1995, a Casa Fernando Pessoa publicou a “Poesia gráfica” de Salette Tavares, coincidindo com uma exposição que lhe foi dedicada, e a Livraria Tigre de Papel resgatou alguns dos seus inéditos, nos últimos anos: “Baile Mecânico” (1956), “Anonimatógrafo” (1962), “O Kágado” (1962), “Outro Outro” (1962), “Irrar” (1978).

Em 2010, o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, expôs “Salette Tavares – Desalinho das Linhas”, e, em 2014, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian mostrou “Salette Tavares: Poesia Espacial”.

A obra de Salette Tavares, refere a IN, “cruza a produção literária e a prática artística, através de uma exploração tridimensional à qual deu o nome de ‘Poesia espacial'”.

A IN destaca ainda o seu “papel constante no ensino e na salvaguarda do património, assim como na reabilitação urbana”.

Foi membro da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), à qual chegou a presidir.

“A terra é uma esfera suspensa”, escreve Salette Tavares em “Lex Icon”. Para a IN, este verso “exprime bem o conceito do experimentalismo ao qual a poeta se dedica”.

“Toda a estética de Salette Tavares é condicionada pelo inacabado do sentido. A sua obra configura uma cosmogonia poética do ‘por acontecer’, ‘por descobrir’, do eco sonoro e semântico que nunca acaba, duma surrealidade intrínseca”, lê-se na contracapa desta edição, disponível desde esta semana.

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