Estão com os Metallica?

Foi esta a frase que ouvimos da boca de James Hetfield uma e outra vez, sempre que o vocalista e guitarrista dos Metallica procurava chamar para junto de si os seus. A família Metallica, como lhe chamam. A mesma que acorreu em peso para ver ou rever os Metallica em nova incursão do quarteto norte-americano por terras lusas, concerto inserido na digressão “WorldWired”, em torno do seu último álbum, “Hardwired... To Self-Destruct”.

Estão com os Metallica?

Foi esta a frase, mas ela não foi escutada nesta noite em particular. Ao invés, tanto Hetfield como os restantes Metallica optaram por gritos de guerra mais frugais, sem descurar os “obrigado!” da praxe, ditos com sotaque, e sem esquecer o seu amor pelo público português e por Lisboa, cidade que acolheu quase todos os 13 espetáculos que a banda deu em Portugal – Oeiras e Algés como nobre exceção. «Não consigo pensar num sítio melhor onde começar esta digressão», afirmou no final o baterista Lars Ulrich. Mesmo que este tipo de frases pertença ao cânone rock, de tão batidas que estão, não podemos deixar de acreditar na sua veracidade.

Estão com os Metallica?

Foi esta, mas nem sempre o público afeto aos Metallica esteve com os Metallica. Alguns partiram no ido ano de 1988, o ano de “...And Justice For All”, álbum no qual os norte-americanos foram obrigados a reinventar-se após a morte trágica do seu baixista, Cliff Burton. Outros, uma minoria talvez, fizeram-no aquando de “Ride the Lightning”, em 1984, quando o thrash que lhes era característico começou a expandir-se para outras direções e sonoridades. Muitos saltaram para fora do barco em 1991, com o chamado “álbum preto”, “casa” para canções mais mainstream como 'Enter Sandman' ou 'Nothing Else Matters'. Houve quem abandonasse na era rock radiofónico de “Load” e “Reload”, em 1996 e 1997, os metaleiros Metallica apresentando-se ao mundo de cabelo curto (um sacrilégio!). Houve quem o fizesse durante o mal-amado “St. Anger”, de 2003. E houve quem os mandasse à fava após a bronca com o Napster, no início do milénio, acusando a banda de só estar nisto pelo dinheiro.

Porém, esse tipo de cortes numa relação que outrora tinha coração para durar nem sempre são definitivos. Basta uma cantiga, uma recordação mais ou menos nostálgica, para voltarmos a sentir bem no centro da alma todas as emoções que sentimos daquela primeira vez. As primeiras namoradas nunca são esquecidas. E os Metallica, que há muito são porta de entrada para o mundo do heavy metal, foram a primeira namorada de muitos. É por isso que no Estádio do Restelo não houve espaço para os tradicionais velhos; durante quase duas horas, os milhares de pessoas que até ali foram puderam ser novamente jovens, mesmo que cada membro do quarteto já não o seja.

Ainda assim, e tirando um atraso de 25 minutos (só os velhos demoram a chegar onde quer que seja), não o demonstraram por aí além. Isso notou-se logo ao início, quando de 'Disposable Heroes' passam para a fenomenal 'Ride the Lightning', como se quisessem provar que aquele passado mais pesado ainda era o seu, já depois de se ter escutado 'The Ecstasy of Gold', tema de Ennio Morricone (que até vem a Portugal daqui a uns dias) para “O Bom, O Mau e O Vilão”, e 'Hardwired', o tema que empresta o título ao seu mais recente trabalho.

Se ali estava uma qualquer espécie de elixir para a eterna juventude, rapidamente ele se espalhou pelo Restelo, mesmo nas baladas; 'The Unforgiven' foi a primeira. O niilismo que percorre os versos de Hetfield não encontrava um gémeo no seu rosto, nem no dos seus comparsas. Mais do que tudo, os Metallica pareceram felizes por continuar a tocar, tantos anos após a sua formação, tantos concertos acrescentados ao seu currículo. Sob o signo do fogo, nem uma ou outra falha técnica – e elas existiram, merecendo sorrisos e desculpas – poderiam deitar abaixo a sua vontade. Vontade de ali estar, de se superarem, de entregar aos seus aquilo que sempre quiseram para eles: a grandeza.

'Sad But True', com uma alcateia de lobos percorrendo os ecrãs, valeu um dos muitos momentos de cantoria generalizada que se viveram ao longo da noite, assim como 'Welcome Home (Sanitarium)'. Nenhum no entanto como aquele que se seguiria, quando o baixista Robert Trujillo e o guitarrista Kirk Hammett decidem homenagear uma das grandes bandas punk portuguesas, os Censurados, seguida por uma versão de 'A Minha Casinha', imortalizada pelos Xutos & Pontapés e a qual já tinham debitado (e com a qual já tinham surpreendido) no concerto de há um ano, na Altice Arena.

Até final, a velha guarda pôde assistir de perto a momentos como aqueles protagonizados por temas como 'One', 'Master of Puppets', 'For Whom the Bell Tolls', 'Creeping Death' ou 'Seek & Destroy', já depois de Hetfield perguntar à sua família se queriam ouvir algo mais «antigo». A resposta é sim, claro. Os novos álbuns dos Metallica terão sempre o seu espaço, mas é na sabedoria de “Kill 'Em All”, “Ride the Lightning” ou “Master of Puppets” que está a sua verdadeira essência: a banda que do underground, dos riffs que inventou em três álbuns essenciais para compreender a história do rock e do metal, conseguiu conquistar o planeta.

No encore, as cinco quinas nacionais ganham um novo aliado: o logótipo dos Metallica, espetado nos ecrãs sobre a bandeira durante 'Lords of Summer'. 'Nothing Else Matters', canção que foi também a primeira que muito boa gente aprendeu a tocar na guitarra, levou vários a erguerem bem alto os isqueiros e os telemóveis, ou a abraçarem-se quase de lágrima no rosto. E, finalmente, sem que o cansaço existisse e com o fogo de artifício a ameaçar queimar uma vez mais o ar, surgiu 'Enter Sandman', que fechou com chave de ouro mais um concerto dos Metallica. Estão com os Metallica? Claro que estamos, até ao fim dos dias.