O festival MIMO nasceu em Olinda, no nordeste do Brasil, em 2004. Vir a tornar-se num festival internacional já era um objetivo para a sua fundadora Lu Araújo, que desde o início encarou o projeto como um desafio aos seus limites.
"Conseguir fazer um, aqui ou no Brasil — ou em qualquer lugar do Mundo — com essas características, com esse padrão, sem mudar o conceito, de graça, é um desafio a cada ano. E acho que me alimento desse desafio”, conta.
Nos anos seguintes expandiu-se para outras cidades brasileiras. Primeiro Recife e João Pessoa, depois Ouro Preto, Tiradentes e Paraty; até chegar ao Rio de Janeiro em 2015. A primeira edição além fronteiras viria a acontecer mais de uma década depois do seu nascimento, no ano 2016, na cidade portuguesa de Amarante.
À terra de Teixeira de Pascoaes e de Amadeo de Souza-Cardoso o festival já chega "num momento maduro", com "um histórico". "Quando comecei em Olinda só tinha uma ideia e uma força de trabalho que sabia que ia fazer aquilo virar", reconhece Lu Araújo.
Mas Amarante não foi a sua primeira escolha. Quando Lu chegou a Portugal, "com um projeto debaixo do braço", o destino do MIMO era a Invicta. "Estava apaixonada pelo património do Porto", recorda. Amarante surge na sugestão de um amigo, contra reservas de outros que lhe falavam da cidade "como se estivesse fora de moda".
Lu Araújo lembra-se perfeitamente da primeira vez que visitou Amarante. As memórias surgem acompanhadas de interjeições e de um sentimento que diz não conseguir explicar. "Que cidade é essa, é linda?", resume assim a primeira visita à localidade banhada pelo rio Tâmega.
"Estou muito feliz de ter topado esse desafio e de ter feito o MIMO em Amarante. Não tenho arrependimento nenhum. É difícil? É duro? É complexo? É. Amarante é uma região, do meu ponto de vista, desassistida. Quando vou conversar com um patrocinador percebo isso", lamenta.
Um festival gratuito que gera riqueza (não só cultural)
O MIMO é um festival gratuito "onde as pessoas convivem com o património histórico". Mas gratuidade do festival traduz-se, na visão de Lu Araújo, em vantagens indiretas na região, nomeadamente na restauração e no artesanato. A edição de 2018, que contou com mais de 70 mil espetadores, teve um retorno económico para a cidade de cerca de 1,5 milhões de euros, de acordo com um estudo elaborado por uma empresa da especialidade citado pela Agência Lusa.
Sobre o conceito, que já completou 16 primaveras (e mais dobro de edições), Lu Araújo ainda tem dúvidas se a designação de festival seja a indicada para o MIMO. "Nem sei se a palavra certa para definir o MIMO é um festival. É um evento enorme, um evento integrador, onde a cidade é cenário. O nosso recinto é uma cidade inteira”.
A diretora do festival conta que na primeira edição em Amarante, os locais "tomaram um susto". "Basicamente só tinha gente de fora; de Lisboa, do Porto, de Espanha. No segundo isso começou a mudar, começamos a perceber a frequência do público local. O ano passado foi uma enxurrada de famílias, deu para perceber claramente que eram pessoas da região”, congratula-se.
"Reparo que as pessoas têm muito orgulho do festival, porque colocou, de alguma forma, Amarante no mapa cultural do país. Agradecem-me muito porque falo de Amarante com muito amor, com muito carinho. É como se elas estivessem esperando esse mimo; não o festival, um miminho. As pessoas [de Amarante] tomaram o MIMO para elas, o que também acontece nas cidades do Brasil. Em Olinda, o evento não é mais meu, é das pessoas".
Pelo sucesso de Amarante, Lu Araújo não afasta a possibilidade, à semelhança do parente brasileiro, do MIMO vir a realizar-se noutra cidade nacional: "Só não gostaria de o fazer na região Norte". Apenas pela proximidade geográfica, explica.
Do céu, poemas. Dos artistas, aulas
A quarta edição do MIMO Amarante começa esta sexta-feira, 26 de julho, e prolongar-se-á até domingo, 28. Mais de cinquenta propostas, entre música, cinema, literatura, exposições de arte ou workshops, compõem o cartaz que, como em anos anteriores, divide-se pelo palco principal, no parque Ribeirinho, junto ao rio Tâmega, mas também pelo Museu Amadeo de Souza-Cardoso, pelas igrejas do centro histórico, a de São Gonçalo e a de São Pedro, pelo Centro Cultural de Amarante e pelo Cinema Teixeira de Pascoaes.
Pelo palco principal passarão, nas três noites do festival, nomes de várias geografias; do Brasil ao Mali, da Palestina a Cabo Verde, da Nigéria à Mongólia, para além de Portugal, claro. "Eu não defini que este ano ia fazer um festival de música negra, aconteceu", conta Lu, destacando depois a ausência de artistas americanos. "Nada contra, mas é simbólico não [os] ter”.
Nomes como Bixiga 70, 47Soul, Salif Keita, Stefano Bollani, Hamilton de Holanda, Samuel Úria, Criolo ou Mayra Andrade são alguns dos destaques do cartaz. "Não tem critério para tocar no MIMO, não é um festival de rock, de jazz, de blues ou de eletrónica. Também não é um festival de música clássica. É, sim, um festival de tudo isso", explica a curadora. "O que os junta é a qualidade da música", acrescenta.
Nos três dias, haverá ainda vários fóruns de ideias — com Criolo, Seun Kuti e Salif Keita — e um programa educativo constituído por dez workshops dados por artistas do cartaz — como Samuel Úria, Stefano Bollani ou Hamilton de Holanda, entre outros. As entradas são gratuitas, mas a participação está limitada à lotação das salas e sujeita a inscrição.
"No MIMO é o seguinte, o cara não vem para fazer só um show. Trabalham para cacete. 'Quer tocar no MIMO?, vai ter de dar aula ou falar'", brinca Lu Araújo. Ao longo das mais de cinquenta edições, entre as brasileiras e nacionais, foram vários os artistas que respeitaram essa condição. Entre eles nomes sonantes, e que dispensam apresentações, como os de Tom Zé (na foto acima), Herbie Hancock, Philip Glass, Buena Vista Social Club ou Gotan Project.
Outro dos destaques do festival é a "Chuva de Poesia”, uma ideia (que o próprio nome resume) do artista plástico brasileiro Guilherme Mansur e que Lu Araújo promete levar onde for. A iniciativa corre este ano sob o signo do amor “nas suas diversas formas", com cerca de 30 poemas escolhidos de Chico Buarque, Jorge de Sena, Mário Sá-Carneiro, José Saramago, Sophia de Mello Breyner Andresen, Pablo Neruda, Florbela Espanca, Vinícius de Moraes, Gregório de Matos, Bocage, Fernando Pessoa, entre outros. O momento vai acontecer no Largo de São Gonçalo, às 17:00 de domingo. Esperam-se períodos de aguaceiros com rajadas de romantismo.
Um prémio que é um MIMO
Entregue no Brasil desde 2014, o “Prémio Mimo de Música” é uma das novidades deste ano da edição de Amarante. Lu Araújo sublinha que este é um “prémio, não um concurso” e que por isso está ao acesso de todos os artistas, novos talentos ou talentos consagrados.
Concorreram a este cerca de 150 projetos e foram registadas mais de 10 mil votações — números da organização. O vencedor, o músico de Viana do Castelo Chico da Tina, atuará no festival no dia 27 e terá também a oportunidade de se juntar à edição brasileira em outubro. À rapper RUSSA (Filipa Florêncio no BI) foi atribuído o prémio MIMO Revelação e a oportunidade de gravar um EP, com seis músicas, pela editora Valentim de Carvalho.
"Chico da Tina e RUSSA são dois artistas que trazem diversidade e inovação ao panorama musical português, através de líricas afiadas e beats bem elaborados. Com muito esforço, têm construído o seu caminho na música, e são já promessas de um futuro ainda mais interessante", destaca o festival no seu site.
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