Contactado pela agência Lusa, Joaquim Caetano indicou que o projeto de restauro, para os próximos três anos, irá também envolver uma intervenção na Coleção Della Robbia, de escultura de cerâmica vidrada policromada.

Para avançar com este projeto, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, vai assinar, a 12 de novembro, um protocolo mecenático com a Fundação Millennium BCP que envolve um apoio financeiro de 225 mil euros.

O protocolo determina que a fundação passará a ser mecenas estratégico do museu para o triénio 2020-2022 e abrangerá o restauro da Coleção Della Robbia e dos Painéis de São Vicente, "peça por excelência" do museu.

"É também a peça por excelência da pintura portuguesa, e há muito tempo que se pensava na necessidade de uma intervenção de restauro. Este apoio vem dar-nos a possibilidade de fazer um trabalho a longo prazo sobre esta peça de importância fundamental", salientou o responsável à Lusa.

O protocolo vai ser a base financeira para estas duas grandes intervenções na área do restauro no MNAA, sendo que a Coleção Della Robbia - nome do artista florentino do século XV -, com nove peças desta oficina renascentista, "é um conjunto internacional de grande importância com restauros já muito antigos".

"O valor total estimado para o restauro será de 350 mil euros, dos quais este protocolo vai garantir 225 mil", assinalou Joaquim Caetano.

"Qualquer destes restauros vai ter uma componente internacional bastante forte, no caso das peças Della Robbia, com especialistas italianos, mais experientes neste tipo de escultura de cerâmica vidrada policroma. No caso dos painéis, através de uma comissão de peritos internacionais que fará o acompanhamento dos trabalhos de diagnóstico e restauro", precisou o historiador de arte.

Joaquim Caetano adiantou que ainda há uma série de entidades com as quais o museu está a conversar para obter mais apoios para o projeto.

O protocolo entra em vigor em 2020 e a primeira fase começará com o diagnóstico do estado da conservação da peça, e as propostas de intervenção, que só será desencadeada na segunda metade do ano.

Sobre o local onde as peças serão intervencionadas, Joaquim Caetano disse que decorrerá no MNAA: "No caso dos painéis, será feita por restauradores do Estado e contratados especificamente e, na Coleção Della Robbia, com restauradores italianos que virão trabalhar no museu durante os próximos três anos".

"Vamos tentar também que o restauro seja de tal forma faseado, que a maior parte das peças esteja sempre à disposição do público", disse.

Devido à complexidade e morosidade deste tipo de trabalho em peças com mais de 500 anos, "não é certo que os trabalhos se esgotem nestes três anos".

Joaquim Caetano sublinhou que este acordo tem a ver com a vontade do museu de criar, em diversas áreas, como a educação, as grandes exposições, o restauro, "um apoio continuado negociado para três anos, que é o tempo que, segundo a nova Lei da Autonomia dos Museus, as atividades devem ser contratualizadas com a tutela".

Uma das peças da Coleção Della Robia do MNAA está já a ser tratada em Itália, para onde foi no âmbito de uma exposição dedicada a Andrea de Verrochio, mestre de Leonardo da Vinci, pelos 500 anos da morte, que se realizou no ano passado. A mesma equipa virá restaurar as outras peças a Lisboa.

Sobre os Painéis de São Vicente, tiveram o seu grande restauro em 1909-1910 pela mão do pintor Luciano Freire: "É esse restauro já centenário que se revela com alguns problemas porque há degradações de materiais e de cor, portanto este novo restauro incidirá sobre essas zonas".

Os Painéis de São Vicente - que reúnem pinturas atribuídas ao artista Nuno Gonçalves, ativo entre 1450 e 1491 - são uma obra de enorme importância simbólica para a cultura portuguesa e considerada um singular “retrato coletivo” na história da pintura europeia.

O conjunto, pintado a óleo e têmpera sobre madeira de carvalho, mantém até hoje um espírito enigmático porque o entendimento sobre a intenção e significado da obra nunca ficou totalmente claro para os especialistas em História da Arte.

"Avançar com este restauro pode trazer uma nova luz sobre uma visão mais certa e próxima do que efetivamente foi pintado", comentou.

As seis pinturas datadas de cerca de 1470 apresentam um agrupamento de 58 personagens, em torno da dupla figuração de São Vicente, que participam numa solene e monumental assembleia representativa da corte e de vários estratos da sociedade portuguesa da época.

As personagens são apresentadas em ato de veneração ao patrono e inspirador da expansão militar quatrocentista portuguesa no Magrebe.

Os especialistas acreditam que o autor das tábuas é o pintor régio de Afonso V, Nuno Gonçalves, e que estariam originalmente integradas no retábulo de São Vicente da capela-mor da Sé de Lisboa.

Os painéis foram descobertos em finais do século XIX, no Paço Patriarcal de São Vicente de Fora, em Lisboa, e, na altura, por não terem assinatura e datação visíveis e inequívocas, suscitaram um enorme mistério e fascínio por parte de várias gerações de estudiosos e académicos.

A autoria dos painéis foi descoberta por José de Figueiredo e atribuída a Nuno Gonçalves através da interpretação de um monograma revelado durante o primeiro restauro da pintura na década de 1930, localizado na bota da figura ajoelhada no Painel do Infante, que se presume ser D. Duarte, e que é coincidente com outras assinaturas utilizadas pelo autor em documentos e obras contemporâneas.

Questionado pela Lusa se este restauro dos painéis poderá trazer alguma revelação, o diretor do museu considera que "vai certamente contribuir bastante para o aumento do conhecimento da materialidade da obra e uma apresentação mais próxima da verdade artística da peça”.

“Mas não se destina, de forma nenhuma, a intrometer-se na longa e permanente discussão sobre as questões de datação ou quem é quem na representação que surge nos painéis", ressalvou.

"Pode sempre, a todo o momento, surgir o documento revelador que esclareça tudo, mas a nossa intenção é estancar a degradação de certas partes da pintura e fazer uma espécie de peritagem ao restauro antigo, e uma intervenção com meios que são infinitamente mais esclarecedores do que os parcos meios que o Luciano Freire tinha", acrescentou.

Questionado sobre este será o projeto mais importante para o MNAA nos próximos anos, Joaquim Caetano disse que, "do ponto de vista da conservação é um projeto muito emblemático, mas há necessidades que estão sempre em cima da mesa: a expansão do museu, a renovação dos quadros, a renovação do piso intermédio que falta fazer - nas zonas de artes decorativas e da Expansão - e que terá de ser uma prioridade".

Criado em 1884, o MNAA acolhe a mais relevante coleção pública de arte antiga do país, em pintura, escultura, artes decorativas portuguesas, europeias e da Expansão Marítima Portuguesa, desde a Idade Média até ao século XIX.

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