Estava de partida para Constância, a primeira data de uma mini-tour em solo nacional, quando nos encontramos. Foi num café antes de chegar à Baixa de Lisboa (curiosamente ao lado de um estabelecimento comercial com o nome “Tempero Gaúcho”). Pediu um “suco de maracujá”. “Não tem”, ouviu como resposta. Logo brincou, “fico achando que estou no Brasil”.

É um dos nomes em destaque nova música brasileira e assina como Castello Branco. Nome de batismo: Lucas. Há nele algo que dá mais vontade de ficar a ouvir do que perguntar.

Nasceu no Rio, em Santa Teresa, mas foi criado no interior do Brasil. Aos dois anos, conta, a mãe "largou tudo e junto com outras quatro mulheres criou uma comunidade".  Lucas foi criado num mosteiro ecuménico em Serra do Capim, onde viveu até aos 16 anos.

Esse período influenciou-o "para o bom e para o ruim". No primeiro caso, a "educação comunitária" deu-lhe uma abertura e ensinou-o "aceitar o outro". Mas ao mesmo tempo, lamenta, "é tão altruísta que chega a ser um pouco egoísta". "Não tenho noção do que é a família, tenho dificuldade em assumir um relacionamento, por exemplo".

Ser criado por uma comunidade essencialmente feminina, apesar de nela haver também homens, ao contrário do que se possa pensar, não o ajuda com a ligação com o outro sexo, conta. "Acho que eu cometo erros clássicos, às vezes sinto um instinto masculino que não condiz com a forma como fui criado. Fico-me questionando porquê".

Agora a viver em São Paulo, diz que o ritmo da cidade lhe tem ensinado sobre "o trabalho". E dado outros ritmos, como a eletrónica, "outra poesia da música".

Música que sempre esteve presente, das bandas de jovens aos grupos corais. Mas era nos períodos que estava com o pai, fora do mosteiro, que Caetano ou o "rockezinho brasileiro" entravam na sua vida.

Já ele entrou na nossa com "Serviço", de 2013, e agora com "Sintoma", de 2017. Pelo meio teve "Simpatia", livro lançado na Feira do Livro do Porto, em 2016.

No entanto não há nada de simbólico com a letra "s". Não é de propósito, "as palavras chegam e sei que têm de ser elas". Por essa assunção recorrente avança que o próximo trabalho procurará abertura noutra letra.

Dele, o terceiro de originais, podemos esperar um registo mais "sóbrio". "Talvez não tenha tanto essa coisa de querer dizer algo, mas sim dizer algo que já sei". "Pode não parecer ter diferença, mas sinto-a. Nas canções de 'Serviço' e 'Sintoma' canto para mim, canto para lembrar", explica.

Um reflexo do momento que vive. Confessa-se a tentar ultrapassar uma crise, que começou com o perder de uma pessoa que ama e pelo qual se sente culpado. Algo recente, que fica perdido entre o coração e a boca. "Preciso de entender quem sou ou vou acabar sozinho. Não posso ter medo de assumir quem sou, o que sempre foi muito difícil de fazer", conta.

"Nunca li nenhum livro de filosofia, mas quem há venha falar comigo e diga 'você é muito nietzschiano ou freudiano'. Aí eu respondo 'pôxa, que máximo'. Mas não é porque ache ruim, é porque cresci sem essas coisas".

Em Castello Branco, a composição tem muito de autoanálise. Mas o sentido de comunidade sente-me também nesse processo. "As canções surgem e vou logo dividindo com os meninos que agora tocam comigo. Vivemos todos juntos, até".

Nesta mini-tour, que foge das principais salas e vai até Mação ou Ponte de Lima, quer "conhecer o país e envolver-se mais". Depois há datas em Espanha e Suíça, "aos poucos e poucos, a gente vai indo".

Numa altura que a música brasileira encontrou em Portugal uma residência — no sentido literal, mas também artístico — fica o desejo de "voltar para o ano que vem para para um período mais alargado".

Por agora, seguem-se as datas de Lisboa, esta quinta-feira (3) no Musicbox, e amanhã (4) no Auditório de Espinho.

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