A ânsia para o regresso ao trabalho é enorme. O que é de todo compreensível. Afinal, as receitas de bilheteiras foram praticamente inexistentes durante vários meses e mais de 100 mil trabalhadores (números conhecidos em maio) da indústria do entretenimento nos Estados Unidos perderam os seus empregos, de acordo com o Los Angeles Times

As perdas a nível financeiro são tremendas e o paradigma mudou de tal forma que nos corredores do poder em Hollywood, os executivos dos grandes estúdios e os agentes responsáveis por manter a parte comercial do showbiz a andar, até já apelidam a pandemia mundial de "Inverno Nuclear" ou "Apocalipse". De acordo com a firma de pesquisa Ampere Analysis, o cancelamento de todas as atividades causou uma disrupção sem precedentes na indústria do entretenimento, com um impacto financeiro estimado em 160 mil milhões de dólares (perto de 146 mil milhões de euros), durante os próximos cinco anos. 

Não há muitas dúvidas de que os estúdios estão ansiosos por voltar à carga e lançar os seus grandes filmes — o problema reside no facto de nenhum estar particularmente entusiasmado com a ideia de ser o primeiro a fazê-lo em tempos de tamanha incerteza. É porque isso que muitos títulos foram adiados. É por isso que a estreia de "Tenet" foi adiada durante duas semanas.

Após mais de três meses de um limbo induzido devido à Covid-19, Hollywood tinha aqui o seu filme de regresso. Em teoria, se havia maneira de regressar à ribalta e em grande, "Tenet" era a maneira acertada de o fazer. Se juntarmos o vislumbre visual do trailer, o alegado orçamento de 200 milhões de dólares e o CV de Christopher Nolan, dificilmente se encontraria melhor pergaminho para iniciar a retoma.

O enredo está na cabeça de Nolan e pouco se sabe além das imagens reveladas em dois minutos de trailer. Sabe-se que John David Washington ("BlacKkKlansman") e Robert Pattinson ("Twilight") serão os protagonistas e que há manipulação do tempo e a uma grande explosão de um avião.

Além disso, apenas a especulação na Internet e no YouTube onde é sugerido que o filme está ligado de alguma maneira a "Inception" devido a umas declarações do filho de Denzel Washington. Mas, oficial, pouco ou nada.

Os filmes do realizador britânico fazem dinheiro e a crítica tem sido altamente favorável. Mas os tempos difíceis são difíceis até mesmo para aquilo que parecem ser tiros certeiros. Tanto que a estreia inicial era para ser a 17 de julho, dia que marcaria o "despertar oficial" do mundo do cinema. Contudo, "Tenet" só chegará às salas a 31 de julho — abrindo uma janela de duas semanas para que as salas de Nova Iorque e Los Angeles se adaptem à realidade da pandemia.

Mas este adiamento é fácil de perceber. Porque o que está acontecer não é mais do que o estúdio não querer perder o seu avultado investimento e, ao mesmo tempo, anuir aos desejos de Nolan. É comummente sabido que o realizador britânico dá primazia à experiência cinematográfica nas salas escuras e que estava mais inclinado em avançar já.

Em março, num artigo de opinião publicado no The Washington Post, Nolan escreveu que o cinema será o local mais "acessível e democrático" que as pessoas irão ter nos próximos tempos. "Quando esta crise passar, a necessidade de envolvimento humano coletivo, a necessidade de viver, amar, rir e de chorar em conjunto será mais poderosa do que nunca", rematou.

"Dunkirk", o seu último filme, não envolveu super-heróis nem manipulação de sonhos ou narrativas. Mas ainda assim arrecadou 527 milhões de dólares em 2017. "Inception", em 2010, amealhou mais de 828 milhões. A sua trilogia do Batman, rendeu mais de mil milhões. Tradução: são demasiados milhões para se ir contra a sua vontade.

Todavia, para a compensar a sua ausência, a Warner vai relançar o thriller cerebral "Inception", em jeito de celebração dos 10 anos da estreia mundial. Toby Emmerich, presidente Warner, afirmou numa declaração que as exibições vão incluir imagens exclusivas de "Tenet" (um filme de "fazer cair o queixo, em alcance e escala") como uma "contagem decrescente" até ao dia da sua estreia oficial. 

(Na mesma nota a Warner adiou "Wonder Woman 1984", de Patty Jenkins. Em vez de estrear no verão, a 14 de agosto, a sequela com Gal Gadot novamente no papel de Mulher Maravilha chegará a dia 2 de outubro.)

Até ver, o pontapé de saída é da Disney

Esta mudança, nota o The New York Times, significa que "Mulan", da Disney, realizado por Niki Caro, vai agora marcar o regresso dos lançamentos dos grandes títulos de Hollywood, quando sair a 24 de julho nos Estados Unidos (um dia antes em Portugal) — a menos que a Disney decida também que o timing não é o mais adequado. 

(Aliás, a fita que na verdade vai abrir os cinemas não é a nova versão em live-action do filme da casa do Rato Mickey que marcou a geração 90. O verdadeiro pontapé de saída será dado com um thriller, protagonizado por Russell Crowe, que vai abrir em algumas salas no dia 10 de julho, chamado "Unhinged".)

Após meses encerrados devido à pandemia, os cinemas de todo o mundo começam a reabrir aos poucos, embora com um número de pessoas limitado e com restrições para garantir a segurança dos espetadores. As grandes salas de cinema nos Estados Unidos têm planos semelhantes e planeiam ligar os seus projetores na primeira quinzena de julho. No entanto, as salas em mercados importantes como Nova Iorque e Los Angeles podem não estar abertas até 17 de julho.

E, mesmo que abertas, ninguém consegue prever o comportamento daqueles que vão pagar os bilhetes — se é que aparecem de todo. A vontade de ir ao cinema será maior do que o medo de apanhar o vírus? A data de estreia de "Mulan" não acontece por acaso — é que a Disney World e a Disneyland vão reabrir pouco antes. Mas quererão os pais arriscar levar os filhos para um espaço fechado?

O sucesso dos filmes parece que não passará exclusivamente pelas boas críticas ou conselhos de amigos. Alguns analistas dizem que o "passa-a-palavra" passará também por saber sobre as condições de higiene e segurança das salas. São questões importantes para a indústria e que fazem do lançamento deste tipo de filmes, de grande orçamento, um assunto a analisar nos próximos meses do ano. Porque a dúvida é mesma essa: qual será o comportamento do consumidor? Os primeiros títulos a estrear serão cobaias disto — e deverão ditar como é que o resto se vai comportar.

Mas isto são filmes que já estavam rodados e que se encontravam em fase de pós-produção antes da pandemia sacudir o mundo. A pergunta que se coloca é: e agora? Até vir a vacina, como vai ser? Que restrições, medidas e limitações vão acontecer nos sets de filmagens? 

Hollywood Sign

O guião de Hollywood para filmar em pandemia 

Após meses de estreias de novos filmes a saltar diretamente para as plataformas de streaming ou video on-demand, de recuos na produção e de dificuldades financeiras, Hollywood está ansiosa por regressar "ao novo normal" — e o Governador da Califórnia até deu luz verde aos estúdios para retomarem as filmagens a 12 de junho. Mas há limitações e muitas restrições, bem patentes num relatório (“The Safe Way Forward”) publicado pelos sindicatos da indústria. 

Testar, testar, testar. "A testagem é fundamental", lê-se em letras gordas no relatório. E vão ser necessários muitos testes à covid-19 para os intervenientes. Mas não só. Vão existir agora duas zonas para proporcionar a máxima proteção ao pessoal envolvido na produção, mas também do elenco — isto quando não for possível utilizar equipamento de proteção individual ou manter o distanciamento social.

Ou seja, os atores e membros da equipa de produção (operadores de câmaras, realizadores, assistentes, etc.) vão trabalhar de perto na denominada "Zona A", de modo a evitar riscos acrescidos visto que têm de lidar de perto uns com os outros e possivelmente estar em contacto entre si. As pessoas presentes nesta área terão que ser testadas pelo menos três vezes por semana — e poderá ser necessária avançar com testagem diária, de acordo com o LA Times

Já os trabalhadores da "Zona B", onde é possível levar a cabo o distanciamento social e a utilização de máscaras — como um estúdio de produção —, serão testados uma vez por semana. O relatório indica também que para que uma pessoa possa transitar de uma zona para outra, é necessário ser testada. (Mas é esperado que tal não aconteça.)

"Aquilo que o Sistema por Zonas tenta limitar é a possibilidade de alguém contrair a covid-19 enquanto estiver a trabalhar. No entanto, entenda-se que o elenco e a equipa de produção ao irem para casa à noite e aos fins de semana, estão sujeitos ao contágio. É para isso que servem todos os testes", salienta o relatório, que refere também que os sindicatos foram aconselhados por especialistas na área da saúde a "resolver a escassez de testes num futuro próximo". 

Em suma:

Cenas de sexo e de luta: "O contacto deve ser mantido no menor tempo possível", dizem as recomendações, devido aos riscos acrescidos que estas cenas representam. Exemplo: seria possível gravar a Guerra dos Tronos nesta altura? Dificilmente.

Dias de trabalho mais curtos. É uma medida que pode causar pressão adicional nos produtores e estúdios já que pode provocar uma derrapagem nos orçamentos. Exemplo: filmagens que se fariam em 48 horas podem agora estender-se durante um duas semanas.

Testes: muitos testes. Porque uma ida para um hotel, restaurante ou apenas para casa pode condicionar todo o esquema e calendário da produção.

Há regras, mas movimentações concretas dos estúdios só para o agosto/setembro

Em tempos práticos, há outras lutas. À agência Lusa, o realizador independente Gene Blalock, que lidera o estúdio Seraph Films, colocou igualmente dúvidas sobre a reabertura. "Penso que vai demorar algum tempo até que os grandes estúdios voltem ao trabalho", disse. "Os sindicatos vão lutar contra isso durante algum tempo".

Foi o que explicou o ator David Villar, que é membro do SAG-AFTRA, também à agência. "O sindicato dos atores aconselhou-nos a avaliar caso a caso e a falar com eles", afirmou também à Lusa. "Ouvi falar de projetos fora do alcance do sindicato, em que os atores assinam um documento de renúncia de responsabilidade e os promotores do projeto fazem verificações de temperatura e limpeza a fundo". Por ser uma situação arriscada, "o SAG disse que desencoraja fortemente isto".

Villar, que entrou em episódios da série da Netflix "Grace and Frankie", "Mentes Criminosas" e "General Hospital", explicou que o problema não é apenas a segurança e a autorização para voltar a filmar. "Os projetos estão a ter muitas dificuldades para conseguirem seguros. A indústria seguradora ainda está a lidar com todos os pedidos que foram feitos".

Sem uma apólice, embarcar num projeto que pode ter de ser suspenso se houver um surto de doença é arriscado para os estúdios. "Imagina que um protagonista ou personagem importante adoece com covid-19. Não se pode contornar isso".

De acordo com o site Deadline, ainda estamos a uns meses de distância até que as câmaras comecem a rolar. Os estúdios mais otimistas esperam retomar atividade apenas em julho e agosto, mas o cenário mais realística aponta baterias apenas para setembro.

Equipas pequenas

Segundo a Hollywood Reporter, a Blumhouse Productions de Jason Blum, responsável por filmes como "Get Out" e "Us", planeia avançar com um filme nos estúdios da Universal com um orçamento de 6,5 milhões de dólares, sem seguro. O produtor é conhecido por usar equipas pequenas.

Ainda sem certezas, Gene Blalock revelou à agência Lusa que acredita que os pequenos projetos vão regressar mais depressa. "Penso que será uma boa altura para produções independentes, não ligadas ao sindicato", afirmou.

A Seraph Films ainda não preparou o regresso, mas o realizador abordou o seu mediador de seguros sobre o próximo filme. "Se formos inteligentes e mantivermos a segurança, com equipas abaixo de 15-20 pessoas, eliminando os serviços extras e tendo refeições individuais pré-feitas, vamos voltar a filmar em breve", revelou à Lusa. "Vamos começar com pequenas produções para testar as águas e esperamos começar a próxima longa-metragem entre agosto e setembro".

"Ninguém sabe como isto vai resultar", afirmou Gene Blalock. "São quase cobaias", notou David Villar.

O isolamento é uma das abordagens que vem sendo mais falada. "Fazem quarentena por 14 dias antes das filmagens, testam, ninguém entra ou sai e filmam assim. Estão limitados pela história que têm", descreveu Villar.

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