[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]

Dia 3 (11 de julho): Dica #5 para futuros viajantes: o sono faz parte da viagem. Não devemos nunca desvalorizar o que uma boa noite de sono pode fazer por nós e o que isso adiciona à viagem.

Acordo cedo, sem alarmes, e mantenho-me acordado em vez de aproveitar a falta de planos para a manhã de hoje para dormir um pouco mais. Somos chamados à sala de jantar para um pequeno-almoço cinco estrelas e autenticamente polaco: salsichas, tomate, queijos, pão e pickles. A tia-avó de Amelia não tinha de fazer nada disto, mas dizer-lhe isso seria quase uma ofensa. Resta-me comer. E comer bem.

Ao meio-dia partimos para o centro da cidade, onde nos reencontramos com a prima de Amelia. Maja faz de guia turística à medida que caminhamos pelas ruas polacas. Tirando o facto de várias das principais atrações da cidade estarem em renovação, as ruas são bastante pitorescas. Alguns jovens distribuem panfletos a anunciar todo o tipo de experiências, de um labirinto de espelhos a uma sala de gaming. Atrações genéricas que não valem de muito - não esperava que Cracóvia fosse tão procurada por turistas, mas isso não estraga a visita.

À saída sinto-me um vampiro: o sol brilha intenso e sou o único sem um par de óculos escuros

Chegamos à praça principal, Rynek Główny. Pombos (muitos pombos), uma pequena manifestação pela Ucrânia e, bem no centro, um mercado com bugigangas de todo o género - sendo a mais comum um dragão de peluche (já aqui volto). Fico de voltar ao mercado para ver tudo com mais atenção. À saída sinto-me um vampiro: o sol brilha intenso e sou o único sem um par de óculos escuros. Ah, a praça é também o local onde se encontra a igreja mais pequena da Polónia - apenas um detalhe curioso para quem se interessa por estas coisas. A Polónia destaca-se pela sua fidelidade religiosa.

Cracóvia é também uma cidade estudantil - uma Coimbra polaca, mas com muito maior densidade populacional - e isso sente-se nas ruas, não só pela quantidade de jovens, mas também pelo ativismo político, que não passa despercebido. Hoje um dos campus da universidade encontra-se repleto de bandeiras e estandartes a chamar a atenção para a situação na Palestina; há tendas diversas e imagino tratar-se de um acampamento de protesto. Sinto-me imediatamente solidário e não consigo evitar lembrar-me de um acampamento semelhante em que participei na (minha) Universidade de Maastricht, ainda em maio último.

Chove depois da visita ao castelo, um aviso de que vem aí uma forte trovoada

Seguimos para o Castelo Real de Wawel, um dos pontos de destaque de Cracóvia - primeiro Património Mundial da UNESCO no mundo -, com uma vista deslumbrante sobre grande parte da cidade. Enquanto caminhamos colina acima, as nuvens começam a cobrir o céu.

O monte de Wawel é um ponto importante da história da região - local com relevância política e religiosa desde a era pré-medieval - e mudou de funções à medida que a Polónia evoluiu ou foi ocupada por países como a Áustria ou a Alemanha. De hospital militar a museu, passando por residência real ou casa oficial do governante da região ocupada pela Alemanha nazi, Hans Frank, quando a Polónia foi mais uma vez invadida na Segunda Guerra Mundial. O palácio existe desde algures no século XI e foi expandido ao longo dos anos.

O dragão é outro ícone da cidade. Diz a lenda que Cracóvia, fundada pelo rei Krak, era aterrorizada pelo dragão de Wawel, que vivia numa cave da colina

Mais curiosos ainda são os contos populares. Chove depois da visita ao castelo, um aviso de que vem aí uma forte trovoada. Antes, tempo para visitar outro ponto imperdível - a estátua do dragão (ainda se lembram dos peluches do mercado?) que, para delícia de todos, cospe fogo de quando em vez. Com alguma paciência, tiro uma fotografia a captar o momento.

O dragão é outro ícone da cidade. Diz a lenda que Cracóvia, fundada pelo rei Krak, era aterrorizada pelo dragão de Wawel, que vivia numa cave da colina. O rei desafiou então os cavaleiros da cidade a derrotar o dragão, oferecendo como recompensa a mão da princesa. Apesar dos esforços, nenhum cavaleiro conseguiu matar o dragão. Reza a história que foi um pobre sapateiro, Skuba de seu nome, quem teve a brilhante ideia de oferecer ao dragão como isco um carneiro recheado com enxofre. Depois de o comer, o dragão sentiu-se mal e foi beber água ao rio Vístula, onde acabou por explodir. A cidade celebrou o feito do sapateiro, que casou com a princesa. A história muda um pouco de boca para boca, mas o dragão é imagem de marca da cidade, seja em esculturas, seja em peluches.

Cientes de que a chuva vai continuar pela tarde fora, decidimos visitar um museu perto. Maja leva-nos ao Manggha, dedicado à arte e cultura japonesas. Atenção: vale sempre a pena mostrar o cartão de estudante, mesmo estrangeiro, e pagar na moeda local (a Polónia não aderiu ao euro), mesmo com cartão, porque fica mais barato.

Desce em mim a alma ibérica e decido fazer uma sesta. Acordo duas horas e meia depois. Caramba!

Visitamos as exposições: a história e a importância socio-cultural do sushi - muito giro ver como o prato evoluiu e como os tipos de sushi variam - alguns menos familiares!; literatura e cultura, de videojogos como o Elden Ring a filmes como "Kiki's Delivery Service" (talvez familiar para quem se interessa por filmes do Studio Ghibli), um estúdio de filmes de animação e livros de manga, passando por vasos de argila ou arte mais tradicional impressa em xilogravura. O contraste entre a arte popular e o mundo moderno e a forma como a apreciação foi mudando ao longo das décadas. Vale muito a pena visitar.

Ainda chove quando saímos do museu. Regressamos a casa de autocarro. Por volta das quatro da tarde, espera-nos outra refeição: frango, batatas, couve, ovos banhados num qualquer molho ótimo e muito mais. Tudo o que precisávamos depois da carga de água que nos apanhou em cheio. Pouco depois do almoço tardio despeço-me de Maja, que amanhã voltará a guiar-nos pela cidade. É então que desce em mim a alma ibérica e decido fazer uma sesta. Acordo duas horas e meia depois. Caramba! A chuva passou. Aproveitamos para mais um passeio pelo parque perto de casa, até ao pôr-do-sol. A cama chama por mim.