Quem quiser descrever a singularidade de Angela Merkel na história política da Alemanha deverá começar pelo fim — pela sua decisão de renunciar ao cargo. É inimaginável que um chanceler alemão abandone voluntariamente o cargo, algo que nunca aconteceu antes. Também é único que uma pessoa completamente desconhecida e sem qualquer experiência política ascenda do nada à chefia de um governo em quinze anos. Que uma mulher o tenha feito também nunca antes aconteceu. Angela Merkel conseguiu-o. A sua biografia política é um exemplo impossível para uma alemã ocidental da mesma geração.

A sua saída quase voluntária no último momento é tanto um símbolo da sua Chancelaria como da sua vida: Angela Merkel é mais livre e independente do que a maioria e, ao mesmo tempo, indecisa até ao limite da dor. Para tomar decisões difíceis, espera até ser quase tarde demais.

Hesitar e adiar como princípios de governação

Um dos episódios da sua infância, contado com prudência pela própria, reza assim: numa aula de natação, está em cima de uma prancha de três metros de altura, e só salta para a água no momento em que a campainha toca para terminar a aula. Nenhum segundo cedo demais, mas ainda a tempo de validar o salto. Ela não conta esta história sem segundas intenções. É uma forma de ilustrar o seu princípio de governação: a hesitação. E a revelação de uma fraqueza aparente, que ela própria sente como força. Vê-a como uma forma de saber esperar: «Quando levo algum tempo a tomar uma decisão, não fico depois a debater-me mais com o assunto.»1

Demarca-se assim das histórias de infância do seu antecessor ocidental Gerhard «Campo» Schröder, de origens sociais difíceis, que em jovem tentava competir no futebol com os seus colegas mais privilegiados da aldeia de Osterhagen, na Baixa Saxónia. Os rivais alemães ocidentais do seu partido, que se candidatam com grandes projetos políticos, contactos sólidos e muita autoconfiança, encontram no caminho o episódio da prancha de três metros. No final, é ela quem salta. «No momento decisivo, eu sou corajosa», declara numa conversa com a jornalista Evelyn Roll.2 No dia 22 de dezembro de 1999, liberta a CDU (União Democrata-Cristã) de Helmut Kohl e do escândalo relacionado com o financiamento do partido. Nesse dia, num artigo publicado no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, Angela Merkel dá um sinal ao seu partido de que se quer libertar dos velhos «cavalos de batalha» e aprender a seguir o seu caminho sozinha.3 O então líder do partido, Wolfgang Schäuble, e os «jovens selvagens» Roland Koch, Peter Müller e Friedrich Merz estão todos em cima da prancha. Mas quando a campainha toca, falta-lhes a coragem.

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Enquanto Chanceler, Angela Merkel recusa, em setembro de 2008, no início da crise financeira, um programa conjuntural de biliões — e muda de ideias no último momento, quando a economia quase colapsa no inverno. Durante a crise dos migrantes, espera quase até ao final de 2016 para negociar com a Turquia um tratado sobre o acolhimento de refugiados e assim fechar a fronteira alemã à entrada de novos fluxos. Vai ser preciso chegar a crise pandémica para ela se decidir a favor da dívida comum dos países europeus. Em 2018, no campo pessoal: quando já parece ser demasiado tarde para se despedir de líder do partido, renuncia ao cargo e anuncia o fim da sua carreira política para 2021.

Onde os seus antecessores e parceiros internacionais formulam visões e depois falham estrondosamente, a Chanceler tem uma forma diferente de lidar com as exigências do dia a dia da governação. Aguardar, calar, observar — e agir só no último instante: este princípio representa os momentos de maior fraqueza, mas também os pontos de viragem históricos da Chancelaria de Merkel. É a sua forma de compensar a renúncia a ideias e objetivos próprios e a desorientação política.

Ela espera pacientemente que pelo menos uma parte das dificuldades se resolva por si com o passar do tempo. Foi assim que Helmut Kohl a ensinou. Ela sabe esperar até que o Zeitgeist faça desaparecer o problema da ordem do dia. Ou até que a pressão para uma decisão cresça de tal forma que soluções ou compromissos políticos se tornem inevitáveis. Aguarda atentamente: esforça-se nos pareceres, convoca comissões de ética, observa a opinião pública até conhecer as estratégias e o pensamento dos outros e poder agir como uma intermediária honesta, não revelando as suas próprias intenções. Estas últimas muito raramente têm a importância política que se esperaria ser a adequada à dimensão do cargo. Na Chancelaria, chamam isto de «pensar as coisas a partir do fim». Este fim é muitas vezes um espaço em branco que se preenche no decorrer do processo.

Trata-se, no fundo, de um entendimento pessimista do trabalho dos políticos. A ideia de que se consegue conceber o futuro desaparece por detrás do dever de gerir o presente.

A pessoa desaparece atrás do cargo

Blazer de cor lisa, calças pretas, sapatos rasos, colar de pedras semipreciosas, maquilhagem discreta, cabelo arranjado. A Chanceler usa sempre uniforme e não só exteriormente. «Quero servir a Alemanha», afirma em maio de 2005, quando o presidente Horst Köhler dissolve o Parlamento e convoca eleições, e Angela Merkel anuncia a sua candidatura à CDU e à CSU, a União Social-Cristã bávara. Para o tom diligente e submisso deste lema eleitoral, herda ainda o sorriso presunçoso de Gerhard Schröder, seu antecessor e chanceler federal em exercício. Em 2017, repete esta postura, quando apresenta inesperadamente uma nova e quarta candidatura: perante as difíceis crises e os problemas do mundo, recorrerá «a todos os talentos e capacidades que recebi para prestar o meu serviço à Alemanha»4.

Agora, já ninguém se ri. Há muito que a forma de trabalhar da Chanceler se tornou num modelo de governação eficiente. A Chanceler é vista na Alemanha, na Europa e na comunidade internacional como uma âncora para a estabilidade no estrangeiro, ainda mais do que na Alemanha. Na sua forma ponderada, ela será «o centro de gravidade da política interna europeia», atesta em 2018 o antigo chanceler austríaco Christian Kern, num artigo escrito a convite do jornal Handelsblatt. Mas por esta altura, enquanto em Berlim, Munique, Saarbrücken, Düsseldorf e Hamburgo toda uma geração de mulheres políticas espera ansiosamente que a Chanceler finalmente renuncie e deixe o lugar vago, cresce a preocupação na Europa: Quem se seguirá a ela? E saberá a nova ou o novo chanceler reagir de forma tão sensível e inteligente como Merkel? E se souber, quererá fazê-lo?

Por esta altura, dois tipos de políticos dominam na comunidade internacional. Em minoria, estão aqueles que, tal como Angela Merkel, deixam a sua personalidade desaparecer por detrás do trabalho pelo país. Noutro lado, estão chefes de governo carismáticos, muitas vezes populistas, que fazem depender a sua vitória eleitoral e a condução da política exclusivamente da sua pessoa: o presidente norte-americano Donald Trump é um desses políticos, tal como Vladimir Putin e Emmanuel Macron, aos quais se juntará mais tarde Boris Johnson. Enquanto estes últimos pintam o cenário político em que se movem de cores claras e por vezes berrantes, para depois o decorarem com as suas decisões políticas pessoais, gestos simbólicos e grandes discursos, a Chanceler comporta-se de forma diferente. Coloca-se à margem, observa, aconselha-se e depois toma decisões. Há poucas, porém importantes, exceções a esta regra — estas exceções serão discutidas no capítulo «Desilusões». Para os sucessores, é grande a tentação de fazer as coisas de forma diferente, mais como os britânicos ou os franceses. O poder desta tendência vê-se na luta pela candidatura ao lugar de chanceler entre Markus Söder e Armin Laschet. Mais uma vez, o modelo Merkel impõe-se ao modelo do tribuno popular. O «chanceler candidato dos corações», contudo, mora agora na Baviera, como consta na CDU.

Angela Merkel é igual a Hassloch

Durante dezasseis anos, trabalha como primeira funcionária do país. Para isso, reprime caprichos e vontades, postura, humor e opiniões com tanto sucesso, que no final do seu mandato muitos se interrogam se ela alguma vez os teve. Franz Müntefering, o seu primeiro vice-chanceler do SPD (Partido Social-Democrata), contou uma vez, com humor, que quem entrar num avião com Angela Merkel chega ao destino com segurança. Nunca sabe, porém, onde aterra.

Para o exterior, a Chanceler transformou-se numa mulher sem qualidades, numa projeção de todas as expectativas e receios, de adoração e de desprezo, de ódio e de admiração. Nela, encontramos tudo. A salvadora e a destruidora da Europa, a defensora decidida e a inimiga da energia nuclear, a salvadora do clima e a responsável pela política industrial, a reformadora económica e a conservadora em questões de política social. Só assim ela está disponível para formar qualquer coligação de governo ao centro. Poderia governar com os sociais-democratas, os liberais e os verdes. Só os extremos políticos estão fora do seu espectro.

Se a publicamente visível Angela Merkel fosse uma cidade, seria Hassloch. Esta comunidade de vinte mil habitantes situada perto de Speyer, no estado da Renânia-Palatinado, é considerada a cidade-exemplo do índice médio alemão. Aqui, existem tantos idosos, solteiros, famílias, académicos, estrangeiros e crianças como na média estatística de todo o país, e o poder de compra corresponde exatamente ao valor médio nacional. Hassloch é a meca das pesquisas de mercado alemãs, que aqui testam o tamanho preferido das tabletes de chocolate de um alemão, ou a quantidade de açúcar que este gostaria de saborear numa bola de gelado. A página da Wikipédia sobre a cidade glorifica um monumento natural: um salgueiro-chorão com cento e cinquenta anos.

Angela Merkel representa o mesmo, o estilo médio de fazer política. Ela apresenta-se de acordo com a forma como os alemães gostam de ser governados: não em tamanho xxl, mas de preferência médio. Solidez e não ousadia. Capacidade de compromisso e não brilhantismo. Conhecimento do detalhe em vez da ânsia por grandes jogadas. Nos últimos dezasseis anos, transformou-se numa das poucas figuras públicas alemãs consensuais. Surpreendentemente, além dela, só um outro político alemão de Leste conseguiu este estatuto, o antigo Presidente da República Joachim Gauck. Talvez isto se deva ao facto de os seus pares ocidentais terem aprendido, já nas organizações juvenis dos respetivos partidos, a consolidar uma rede regional de contactos a partir da qual constroem uma vida política. Este percurso nota-se no sotaque de cor local, mas também na lealdade para com os apoios económicos e científicos à região e aos interesses da política industrial e das migrações das cidades e aldeias do círculo eleitoral.

Mas talvez a razão se deva também às diferenças de características sociais entre alemães ocidentais e orientais. Enquanto os alemães orientais exercitavam a capacidade de adaptação e a discrição, uma vez que o coletivo era mais importante do que o indivíduo, os políticos da nova geração da década de 1980 aprendiam marketing pessoal, a apresentar-se e a distinguir-se.

Merkel e Gauck ultrapassaram as primeiras características sem se apropriarem exageradamente das segundas. Só na geração política seguinte, de Manuela Schwesig, Kevin Kühnert (ambos do SPD), Linda Teuteberg (FDP, Partido Democrático Liberal), Annalena Baerbock (Os Verdes), Paul Ziemiak e Daniel Günther (ambos CDU) é que a origem dos políticos vai perdendo importância.

As origens biográficas da Alemanha Democrática notam-se em Angela Merkel em momentos raros. Por exemplo, quando responde com espontaneidade em dialeto berlinense. Quando, a meio de uma palavra, lhe surge um «e» não acentuado, próprio do modo de falar da Alemanha Democrática, que evoca a memória de tempos passados. Ou quando teme que a Alemanha fique em último lugar a nível internacional e usa a palavra «Bummelletzter», que designava, no meio escolar das crianças da Alemanha Oriental, o último a chegar, o mais lento.

De resto, porém: Hassloch. A Chanceler luta com o seu peso e com as limitações de saúde de quase todas as mulheres da sua idade. Usa o penteado normal das senhoras mais velhas, gosta de passar o fim de semana na sua casa de campo na região de Uckermark, a remover ervas daninhas. No verão, faz caminhadas nas montanhas do Tirol do Sul. Quando o casal Merkel recebe visitas em casa, é ela quem cozinha. E cozinha pratos tradicionais: sopa de batata, bolo Streusel, rolo de carne. Em casa, não usa blazers de linho, porque amarrotam imediatamente. «Não percebo como algumas conseguem, não se vê um vinco.»5 Ela e o seu segundo marido, Joachim Sauer, vivem numa casa «normal», segundo testemunhas já convidadas pelo casal. Não há extravagâncias, nenhuma decoração cuidada ou iluminação planeada. Em vez disso: um quarto andar de dimensões médias, com uma decoração informal e não projetada por um arquiteto de interiores. Situado, no entanto, na melhor zona de Berlim, mesmo em frente ao Museu Pergamon.

Uma física como Chanceler

muito raramente permite que alguém se aperceba de que a verdadeira Angela Merkel é tudo menos Hassloch, como, por exemplo, em tempos de crise. Nessas alturas, permanece tranquila. Quando todos os outros se descontrolam, mantém a calma. Os seus colaboradores admiram a sua perspicácia, a sua inteligência, a sua memória, também atenta aos detalhes, e a sua capacidade de só cometer erros uma vez. Durante a infância, os pais inculcaram nela e nos seus irmãos a ideia de que os filhos de párocos deveriam ser «melhores do que os outros», para poderem estudar na Alemanha Democrática. Ser melhor do que os outros, mas ao mesmo tempo saber camuflar cuidadosamente este sentido de superioridade é uma marca de que não se libertará nunca e que lhe será muito útil no seu percurso político.

Ao contrário de muitos dos seus antecessores, ela não lida apenas com categorias políticas. Em casa, pensa-se e lê-se ciência. Merkel destaca a sua formação como física, sobretudo perante os seus opositores políticos: «Na Alemanha Oriental, escolhi o curso de Física […] porque tinha a certeza absoluta de que existe muita coisa que se pode negar, mas não se pode negar a força da gravidade, a velocidade da luz e outros factos, e isto continua válido», grita em dezembro de 2020 no Parlamento Federal a Alice Weidel, a líder parlamentar da Af D (Alternativa para a Alemanha), quando esta interrompe permanentemente a sua apresentação da política de combate ao coronavírus.6

Esta não é só a atitude com a qual ela celebra a sua invulgar biografia política e se demarca de todos os juristas, politólogos, professores e funcionários administrativos do Parlamento. Tanto na pandemia como na política climática, torna-se muito claro que a Chanceler confia mais na opinião de cientistas do que na opinião dos ministros-presidentes estaduais. Também é claro que ela é um dos poucos políticos capazes de conversar com especialistas de igual para igual.

Quando a CDU faz convites para as festas de anos «redondos» da Chanceler, é servido um cardápio duro em vez de discursos bem-dispostos e cumprimentos amigos. Como desejo, a aniversariante pede uma palestra científica. Em 2014, por ocasião dos seus sessenta anos, o historiador Jürgen Osterhammel, da cidade de Constança, discursa sobre «Horizontes Temporais ao longo da História». Pelos seus cinquenta anos, o neurocientista Wolf Singer, de Frankfurt, falou do cérebro como «um exemplo de sistemas auto-organizados». O antigo ministro-presidente bávaro e candidato da CSU ao lugar de chanceler, Edmund Stoiber, quase recusou o convite por não se sentir convidado para uma festa de anos, mas, sim, para uma das habituais sessões científicas de fim de tarde em Berlim. Cerca de mil convidados aguentaram o calor desse entardecer de julho por mais de uma hora até serem salvos pela receção regada a champanhe, afinal a principal razão para estarem ali.

Contudo, Angela Merkel ouve a palestra com atenção. Serões científicos como este são a sua paixão. Quando, em 17 de dezembro do ano passado, aparece «fortemente orgulhosa»7 no laboratório da BioNTech, a célebre empresa que desenvolve a vacina contra o coronavírus, para fazer uma visita virtual, é a única dos três membros do governo — além dela, foram recrutados o ministro da Saúde, Jens Spahn, e a ministra da Ciência, Anja Karliczek — que, no final da visita, quer muito saber mais uma coisa: quando e como o casal fundador da empresa teve a ideia de utilizar a investigação sobre a terapia para o cancro no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19.

Nos tradicionais jantares informais com os laureados do Prémio Nobel, para os quais a Associação Leibniz convida a Chanceler, é muitas vezes a última a ir embora. Segundo alguns participantes, é o marido que às vezes a apressa para se retirarem, tal é a intensidade com que ela se envolve nos debates com os especialistas.

Merkel speaks following virtual European Council meeting and India Summit
Merkel speaks following virtual European Council meeting and India Summit epa09185412 German Chancellor Angela Merkel speaks to the media following a virtual meeting of the European Council and an EU summit with India during the coronavirus pandemic in Berlin, Germany, 08 May 2021. Central to the meetings, which included India's Prime Minister Narendra Modi, were the resumption of free trade talks with India. EPA/STEFFI LOOS / POOL créditos: Lusa

Uma carreira muito alemã

Com este perfil, a Chanceler torna-se, ao longo dos anos, numa desilusão crescente para especialistas políticos e editorialistas que anseiam por carisma, exigem discursos do tipo «sangue, suor e lágrimas» ou querem, pelo menos, poder celebrar um único grande ato visionário da era Merkel. É um paradoxo: a globalização e a digitalização contribuem, na política, para uma deslocação do poder, prejudicando os parlamentos e favorecendo os governos. Mesmo na Alemanha, o chefe de governo tem adquirido um poder quase presidencialista. Contudo, a Chanceler não aproveita esta oportunidade para atingir objetivos políticos pessoais.

Ela representa uma contraproposta aos visionários e aos populistas. Uma carreira como a sua só seria possível na Alemanha. Para uma classe de políticos como Angela Merkel, ser eleito quatro vezes seguidas só é possível num sistema político cujo Parlamento elege o chefe de governo. Uma candidata sem talento retórico e sem esquemas políticos nunca sobreviveria a uma eleição direta. «Em França, Angela Merkel é admirada e venerada, mas nunca seria eleita lá», analisa a jornalista francesa Pascale Hughes, que trabalha há décadas como correspondente política em Berlim.

Mas na Alemanha, Merkel mantém-se no poder. Cientistas políticos como o politólogo Karl-Rudolf Korte, de Duisburg, encontram uma explicação para este facto. Porque não é uma visionária nem uma política de convicções fortes, porque se vai arrastando pelo dia a dia da política sem dar muitas explicações e porque só tem coragem para tomar decisões em momentos de crise, Merkel é uma das políticas mais modernas do século xxi. Pode parecer aborrecido e cansativo, mas é a interpretação atual da teoria de Karl Popper, o filósofo britânico que aconselhou às ciências sociais e políticas as capacidades de crítica e de correção dos cientistas: avançar passo a passo, segundo o princípio de tentativa e erro. Se um conselho se revelar errado, deve ser corrigido. Nas sociedades democráticas, estas correções fazem-se normalmente através de eleições. Mas Angela Merkel ludibria a democracia neste ponto: ela própria faz essa correção, tornando-se, por isso, sempre elegível.

A situação política geral na Alemanha complicou-se tanto, que golpes libertadores do género da «Agenda 2010» de Gerhard Schröder comportariam hoje riscos incalculáveis. Por um lado, ninguém quer uma reforma radical numa população que está a envelhecer. O risco de perder as eleições seguintes ou de aprofundar mais a polarização da sociedade no seguimento de tais medidas seria enorme. Há ainda a acrescentar as ramificações e obrigações a ter em conta em reformas abrangentes: Serão as medidas constitucionais? Afetarão os direitos dos estados federais ou eventualmente acordos europeus e compromissos internacionais?

Para uma política que se quer manter no poder, o caminho radical não é especialmente atrativo, nem promete ter sucesso. Ela prefere avançar cautelosamente como faz um mineiro num túnel. Passos curtos, medidas de estabilização, de novo passos curtos. Os especialistas chamam isto de dependência de trajetória, que consiste em não estragar o que pode ser necessário para se sobreviver no caminho de volta. Chefes de governo com programas políticos próprios e exigentes são perigosos para pessoas como Merkel. Eles ameaçam destabilizar um equilíbrio já de si complicado.

A cientista Angela Merkel descobre isto logo a seguir à sua tomada de posse. O seu programa de reforma económica, apresentado em 2003 no congresso do partido, realizado em Leipzig, é imediatamente posto de lado, já durante as conversações de coligação com o SPD, depois de ter conseguido tornar-se Chanceler com uma vantagem mínima. Ao invés de uma baixa de impostos e de uma reforma da saúde fundamental, faz-se o oposto, um aumento do IVA em três pontos percentuais e uma reformazinha penosa dos planos de saúde.

Angela Merkel, Retrato de uma Época
Angela Merkel, Retrato de uma Época créditos: Casa das Letras

Livro: Angela Merkel, Retrato de uma Época

Autor: Ursula Weidenfeld

Editora: Casa das Letras

Preço: 19,71 €

O ponto de partida é claro: a CDU e o SPD têm de levar a cabo uma reforma da saúde. Durante a campanha eleitoral, a CDU/CSU empenhou-se por uma mudança no sistema, que determina contribuições gerais únicas para os planos de saúde. Pelo contrário, o SPD quer implementar um seguro geral que também integre os cidadãos com seguros privados. Trata-se de uma experiência política cujo desfecho já se antevê: não vai ser implementado o modelo que exige uma mudança no sistema, mas, sim, o modelo que altere o mínimo possível.

Angela Merkel aprende. Quando se candidata a chanceler após 2005, deixa de ter um programa eleitoral que proponha ao eleitor um plano rígido de mudanças. Em vez disso, o slogan da campanha de 2013 é «Vocês conhecem-me», que lembra aos eleitores mais velhos a campanha de Konrad Adenauer de 1957: «Sem mais experiências.» Tal como Adenauer, nesta altura já Angela Merkel governou durante duas legislaturas e se encontra, também como Adenauer, no ponto mais alto do seu poder. Mas, de forma diferente da do primeiro chanceler, ela está sentada numa montanha gigante de regulamentos, tradições, hábitos. Já não lhes toca. Também na ausência de coragem, é um modelo: resolve só os problemas que tens mesmo de resolver. Esta é a lição da gestão do dia a dia político, a humilde e controlada concretização do conselho de Popper. Merkel acrescenta-lhe uma nota de rodapé moderna para situações políticas excecionais, que o antigo primeiro-ministro britânico Winston Churchill resumiu desta forma: «Never let a good crisis go to waste.»

Porquê tentar uma reforma das pensões se os fundos de garantia ainda vão funcionando? Merkel sabe que, a partir de 2025, o sistema não vai aguentar. Mas não faz nada. Cada geração tem de lidar com os problemas do seu tempo. Esta é a sua postura, à qual ela abre uma exceção já no final da sua carreira: ao clima.

A Chanceler compromete a sucessão

A primeira mulher chanceler vai então sair de cena voluntariamente no outono de 2021. Já não quer lutar por cargos públicos e põe de parte uma carreira internacional (pelo menos, é o que afirma). Esta decisão diz mais acerca dela e do sistema político do que todas as lutas anteriores: as lutas pelo partido e pela liderança do grupo parlamentar, a luta pela candidatura a chanceler, as discussões no seio na União Europeia, os conflitos com parceiros e rivais internacionais. Merkel tornou-se independente. A sua carreira não depende das redes intrapartidárias nem das alianças inquebráveis, indispensáveis no século xx. Não se preocupa com a sua fama póstuma que, como pode ver em Helmut Kohl e em Gerhard Schröder, é algo de natureza efémera. Poupa-se ao último e amargo ritual a que todos os chanceleres se sujeitaram até agora: ser deposto do cargo pelo próprio partido, como aconteceu com Konrad Adenauer, ou, como Helmut Kohl, afastar-se envergonhadamente a caminho do exílio na província depois de uma última e previsível derrota eleitoral.

Ela está cansada. Tão esgotada e consumida como Adenauer e Kohl estavam ao fim de catorze e dezasseis anos no cargo. Reconhece-se nela o desgaste devastador deixado por noites de conversações demasiado longas, maratonas telefónicas ininterruptas, dias de compassos demasiado curtos. Mas enquanto os dois antecessores não conseguem conceber uma vida para lá do cargo de chanceler e não confiam a sucessão a ninguém, Merkel declara de forma concisa: «Eu diria que apareceu sempre alguém que quisesse ser alguma coisa na Alemanha.»8 Não pretende imiscuir-se na procura de um sucessor para a direção do partido e para a Chancelaria, afirma, o que, ainda assim, não a impediu em nada de o fazer.

Dá as boas vindas a Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK), antiga ministra-presidente do estado de Saarland e secretária-geral da CDU em Berlim, para a preparar como sua sucessora no partido e na Chancelaria. AKK é uma mulher com muitas parecenças com Angela Merkel: é ponderada e, para o exterior, hesitante. Como Angela Merkel era no início do cargo no partido, é praticamente uma desconhecida do grande público. Mas as coisas correm mesmo muito mal. Kramp-Karrenbauer, que, tal como Merkel um dia fez, quer avançar da direção do partido para cargos mais altos, falha redondamente. Consegue afirmar-se como líder do partido em 2018, mas não consegue controlar o núcleo do partido, a denominada «casa Adenauer». Comete erros em aparições públicas, não ganha autoridade sobre os círculos regionais, não aprende suficientemente depressa. Quando, no estado da Turíngia, em janeiro de 2020, a CDU quase elege sem querer um novo ministro-presidente juntamente com a Af D, a Chanceler intervém, agindo novamente ou talvez ainda e sempre como a líder secreta do partido. ordens aos democratas-cristãos da Turíngia para recuarem. Como sempre, no último momento.

Kramp-Karrenbauer, entretanto ministra da Defesa, não conseguiu trazer à razão o círculo regional da Turíngia e a sua autoridade no partido cai no compasso de horas. Merkel dirige tudo. Aceita o desmoronamento definitivo e a demissão da sua sucessora tão friamente como sempre faz, e afasta-se daqueles que lhe são fiéis, quando estes não correspondem às suas expectativas.

Uma alemã de Leste faz carreira em Bona

no início da sua carreira política é que dependeu de outros. Nunca foi «a menina de Kohl», tal como era apelidada nos seus primeiros anos, com uma mistura de condescendência e de troça, pelo próprio chanceler e pelos amigos do partido. Ela é, antes de mais, uma descoberta de três homens que ocuparam posições decisivas na libertação da Alemanha de Leste: de Helmut Kohl, naturalmente, que num tempo recorde inferior a um ano faz dela ministra e líder do partido. Também não menos importante é Günther Krause, que, enquanto ministro de Estado da República Democrática Alemã (RDA), negoceia a reunificação alemã e depois será ministro dos Transportes na Alemanha reunificada. É ele quem entrega a Merkel, então vice-porta-voz do governo da RDA, o círculo eleitoral de Rügen, quando ela receia ficar desempregada a seguir a 3 de outubro de 1990. Lothar de Maizière, o único chefe de governo da RDA eleito livremente, mais tarde vice-chanceler e ministro sem pasta num governo alemão reunificado, também a empurra para a frente. Em 1990, por puro acaso, De Maizière convida Merkel a integrar a sua equipa. Como o primeiro porta-voz do governo não gosta de viajar, é preciso encontrar uma pessoa curiosa e bem organizada que possa acompanhar o chefe de governo da RDA nas suas muitas viagens ao estrangeiro. Merkel consegue o lugar através de uma recomendação de Hans-Christian Maass, o conselheiro de De Maizière, que, na qualidade de caça-talentos da CDU, procura personalidades políticas oriundas da Alemanha de Leste que tenham potencial.

São as coincidências e as relações pessoais que se estabelecem durante este período de transição que transformam Merkel, a mulher que chega a Bona vinda do nada, em ministeriável. Tal como o próprio Lothar de Maizière, no início ela não é mais do que uma captura secundária da Alemanha de Leste para a república de Bona.

De Maizière demite-se passados poucos meses devido ao seu envolvimento polémico com a polícia política da Alemanha de Leste, a Stasi. Günther Krause cai por causa de um apoio orçamental negociado de forma eventualmente ilegal. Angela Merkel fica. Nenhum passado, nenhum erro por presunção, nenhum escândalo.

E isto é um feito num partido como a CDU, desprovido de quadros na década de 1990, exausto após a reunificação alemã, vacilante e fatigado perante o final da era Kohl. Sobretudo, é muito mais do que a maior parte dos políticos ocidentais da CDU pode mostrar. Sofreram na pele todos as legislaturas de Helmut Kohl, estão enredados e apanhados na sua era e na velha CDU ocidental. O escândalo do financiamento do partido é fatal para um político destacado como Wolfgang Schäuble. Angela Merkel tem aqui uma vantagem insuperável: quem é politicamente ativo dez anos e antes disso teve um papel discreto na RDA é inatacável.

Isto também é válido para a maioria dos outros partidos onde alemães de Leste fazem carreira desde 1990. Angela Merkel não é a única política da geração de transição que chega a altos cargos públicos: Joachim Gauck chega a presidente, Wolfgang Thierse (SPD) é presidente do Parlamento, Katrin Göring-Eckardt (Os Verdes) é candidata principal de partido, Matthias Platzeck (SPD) é líder de partido, Manuela Schwesig e Franziska Giffey são hoje esperanças do SPD. O partido Die Linke (A Esquerda), como é tradicional, mantém líderes da Alemanha Oriental.

A partir de 1989, há toda uma geração que se empenha politicamente e são mais os que chegam a altos cargos políticos do que se pensa, se só se considerar a carreira excecional de Angela Merkel. É um pouco como o que se passou na Alemanha Ocidental com a geração de 68. Milhares de estudantes politizaram-se através de protestos contra o «decreto radical», a tentativa do governo de banir correntes extremistas de esquerda na política e na administração. Trinta anos depois das marchas de protesto, Joschka Fischer, Gerhard Schröder e Jürgen Trittin estão suficientemente maduros para assumir a direção política do país. Tal como Angela Merkel, Joachim Gauck e Wolfgang Thierse, provêm da revolução pacífica da Alemanha de Leste: estes são os sobreviventes da geração de 68. Só que Merkel não demora trinta anos até chegar ao topo.

Desde a sua juventude que ela se compara com os seus pares ocidentais. Na casa paroquial onde Angela Kasner cresce, na cidade de Templin, na região de Uckermark, há visitas frequentes vindas do Ocidente. À data do seu nascimento, os seus pais moram em Hamburgo, mas mudam-se poucas semanas depois para a Alemanha de Leste. O seu pai, o pastor evangélico Horst Kasner, assume uma paróquia no estado de Brandemburgo. Até 1961, o ano da construção do Muro, os familiares ocidentais fazem visitas regulares e os Kasners gostam de passar férias em Hamburgo ou nas margens do lago Constança. Depois da construção do Muro, torna-se difícil ver a família. Mas ao mesmo tempo, aumenta o intercâmbio entre as duas Alemanhas no âmbito da Igreja Evangélica. Kasner dirige, entretanto, o colégio pastoral de Templin, em Brandemburgo, onde se formam sacerdotes evangélicos.

Angela Merkel tem muitas oportunidades para observar as visitas e concluir que consegue «acompanhar» as conversas. Este sentimento, as altas exigências académicas dos pais, o trabalho como física e a ambição pessoal dão-lhe, nos primeiros anos de governo em Bona, a segurança de não ser preciso esconder-se. «Sabes resolver integrais, então também vais saber conversar com Norbert Blüm»9, diz a si própria quando tem de negociar com o poderoso ministro do Trabalho a participação das alemãs orientais nas medidas para a criação de emprego.

Ao mesmo tempo, observa fria e analiticamente a queda do governo de Helmut Kohl. Vê o velho chanceler vacilar. Mas Helmut Kohl não é capaz de se despedir. A Chancelaria há muito que se transformou num mundo hermético e fechado sobre si mesmo. A desconfiança lendária de Helmut Kohl de todos os potenciais concorrentes recai sobre Wolfgang Schäuble, o líder de bancada da CDU/CSU, que ele próprio tinha escolhido para sucessor. Contra a promessa de deixar a candidatura livre para Schäuble, que tinha ficado paraplégico na sequência de um atentado, candidata-se novamente em 1998 — e perde as eleições.

Angela Merkel pôde observar de perto a decadência, o desgaste e a incapacidade de deixar o cargo. Começa a sondar as suas próprias possibilidades. Na verdade, havia decidido afastar-se depois da derrota eleitoral do seu partido para, por exemplo, conhecer e acompanhar melhor o seu círculo eleitoral em Rügen. Este círculo fê-la voltar para casa com a magra percentagem de 37,3 % dos votos conseguida nas eleições de 1998. É a conta a pagar pela profunda crise económica que ainda reina nos antigos estados alemães do Leste oito anos depois da reunificação. Também é a exigência de levar mais a sério o seu trabalho como dirigente da CDU no estado de Mecklenburg-Vorpommern.

Nessas semanas, pensa inclusivamente em despedir-se da política. Se não tivesse sido política, teria gostado de fazer outra coisa — talvez dirigir um centro de emprego, como conta à jornalista Evelyn Roll. Voltar à ciência está fora de questão, os tempos mudaram. «Sempre tive consciência», resume desapaixonadamente em conversa com Günter Gaus, «que eu… no contexto ocidental, talvez não pudesse trabalhar em investigação fundamental».10 Com a sua vaidade humilde, aproveitou várias vezes para assegurar que também conseguiria viver sem a política. Ao contrário dos seus protetores, nunca teve de o demonstrar. Wolfgang Schäuble, o novo líder do partido, precisa de um secretário-geral capaz, leal, de uma mulher — e consegue ter Angela Merkel. Uma política que «em algum momento encontrará a altura certa para se retirar da política […] e que depois não quer ser um náufrago meio morto»11. Que vai fazer tudo para se manter na política e que em caso algum deixará que outros a afastem.

Ela dá a volta. Liberta-se a ela e à CDU de Helmut Kohl e do grupo renano. Kohl aceitara dinheiro de financiadores cujos nomes manteve em segredo até morrer. O seu sucessor não ousa fazer o corte decisivo e tem de abandonar o cargo poucos meses depois, porque também ele aceitou dinheiro vivo para financiar o partido. A CDU está em queda livre. Merkel é a única que garante a certeza de ser inatacável. Combina uma divisão da herança com Friedrich Merz: do património político de Kohl e de Schäuble, fica ela com o partido, Merz com o grupo parlamentar. O entendimento não dura muito. Merkel sobe, Merz vai-se embora.

Nestes anos, fica claro para Merz que Merkel foi subestimada quando se pensou que «a senhora da Alemanha de Leste» seria um fenómeno passageiro entre os políticos de topo.

Após dezasseis anos, não se pode falar de uma saída prematura e consciente. Angela Merkel vai deixar a Chancelaria sem sofrer da perda de poder e de influência. Numa fase de altíssima personalização da política, ela recusa a saída trágica tal como, enquanto esteve em funções, evitou o patético. A Alemanha é um país que se manteve imune a novos líderes e a movimentos políticos avassaladores. Isto já não tem nada que ver com o passado alemão, mas muito com a existência atual de uma chefe de governo completamente desprovida de carisma, objetiva e nada visionária. Neste aspeto, é menos a sucessora de Helmut Kohl e de Gerhard Schröder do que de Helmut Schmidt. De Helmut Schmidt, o antigo chanceler do SPD, é a frase: «Quem tem visões em política deve ir ao médico.» Durante o exercício do cargo, Schmidt foi acusado de ser um tecnocrata frio. Merkel é acusada de nunca ter tocado os corações dos alemães. A Chanceler já se viu em situações mais desesperadas do que a do outono de 2018, quando o cansaço em relação a Merkel rasteja pelo país como o nevoeiro paira sobre as paisagens planas de Uckermark em novembro. O choque da desastrosa tareia eleitoral no estado de Hesse deixa o partido petrificado. A conta da luta fatigante com o partido-irmão CSU pela zona de «fronteira» para acolhimento de migrantes vai ser paga pelo ministro-presidente conservador de Hesse, Volker Bouffier. A CSU de Hesse perde 11,3% dos votos e Bouffier só consegue manter o cargo formando uma coligação com Os Verdes.

Isto é mau. Mas será pior do que a discussão com o próprio grupo parlamentar sobre as ajudas à Grécia? Será mais desgastante do que os gestos «a Merkel tem de ir embora» das pessoas nos corredores do Bundestag, o Parlamento Alemão, que denunciam a perda interna de autoridade da Chanceler? Será mais humilhante do que a viagem noturna a Wolfratshausen no dia 11 de janeiro de 2002, quando, ao pequeno-almoço, apresenta a Edmund Stoiber a sua candidatura a chanceler, porque de outro modo seria corrida pelos seus rivais masculinos do congresso da CDU, a decorrer ao mesmo tempo em Magdeburg? Mais degradante do que os treze minutos do congresso da CDU de novembro de 2015, em que Seehofer a enxovalha publicamente como a uma miúda de escola?

Pôs de lado todos estes ataques e pequenas revoluções sem ripostar. Quem está convencido de que as leis da conservação de energia a energia total de um sistema fechado não se altera — também se aplicam à política, também sabe que a um ponto baixo se segue um ponto alto e vice-versa. «Em sentido figurativo, isto significa que a resultados positivos se sucedem resultados negativos e vice-versa. Quando se tem muitos sucessos eleitorais, haverá mais tarde derrotas. E depois das derrotas, volta-se a crescer.»12 Assim explica Merkel ao jornalista Giovanni di Lorenzo, do jornal Die Zeit. Não leva as ofensas pessoais a sério.

Mas 2018 é um ano diferente. O sistema Merkel já não está fechado, a energia começa a fugir. No seu círculo mais íntimo, e antes de todos o seu marido Joachim Sauer, desaconselham-na a recandidatar-se. Na Chanceler, são visíveis o cansaço, a impaciência e a frustração após a crise migratória. O balanço do momento é um monte de estilhaços: o presidente norte-americano Donald Trump catapultou-a para fora do seu papel de grande dama da Europa ao transformá-la na inimiga principal dos Estados Unidos. Os britânicos querem abandonar definitivamente a União Europeia e atribuem parcialmente a culpa à política migratória de Merkel. Não pode existir na Alemanha nenhuma força política à direita da CDU/CSU? Nem mesmo isso ela conseguiu garantir enquanto líder do partido. A Af D está decidida a manter o seu lugar no Bundestag.

Merkel puxa o travão de emergência. Não consegue transferir o poder de forma organizada. Três homens candidatam-se imediatamente à sucessão na CDU e na Chancelaria. O caminho que escolheu para evitar esta situação falhou.

Então acontece algo. O coronavírus ameaça o mundo desde o início de 2020. E a Chanceler? Volta a fazer aquilo que a população, o partido e os parceiros internacionais mais apreciam nela: age com prudência e inteligência. Despede-se de velhas certezas sem hesitações. Lidera o país e a Europa durante a crise. Quando há crises, sabe agir.

Desta vez, não hesita. Já não tem nada a perder. E nos primeiros meses é bem-sucedida.