Livro: A Cidade e as Serras

Autor: Eça de Queiroz

Convidada: Susana Romana, escritora, guionista, radialista e comediante

Moderadora: Elisa Baltazar, anfitriã do É Desta Que Leio Isto

Data: 25 de março de 2021

Ouça aqui a conversa sobre o livro A Cidade e as Serras:

Não conseguiu estar presente no último encontro do É Desta Que Leio Isto, clube de leitura da MadreMedia? Este artigo serve de resumo da sessão, que contou com a presença da guionista, escritora e humorista Susana Romana, que nos trouxe um clássico também ele cheio de humor: A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz. A conversa foi moderada pela anfitriã deste clube de leitura, Elisa Baltazar.

Sobre o livro A Cidade e As Serras:

  • Conta a história de Jacinto, um descendente de uma família aristocrata portuguesa, extremamente rico, que vive num palacete em Paris e que acredita que a felicidade é sinónimo de civilização.
  • Embora com um estilo de vida faustoso, a personagem sente a sua existência a cair na monotonia e decide viajar para uma pequena vila portuguesa no Douro, de onde a sua família é originária: Tormes.
  • Depois de ter preparado vários quilos de mercadoria para esta viagem, Jacinto perde a quase totalidade dos seus pertences na viagem e acaba por adotar um estilo de vida mais simples e abandonar algumas mordomias típicas da cidade.
  • É neste contexto que começa a sua descoberta na vida pacata do campo, num romance pontuado pelas descrições que fazem justiça às paisagens do Douro, o retrato dos contrastes entre a cidade e o campo, e a crítica social com várias pinceladas de humor e comédia.

Livros e cinema: inscreva-se aqui no encontro de abril

Em abril o É Desta Que Leio Isto vai misturar duas artes: a literatura e o cinema. Pedro Boucherie Mendes, escritor, cronista e Head of Digital Content e responsável pelos canais por cabo da SIC é o nosso convidado do encontro que se vai realizar no dia 22 de abril, pelas 21h. O livro em destaque será "O Talentoso Mr. Ripley", de Patricia Highsmith, que foi publicado em 1955 e adaptado para cinema em 1999, num filme que tinha Matt Damon no principal papel mas que contava ainda com nomes como Jude Law, Gwyneth Paltrow, Cate Blanchett ou Philip Seymour Hoffman.

As inscrições podem ser feitas através deste formulário. No dia do encontro receberá um e-mail com todas as indicações para se juntar à conversa.

"O livro serve pura e simplesmente para contar a moral da história"

  • Para Susana Romana, "o livro vale pela maneira que está escrito e não para história.
  • Segundo a guionista, as personagens também foram pensadas de modo mais complexo do que a trama episódica da narrativa".
  • Susana Romana afirma que "a história se resume em dois parágrafos, que são: a serra (Tormes, Douro) é infinitamente melhor do que a cidade (Paris, França)".

"Nós achamos que só neste país é que se diz 'neste país'"

  • A expressão é de Sérgio Godinho, e Susana Romana fez-nos viajar à boleia da mesma para explicar a relação "um bocadinho esquizofrénica" que acredita "todos os povos têm com o seu país".
  • "Quando viajamos achamos sempre que nos outros países é tudo um máximo", diz a guionista, que compara este sentimento atual com o sentimento passado neste livro de Eça que, pelo contrário, fala bem de Portugal e não de Paris (a cidade à qual se refere o título de A Cidade e As Serras).
  • "Este é um livro cáustico, mas que serve para enaltecer Portugal e não para criticar Portugal", refere a humorista que acredita Eça fez esta obra para "se reconciliar com o nosso país", escrevendo algo que enalteceu tanto Portugal, que chega a ser "condescendente".

"Ser pobre em Tormes é mesmo ser pobre"

  • À luz da leitura de Susana Romana, o "privilégio" foi apontado como outro dos pontos de destaque do livro
  • É neste quadro que a argumentista aponta a confrontação com a pobreza na pequena vila no Douro como um dos pontos-chave da obra.
  • Susana Romana frisa que, apesar de ser ter despojado de alguns bens matérias, a personagem principal continua a ser rica. Por isso, Jacinto tem alguma dificuldade em perceber que "ser pobre em Tormes, é mesmo ser pobre".

Sobre o autor, Eça de Queiroz:

  • Nascido na Póvoa do Varzim, em 1845, Eça de Queiroz é um dos mais aclamados escritores da língua portuguesa.
  • Estou Direito na Faculdade de Coimbra.
  • Para além de escritor, o autor foi ainda cônsul português em vários países.
  • Foi responsável por obras tão reconhecidas quanto A Cidade e as Serras (da qual falámos nesta sessão), O Primo Basílio, O Crime do Padre Amaro e Os Maias (considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX).
  • É conhecido pelo seu cariz cinematográfico, pelas suas descrições certeiras e pelo humor que usa como crítica social, características das quais falámos no É Desta Que Leio Isto.

"Se tivesse vivido noutra altura as obras dele eram filmes"

  • "Há algo em Eça que não repetiu", diz Susana Romana, que considera o escritor um dos melhores do nosso país. "Estamos sempre à procura do novo Saramago ou do novo Lobo Antunes. Mas eu acho que não há outro Eça", confessa.
  • A guionista considera que se o escritor tivesse vivido noutro país e noutra altura talvez fosse guionista e a maioria das suas obras seriam filmes.
  • Para Susana Romana, Eça é "extremamente visual e ritmado, muito bom a escrever diálogo", e "muito bom a colar palavras".
  • A atualidade da obra de Eça e a facilidade em traçar paralelismos temporais com as mesmas são também um ponto de relevo para a convidada do É Desta Que Leio Isto.

"O Eça pode ser descritivo, mas tem imensa noção de timing cómico"

  • Se o foco for apenas o romance, Susana Romana olha para Eça de Queiroz como um dos primeiros humoristas do nosso país, ou, pelos menos, "dos que o fez de modo mais consistente".
  • A guionista de comédia não acredita que o escritor escrevesse com traços de humor de forma intencional. "Era mais forte do que ele", acrescenta.
  • É neste contexto que Susana Romana fala dos "diálogos com graça", para contrariar a tendência que muitos leitores têm de considerar Eça de Queiroz muito "palavroso". Na ótica da radialista "Eça pode ser muito descritivo, mas tem imensa noção de timing cómico, e isso é muitas vezes fluidez, ritmo, rapidez. Ele tem cabeça de humorista".

"Ele é o ourives da língua portuguesa"

  • Esta é a frase dita por Susana Romana para descrever "a atenção ao detalhe" do autor. "Quando leio os livros do Eça nunca acho que aquela não é a palavra absolutamente ideal para aquilo que ele quer dizer", refere.
  • A guionista realça a "noção de plasticidade da língua portuguesa" característica do escritor e a sua mestria na manobra da palavra enquanto "cubo de várias faces que se pode girar".
  • Numa análise quase sinestésica do conteúdo utilizado para descrever a peripécia, Susana Romana afirma ainda "ele escolhe palavras que não são óbvias e tu percebes exatamente o que ele quer dizer".

Outros livros de que se falou nesta sessão:

  • As Ideias de Eça de Queiroz – António José Saraiva
  • À Mesa com Eça de Queiroz – Maria Antónia Goes
  • Se Deus Me Chamar Não Vou – Mariana Salomão Cararra
  • French Exit – Patrick deWitt
  • O Manual do Bom Fascista - Rui Zink
  • Dom Casmurro - Machado de Assis
  • O Retorno - Dulce Maria Cardoso
  • State of the Union – Nick Hornby
  • Era Bom se Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto - Mário de Carvalho
  • Quem disser o contrário é porque tem razão - Mário de Carvalho
  • Nu, de Botas – António Prata
  • Maria dos Canos Cerrados – Ricardo Adolfo
  • Fim - Fernanda Torres
  • Depois a Louca Sou Eu – Tati Bernardi
  • A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar – Ricardo Araújo Pereira
  • Escrever para Comédia – Susana Romana

Se quiser participar na próxima sessão do clube de leitura, onde se falará de literatura e cinema com o livro "O Talentoso Mr. Ripley" em destaque e Pedro Boucherie Mendes como convidado, basta preencher este formulário. Até lá, poderá participar nestas e noutras discussões sobre livros, no grupo de Facebook que conta já com mais de 1.300 membros.