Livro: A Cidade e as Serras
Autor: Eça de Queiroz
Convidada: Susana Romana, escritora, guionista, radialista e comediante
Moderadora: Elisa Baltazar, anfitriã do É Desta Que Leio Isto
Data: 25 de março de 2021
Ouça aqui a conversa sobre o livro A Cidade e as Serras:
Não conseguiu estar presente no último encontro do É Desta Que Leio Isto, clube de leitura da MadreMedia? Este artigo serve de resumo da sessão, que contou com a presença da guionista, escritora e humorista Susana Romana, que nos trouxe um clássico também ele cheio de humor: A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz. A conversa foi moderada pela anfitriã deste clube de leitura, Elisa Baltazar.
Sobre o livro A Cidade e As Serras:
- Conta a história de Jacinto, um descendente de uma família aristocrata portuguesa, extremamente rico, que vive num palacete em Paris e que acredita que a felicidade é sinónimo de civilização.
- Embora com um estilo de vida faustoso, a personagem sente a sua existência a cair na monotonia e decide viajar para uma pequena vila portuguesa no Douro, de onde a sua família é originária: Tormes.
- Depois de ter preparado vários quilos de mercadoria para esta viagem, Jacinto perde a quase totalidade dos seus pertences na viagem e acaba por adotar um estilo de vida mais simples e abandonar algumas mordomias típicas da cidade.
- É neste contexto que começa a sua descoberta na vida pacata do campo, num romance pontuado pelas descrições que fazem justiça às paisagens do Douro, o retrato dos contrastes entre a cidade e o campo, e a crítica social com várias pinceladas de humor e comédia.
"O livro serve pura e simplesmente para contar a moral da história"
- Para Susana Romana, "o livro vale pela maneira que está escrito e não para história.
- Segundo a guionista, as personagens também foram pensadas de modo mais complexo do que a trama episódica da narrativa".
- Susana Romana afirma que "a história se resume em dois parágrafos, que são: a serra (Tormes, Douro) é infinitamente melhor do que a cidade (Paris, França)".
"Nós achamos que só neste país é que se diz 'neste país'"
- A expressão é de Sérgio Godinho, e Susana Romana fez-nos viajar à boleia da mesma para explicar a relação "um bocadinho esquizofrénica" que acredita "todos os povos têm com o seu país".
- "Quando viajamos achamos sempre que nos outros países é tudo um máximo", diz a guionista, que compara este sentimento atual com o sentimento passado neste livro de Eça que, pelo contrário, fala bem de Portugal e não de Paris (a cidade à qual se refere o título de A Cidade e As Serras).
- "Este é um livro cáustico, mas que serve para enaltecer Portugal e não para criticar Portugal", refere a humorista que acredita Eça fez esta obra para "se reconciliar com o nosso país", escrevendo algo que enalteceu tanto Portugal, que chega a ser "condescendente".
"Ser pobre em Tormes é mesmo ser pobre"
- À luz da leitura de Susana Romana, o "privilégio" foi apontado como outro dos pontos de destaque do livro
- É neste quadro que a argumentista aponta a confrontação com a pobreza na pequena vila no Douro como um dos pontos-chave da obra.
- Susana Romana frisa que, apesar de ser ter despojado de alguns bens matérias, a personagem principal continua a ser rica. Por isso, Jacinto tem alguma dificuldade em perceber que "ser pobre em Tormes, é mesmo ser pobre".
Sobre o autor, Eça de Queiroz:
- Nascido na Póvoa do Varzim, em 1845, Eça de Queiroz é um dos mais aclamados escritores da língua portuguesa.
- Estou Direito na Faculdade de Coimbra.
- Para além de escritor, o autor foi ainda cônsul português em vários países.
- Foi responsável por obras tão reconhecidas quanto A Cidade e as Serras (da qual falámos nesta sessão), O Primo Basílio, O Crime do Padre Amaro e Os Maias (considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX).
- É conhecido pelo seu cariz cinematográfico, pelas suas descrições certeiras e pelo humor que usa como crítica social, características das quais falámos no É Desta Que Leio Isto.
"Se tivesse vivido noutra altura as obras dele eram filmes"
- "Há algo em Eça que não repetiu", diz Susana Romana, que considera o escritor um dos melhores do nosso país. "Estamos sempre à procura do novo Saramago ou do novo Lobo Antunes. Mas eu acho que não há outro Eça", confessa.
- A guionista considera que se o escritor tivesse vivido noutro país e noutra altura talvez fosse guionista e a maioria das suas obras seriam filmes.
- Para Susana Romana, Eça é "extremamente visual e ritmado, muito bom a escrever diálogo", e "muito bom a colar palavras".
- A atualidade da obra de Eça e a facilidade em traçar paralelismos temporais com as mesmas são também um ponto de relevo para a convidada do É Desta Que Leio Isto.
"O Eça pode ser descritivo, mas tem imensa noção de timing cómico"
- Se o foco for apenas o romance, Susana Romana olha para Eça de Queiroz como um dos primeiros humoristas do nosso país, ou, pelos menos, "dos que o fez de modo mais consistente".
- A guionista de comédia não acredita que o escritor escrevesse com traços de humor de forma intencional. "Era mais forte do que ele", acrescenta.
- É neste contexto que Susana Romana fala dos "diálogos com graça", para contrariar a tendência que muitos leitores têm de considerar Eça de Queiroz muito "palavroso". Na ótica da radialista "Eça pode ser muito descritivo, mas tem imensa noção de timing cómico, e isso é muitas vezes fluidez, ritmo, rapidez. Ele tem cabeça de humorista".
"Ele é o ourives da língua portuguesa"
- Esta é a frase dita por Susana Romana para descrever "a atenção ao detalhe" do autor. "Quando leio os livros do Eça nunca acho que aquela não é a palavra absolutamente ideal para aquilo que ele quer dizer", refere.
- A guionista realça a "noção de plasticidade da língua portuguesa" característica do escritor e a sua mestria na manobra da palavra enquanto "cubo de várias faces que se pode girar".
- Numa análise quase sinestésica do conteúdo utilizado para descrever a peripécia, Susana Romana afirma ainda "ele escolhe palavras que não são óbvias e tu percebes exatamente o que ele quer dizer".
Outros livros de que se falou nesta sessão:
- As Ideias de Eça de Queiroz – António José Saraiva
- À Mesa com Eça de Queiroz – Maria Antónia Goes
- Se Deus Me Chamar Não Vou – Mariana Salomão Cararra
- French Exit – Patrick deWitt
- O Manual do Bom Fascista - Rui Zink
- Dom Casmurro - Machado de Assis
- O Retorno - Dulce Maria Cardoso
- State of the Union – Nick Hornby
- Era Bom se Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto - Mário de Carvalho
- Quem disser o contrário é porque tem razão - Mário de Carvalho
- Nu, de Botas – António Prata
- Maria dos Canos Cerrados – Ricardo Adolfo
- Fim - Fernanda Torres
- Depois a Louca Sou Eu – Tati Bernardi
- A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar – Ricardo Araújo Pereira
- Escrever para Comédia – Susana Romana
Se quiser participar na próxima sessão do clube de leitura, onde se falará de literatura e cinema com o livro "O Talentoso Mr. Ripley" em destaque e Pedro Boucherie Mendes como convidado, basta preencher este formulário. Até lá, poderá participar nestas e noutras discussões sobre livros, no grupo de Facebook que conta já com mais de 1.300 membros.
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