No verão de 2018, o famoso busto de Cristiano Ronaldo, à saída da zona de chegadas do aeroporto da Madeira, no Funchal, foi substituído. Um novo, da autoria de um escultor espanhol, passou a causar estranheza e surpresa entre os turistas que ali passavam e não encontravam a escultura com a qual uma fotografia era quase praxe obrigatória na chegada à ilha.

A mudança aconteceu a pedido da família Aveiro que dizia não considerar o primeiro trabalho realístico o suficiente. “Segundo o que eu tenho falado com algumas pessoas, próximas do Ronaldo, não acredito que ele tenha tido mão nesta substituição. Gostava de saber, não sei se é pertinente da minha parte fazer uma sugestão desta natureza a uma figura tão mediática... No mundo deles, sou uma formiguinha. Eles nem vão perder tempo a pensar: mas quem é Emanuel Santos?”.

E quem é hoje Emanuel Santos?

“É um presidente de junta de freguesia que tem um compromisso com uma população à qual se dispôs a dar o seu melhor no dia-a-dia para servir bem a comunidade, ajudar naquilo que for possível e tentar deixar um marco positivo neste mandato de quatro anos”.

Como assim? Então, este não era um artigo sobre Emanuel Santos, o escultor madeirense que ficou mundialmente conhecido pelo busto que fez de Cristiano Ronaldo?

Sim, era e é.

A vida de Emanuel mudou radicalmente nos últimos dois anos. Tudo começou num momento que todos nos lembramos, no dia 29 de março de 2017, data que confessa que jamais esquecerá, quando o aeroporto internacional da Madeira foi batizado com o nome de Cristiano Ronaldo.

Lembra-se, certo? Primeiro um grande aparato mediático nos dias antes sobre se fazia ou não sentido dar o nome do capitão da seleção portuguesa ao aeroporto e depois, no dia da cerimónia, uma derrocada na internet com memes e notícias sobre o busto que Emanuel decidiu, por iniciativa própria, fazer para ser ali exposto.

Caso não se lembre, é deste busto que estamos a falar:

créditos: AFP PHOTO / FRANCISCO LEONG

E é deste chorrilho da internet que também estamos a falar:

Este era o prefácio necessário. A nossa história vai começar um pouco depois disto tudo, ainda em 2017, perto do final do ano na altura das eleições autárquicas.

“O PSD esteve nesta junta durante 24 anos seguidos, já houve alguns concorrentes pelo PS para tentar derrubar o PSD aqui no Caniçal e ninguém tinha conseguido. O executivo da Câmara Municipal de Machico, liderado pelo Ricardo Franco, fez-me o convite e assim foi. Aceitei, fui candidato e consegui. Gosto de desafios. Nunca tinha feito política - e ainda estou a aprender muita coisa -, mas a vida é uma aprendizagem e temos de olhar para a frente. O caminho faz-se caminhando”, diz o agora presidente de Junta de Freguesia do Caniçal, a sua terra natal.

Emanuel sabe porque foi convidado. Primeiro por ser natural da terra, claro, pertencer a uma família grande, ter crescido ali e contar com um grande grupo de amigos. Estar enraizado na comunidade. Em segundo lugar, claro, pela história do busto que o projetou.

Não deixa de ser curioso que uma coisa e outra não estejam completamente desassociadas. Ou seja, se calhar uma não existia sem a outra.

“Já em miúdo tinha este bichinho da escultura. Fiz muitos brinquedos em barro para brincar em criança. Eu venho de famílias pobres, o meu pai era pescador e a minha mãe doméstica e na altura a atividade piscatória não tinha as condições que tem hoje. Era uma família numerosa de sete filhos, foi difícil... não havia dinheiro para comprar brinquedos para todos, ia a algumas zonas do Caniçal onde se conseguia extrair algum barro. Fazia as imagens para andarmos a brincar nas redondezas”.

É precisamente nesta freguesia que está exibida a sua primeira escultura na praça pública. “Foi feita em 2016, um ano antes do busto. Foi uma homenagem aos pescadores de ontem e de hoje desta freguesia, uma vez que isto é uma comunidade piscatória”, explica.

"Já viste as redes sociais?"

Hoje são duas memórias presentes: aquela primeira obra, ali no centro do Caniçal, uma homenagem à terra, a outra, um gesto com repercussões inesperadas. O dia 29 de março de 2017 nunca lhe vai sair da memória: “um dia feliz, uma manhã esplêndida, os meus amigos e familiares lá... Estava a trabalhar numa empresa de limpezas no aeroporto, para mim, ter a possibilidade de mostrar um trabalho destes, numa estrutura destas, a figura que era... epá, andava, mas não tocava com os pés no chão. Tudo lindo, siga para casa, dever cumprido. E de repente, o telefone: "já viste as redes sociais?".

Diz que na altura ficou sem chão. “Foi difícil de gerir, havia momentos em que nem sequer queria sair de casa. Foi complicado. Continuei a ir trabalhar na mesma, guardava a tristeza dentro de mim. Eu tenho uma maneira de ser em que gosto de andar na rua e ir ao café falar com as pessoas e nesse período retraí-me, era trabalho-casa, casa-trabalho e perguntava-me como é que aconteceu isto. Será que mereço ser alvo de tanta crítica? Um pequeno gesto de reconhecimento a uma pessoa da terra?”.

Hoje, mais de dois anos depois daquele dia, diz que “não alterava nada daquilo que fez”. “Dei o meu melhor. Tem os traços do Ronaldo. No geral, quando se olha para uma escultura ou para uma obra de arte, as pessoas gostam de ver tudo simetricamente bem feito, tudo direitinho, boca fechadinha. Se repararem, na maioria dos bustos e esculturas é muito raro ver um busto com expressão e um busto expressivo é difícil de fazer. Isto é uma obra, não é um desenho, não é uma fotografia. E o que se pretende é ter os traços da pessoa em causa e retratar um pouco como é que aquela pessoa é. O objetivo foi esse, retratar a maneira de estar do Ronaldo, o sorriso expressivo que costuma ter. Nas fotografias que usei para fazer o trabalho ele descontrai-se na sua maneira de estar e faz aquele sorriso. E o que quis foi retratar esse pormenor natural do sorriso dele, ele é um brincalhão, pelo que se vê”, explica.

Gozado na internet, respondeu à sua maneira: primeiro com um busto de Gareth Bale para o estádio de Cardiff onde em 2017 aconteceu a final da Liga dos Campeões que o Real Madrid venceu, com uma goleada de 4-1 sobre a Juventus, depois com um desafio do site de futebol internacional Bleacher Report e no qual, um ano depois, refez o busto de Ronaldo num resultado absolutamente surpreendente.

Muita coisa aconteceu nestes dois anos. De gozado a elogiado na caixa de comentários do mini documentário da Bleacher, de funcionário do aeroporto do Funchal a presidente da Junta de Freguesia, só há um baixo que dói todos os dias a Emanuel: a substituição do seu primeiro busto de Ronaldo na zona de chegadas por um novo.

"São estas coisas que acontecem na nossa vida em que parece que o mundo desaparece todo e a gente fica ali sozinho, sem nada à volta”

“Soube por um jornalista de um jornal aqui da Madeira que me ligou a perguntar o que é que eu achava da substituição do busto. Estava a fazer compras no supermercado. Parei um segundo e disse "Desculpe, não estou a perceber. Qual substituição?". Acabei a conversa com o jornalista e fui lá ver… Não me tinham dito nada. São estas coisas que acontecem na nossa vida em que parece que o mundo desaparece todo e a gente fica ali sozinho, sem nada à volta”, desabafa.

“Foi preciso um ano e tal depois chegar à conclusão que afinal... Fiquei triste por tudo aquilo que passei, que eu e a minha família passámos, foi um mau bocado com aquela onda de chacota… Agora, tudo isso já tinha passado, as pessoas aceitavam bem o busto, era mais um ponto de atração da ilha da Madeira, levou a ilha aos quatro cantos do mundo. Por vários motivos e mais alguns, fiquei triste. Foi uma obra que fiz com tanto carinho, dei tanto de mim para fazer aquele meu primeiro busto… E no primeiro trabalho damos tudo aquilo que temos e não temos para que fique bem. Achei aquilo uma falta de consideração”, remata.

Sobre a nova escultura recusa comentários. “Dizem que é de um escultor espanhol chamado Carlos Garcia, mas não sei quem é. Não vou criticar, é uma obra de arte, mas não está em causa se está melhor ou pior, é o gesto e é a forma como foi feito esta substituição. Segundo a informação que tenho, o busto que fiz continua no aeroporto. A minha tristeza fica porque o propósito inicial deste trabalho era que ficasse na via pública não era para ficar guardado num quarto onde ninguém vê”, lamenta.

Confessa que depois da substituição já foi duas vezes falar com o responsável do aeroporto, mas que lhe recusaram devolver o busto, afirmando que é património da ANA Aeroportos desde o momento em que foi oferecida e que a fundição da mesma foi paga. Mas Emanuel Santos insiste que uma vez que não cumpre o propósito para que foi criada, que gostava de ter em casa uma obra que lhe diz muito.

Ao SAPO24 a ANA não respondeu a sucessivas tentativas de contacto. A única resposta veio mesmo da direção do Museu CR7 que, questionada sobre a localização do busto e da substituição do mesmo, disse apenas: “A administração do MuseuCr7 informa que foi uma decisão da parte da família trocar o primeiro busto do Cr7 e substitui-lo pelo atual busto. Em relação às outras questões não temos nenhum comentário a fazer”.

A última informação recebida pelo SAPO24 indicava que o busto estava num canto, no chão, da sala VIP das chegadas do Aeroporto do Funchal no início deste verão. E isso dói a Emanuel: depois de tudo o que passou, tudo o que superou, tudo o que alcançou, a memória viva desta viagem está “enfiada numa sala”, longe do autor e das pessoas.

“É um João Félix, agora?”

Toda esta história pode parecer uma grande derrota, mas se há coisa que não se vê em Emanuel é o semblante de derrotado. Basta dizer que ainda este ano fez, para uma rua do Funchal, um busto de Fernão Ornellas, antigo presidente da Câmara Municipal do Funchal. Fez e faz tudo isto sem atelier, num armazém debaixo da rampa de aterragem e descolagem do aeroporto, curiosamente.

A última vez que lá foi perguntaram-lhe o que ia fazer: “é um João Félix, agora?”. Emanuel ri-se, diz que nunca se sabe. Seja Félix ou Messi, Emanuel só quer ver se aparece mais “um trabalho artístico para voltar a dar um ar da sua graça”.