Estamos a poucos dias da celebração do nascimento de Jesus Cristo. Poderá ele vir salvar-nos depois de o mundo nos ter deixado sozinhas com este medo e terror em que vivemos, sob os sons dos bombardeamentos e das cenas de mortes gratuitas e de um estado de destruição que as palavras não conseguem explicar nem a caneta escrever?

Sim, ainda estamos vivos, mas não sabíamos que uma pessoa pode morrer mais do que uma vez, permanecendo viva.

Quem teria acreditado que uma gota de água potável vale a vida de uma criança e que para obter um pedaço de pão é uma rara oportunidade de adiar a morte por inanição?

A morte em Gaza assumiu muitas formas e tipos diferentes, sem precedentes na história contemporânea.

Não há palavras ou frases que possam descrever esta guerra suja dedicada à morte de crianças inocentes. Não há palavras para descrever a caça a famílias inteiras através da destruição das suas casas enquanto dormem ou tentam proteger-se, amenizando o medo dos seus filhos.

O medo e o terror vivem nos seus corações, pois não sabem quando ou como a morte os espera. Nas suas mentes está a questão angustiante de saber se os seus corpos serão encontrados completos ou enterrados em pedaços sob os escombros, tornando impossível que alguém os reconheça.

Não há lugar seguro em Gaza, pois a morte acompanha as pessoas onde quer que vão, e mudar de um lugar para outro é apenas uma forma de adiar esta morte, perpetuando um legado de deslocamento. Ninguém jamais poderia imaginar que os filhos e netos reviveriam a experiência dos avós no século XXI.

Não é apenas um conflito; em vez disso, é uma guerra em que as crianças são intencional e deliberadamente visadas desde o início, lembrando-nos da perseguição da criança recém-nascida, Jesus Cristo.

O nascimento de Jesus é o nascimento da paz e do amor, pois o amor é a fonte de força e de uma vida vibrante cheia de bondade, bênçãos e paz. Contudo, o que dizemos no meio desta guerra, onde nos tornamos presas fáceis, alvos permissíveis daqueles que perderam o amor e odeiam a paz na terra de Jesus, o mensageiro do amor e da paz? Hoje, as pessoas que vivem na terra dos profetas apenas parecem conhecer e compreender a linguagem da morte e a linguagem do sangue.

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Maysoon Kuheil tem 47 anos, é jornalista em Gaza e cofundadora do meio de comunicação "Bawaba 24".

Esta carta foi remetida para Sérgio Costa Araújo no âmbito do especial de Natal 2023 por si produzido e emitido pela Rádio Antena 2 e que gentilmente partilhou com a redacção da SAPO24.