Nestas eleições legislativas, o número total de votantes no círculo da Europa equivale a 20,67% do número de inscritos, o que representa um forte aumento da participação relativamente às legislativas de 2019, quando apenas 12,05% dos eleitores inscritos votaram.

No círculo eleitoral Fora da Europa, a participação foi de 10,86%, também maior do que a participação de 2019, quando apenas 8,81% dos eleitores registados votaram.

Até aqui, tudo bem — tudo conta para reduzir os valores da abstenção. Mas o retrato das eleições de 30 de janeiro não fica por aqui.

A polémica começou quando se soube que mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa foram considerados nulos, após protestos do PSD. Mesmo assim, foram conhecidos os resultados: o PS e o PSD conquistaram dois deputados cada nos círculos da emigração.

Feitas as contas, atribuídos os mandatos da emigração, o PS conseguiu 119 dos 230 lugares na Assembleia da República, enquanto o PSD elegeu 73 deputados sozinho, subindo para 78 com os eleitos em coligação na Madeira e nos Açores.

Mas o assunto não ficou arrumado e vários partidos — Livre, Volt Portugal, PAN, Chega e Movimento Alternativa Socialista (MAS) — recorreram, na semana passada, junto do Tribunal Constitucional (TC) da decisão de se invalidar mais de 157 mil votos de emigrantes.

O resultado veio hoje à tona: foi declarada a nulidade das eleições legislativas no círculo da Europa, que terão de ser repetidas.

Vejamos então tudo o que aconteceu até se chegar à necessidade de repetição deste "bocadinho" das eleições.

Quatro deputados para 1,5 milhões de eleitores

Para as eleições legislativas de 2022 estavam inscritos 1.521.947 eleitores no estrangeiro, que escolheram quatro deputados: dois para o círculo da Europa e dois para o círculo Fora da Europa.

O aumento do número de deputados eleitos por estes círculos da emigração é uma reclamação antiga das comunidades portuguesas — mas não foi o que originou o problema atual.

Considerados nulos 80,32% dos votos do círculo da Europa 

Mais de 80% dos votos dos emigrantes no círculo da Europa foram considerados nulos, após protestos do PSD contra a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia da identificação do eleitor, como exige a lei.

Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.

De um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%.

No círculo eleitoral Fora da Europa, o número de votos nulos foi de 1.907, ou seja 2,95% dos 64.534 votos registados.

PS fala em situação inaceitável e evitável, PSD alega cumprimento da lei

O PS considerou esta situação “totalmente inaceitável” e “absolutamente evitável”, mas decidiu não recorrer da anulação de mais de 157 mil votos de emigrantes para evitar “mais perturbação”, segundo o deputado socialista Paulo Pisco.

Em comunicado, o Partido Socialista afirmou que “não contribuirá mais para o prolongamento deste grave e inútil incidente provocado pelo PSD", desejando "que todo o processo eleitoral fique encerrado o mais rapidamente possível, para dar lugar à nova legislatura”.

Por sua vez, o presidente do PSD rejeitou que a responsabilidade da anulação dos votos da emigração seja “de quem reclamou” o cumprimento da lei, admitindo a necessidade de “revisitar” a lei eleitoral.

“Se os votos que estavam sob protesto, que não trouxeram fotocópia do cartão de cidadão, não tivessem entrado na urna e tivessem ficado à espera da decisão, isto não aconteceria. A responsabilidade não é de quem reclamou, é de quem pegou neles e os misturou com os outros”, acusou Rui Rio, questionado pelos jornalistas, à margem de uma declaração no parlamento sobre outra matéria.

O presidente do PSD frisou ainda que a lei diz que os votos têm de ser acompanhados da identificação, para garantir que foi aquela pessoa que votou.

MAI diz que anulação é deplorável 

O Ministério da Administração Interna (MAI) classificou de “deplorável” a anulação de mais de 80% dos votos no círculo da Europa e salientou que não participou na reunião de delegados de candidatura que originou este caso.

Estas posições constam de um comunicado do MAI sobre as circunstâncias em que os cidadãos emigrantes exerceram o seu direito de votos nos círculos da Europa e Fora da Europa nas recentes eleições legislativas.

O próximo passo

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou na passada sexta-feira que o recurso apresentado ao TC não iria atrasar a posse do novo Governo, prevista para 23 deste mês.

"Não, não, não. Está definido, e neste momento já está publicado o que deve ser publicado, ou em vias de ser publicado. Portanto, significa que os prazos de que se falou são os prazos que vão ser cumpridos, e eu tenciono manter a posse no dia 23, portanto, daqui por uma dezena de dias", declarou.

Mas talvez não seja bem assim. A decisão do TC, ao dia de hoje, já foi comunicada ao presidente da República, ao presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro. E, assim, a previsão é que a tomada de posse seja atirada para março.

* Com Lusa