Nos últimos três anos, o alojamento local em Portugal mais do que quadruplicou: em 2014 existiam 13 mil estabelecimentos registados, em 2017 o número subiu para 55 mil. Até 15 de dezembro deste ano, os 55.345 alojamentos locais estavam distribuídos maioritariamente nos concelhos de Lisboa (10.611), Porto (4.881) e Albufeira (4.815), segundo o Registo Nacional de Estabelecimentos de Alojamento Local (RNAL), disponibilizado pelo Turismo de Portugal. Dos mais de 55 mil estabelecimentos registados, 36.289 operam na modalidade de apartamento, 15.228 em moradias e 3.828 em estabelecimentos de hospedagem, dos quais 506 são “hostels”.

Ao longo do ‘boom’ do alojamento local, o maior crescimento foi registado este ano, com 19.493 estabelecimentos licenciados. Em 2016 foram abertos 11.733, em 2015 foram 10.535 e em 2014 foram 4.041 espaços. Contudo, em 2017, uma parte dos alojamentos locais registados não refletem o aparecimento de um novo espaço mas sim a sua legalização: cerca de 6.500 alojamentos locais foram registados este ano, devido à obrigação de as plataformas eletrónicas exigirem o número de legalização, o número de registo.

Ser ou não ser? Eis o alojamento local 

Segundo o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto - sofrendo alterações com a atualização do Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de abril - os alojamentos locais (moradia, apartamento o estabelecimento de hospedagem) “continuam a ser caracterizados como aqueles que prestam serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, e que reúnam os requisitos nele previstos, proibindo-se, expressamente, a exploração de estabelecimentos de alojamento local que reúnam os requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos”.

Contra o alojamento local, posicionam-se os tradicionais empreendimentos turísticos - hotéis, pousadas, pensões, aldeamentos e apartamentos turísticos, resorts, parques de campismo e caravanismo etc. Tanto os espaços de alojamento local como os empreendimentos turísticos são fiscalizados pela ASAE e estão sujeitos à taxa turística de Lisboa (1 euro por noite). Contudo, há algumas diferenças que os separam.

Para se registar o espaço de alojamento local, o processo passa por uma simples comunicação prévia junto da Câmara Municipal acerca da abertura de negócio, que é gratuita, sem necessidade de pagamento de taxas para iniciar a atividade. No caso dos empreendimentos turísticos, o processo é mais complexo - é preciso um pedido de concessão de autorização de utilização para fins turísticos feito à Câmara Municipal e partilhado com o Turismo de Portugal. Caso seja autorizado, é emitido um alvará de autorização de utilização do edifício para o fim desejado. Para além de mais complexo, o processo é muito mais caro - este alvará tem um custo que pode chegar aos milhares de euros - valor que varia dependendo da procura turística do local.

Também existem diferenças em matéria fiscal, uma vez que os proprietários de alojamento local estão sujeitos a um regime particular - categoria B do IRS (rendimentos de atividade empresarial). Por outro lado, os senhorios tradicionais pertencem à categoria F (rendimentos prediais, como rendas). Os empreendimentos turísticos têm também requisitos específicos, determinados por entidades diferentes, nomeadamente pelos membros do Governo responsáveis pelo turismo, ordenamento do território, administração local, agricultura e desenvolvimento rural.

Uma faca de dois gumes

Se uns consideram que o alojamento local contribuiu para estimular a economia, outros acham que está a expulsar os moradores das suas próprias cidades: os prós e contras estão bem desenhados, o que fica em falta é o consenso.

Em declaração à agência Lusa, o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, destacou o papel do setor na dinamização do turismo, advogando que o alojamento local permitiu “maior capacidade” de acomodação em Portugal, “que foi necessária e fundamental neste crescimento do turismo”, e trouxe também diversidade, melhorando a competitividade do turismo em termos internacionais.

“Sem o alojamento local era absolutamente impossível pensar nos crescimentos que tem hoje o turismo”, declarou Eduardo Miranda, indicando que este tipo de acomodação turística já representa “um terço das dormidas e perto disso em termos de hóspedes”.

Relativamente aos investidores no setor, o responsável da ALEP disse que 94% dos titulares de alojamento local são pequenos proprietários com uma a três unidades, em que “72% tem uma única unidade”.

Por outro lado, o presidente da Associação de Inquilinos de Lisboa (AIL), Romão Lavadinho, diz que “a desregulação e o facilitismo apressadamente concedidos na legislação sobre o alojamento local permitiram que qualquer apartamento possa ser afeto a uma indústria sem uma prévia alteração, quer do título, quer do projeto aprovado, quer do respetivo licenciamento de uso”. “O desvio de habitações para o alojamento local resulta em cada vez menos habitantes e atividades económicas tradicionais nas zonas centrais e históricas”, frisou Romão Lavadinho.

A Associação de Inquilinos de Lisboa quer, então, limitar, no máximo a 50%, os apartamentos para utilização afeta ao alojamento local quando em prédios com locados arrendados e licenciados para habitação. Pretende também proibir a utilização turística relativa ao alojamento local quando não existir concordância por parte dos condóminos.

Um tema carregado de projetos de lei mas parco em consensos 

Adolfo Mesquita Nunes, secretário de estado do Turismo em 2014, veio aquecer os ânimos ao levar a questão: que limites se devem impor para o alojamento local? Em 2017, todos os partidos se apressaram em apresentar soluções para esta questão.

Partido Socialista (PS)- No dia 24 de Maio de 2017, no projeto de Lei nº 524/XIII, o partido socialista propõe que os condóminos deverão decidir em assembleia se autorizam o arrendamento local no edifício. Assim, nos documentos do registo do Alojamento local, deve existir um registo de aprovação dos restantes condóminos.

A proposta do Partido Socialista é sustentada, no projeto de lei, pela preocupação do equilíbrio entre a atividade turística e dos moradores: “é certo que o alojamento local trouxe diversos benefícios ao nível do crescimento do turismo (e, consequentemente da nossa economia) da reabilitação dos edifícios, do emprego, entre outros. Porém, não nos podemos esquecer que essa atividade é também potencialmente causadora de conflitos e transtornos diversos aos condóminos que residem em prédio urbano onde aquela se desenvolva”.

Partido Comunista Português (PCP): No projeto de Lei nº574/XIII-2.ª o partido propõe quatro grandes alterações: subscreve o partido socialista no que diz respeito à autorização prévia dos condóminos à abertura do negócio de alojamento local. Os comunistas querem também que os proprietários de alojamento local paguem uma taxa ao condomínio e que quaisquer obras necessárias nas partes comuns para adaptar esse espaço ao alojamento local fiquem a cargo do proprietário do alojamento. É exigido um seguro multirrisco de responsabilidade civil aos espaços destinados ao alojamento local e um modelo de quotas máximas de alojamento local. Por fim, o PCP quer que as câmaras possam limitar até 30% a ocupação deste tipo de atividade.

Bloco de Esquerda (BE): De acordo com o projeto do BE, que propõe alterar o decreto lei nº128/2014, o alojamento local passa a ser só as casas que recebam exclusivamente turistas durante, no máximo, 90 dias por ano - caso contrário passa a ser tratado como uma caso de exploração turística intensiva, ficando, assim, abrangida pelas respetivas regras dos empreendimentos turísticos. De acordo com o projecto do bloco, o prazo dos 90 dias deve integrar na modalidade de moradia ou apartamento, ficando os quartos sem limite de duração.

Ao contrário do PS e PCP, o Bloco de Esquerda não mete o poder na mão dos condomínios: “Não faz qualquer sentido que a limitação do AL seja feita casuisticamente, condomínio a condomínio, sem qualquer estratégia territorial e social ou sem qualquer instrumento de regulação eficaz e transparente”, como refere o projeto de lei. Assim, cabe sim aos municípios aprovar regulamentos municipais relativos à instalação de estabelecimentos de alojamento local, fixando nomeadamente quotas por freguesia, por zona de intervenção e por coroa urbana.

Também se pode ler no decreto que “os órgãos autárquicos competentes devem ter o poder de suspender as autorizações de abertura de estabelecimentos de alojamento local sempre que a densidade de AL esteja a atingir limites considerados desadequados, como já está a acontecer nalgumas freguesias de Lisboa e do Porto”.

Assim, a prestação de serviços de alojamento implica uma autorização prévia da autarquia, acompanhada de vários requisitos, como o termo de responsabilidade, passado por técnico habilitado, em como as instalações eléctricas, de gás e termo acumuladores cumprem as normas legais em vigor, e que incluirá uma vistoria obrigatória às instalações.

Partido Popular (CDS-PP): o partido defende uma distinção entre o alojamento ocasional e o profissional. “Essa distinção deve reservar a noção de prestação ocasional de serviços de alojamento local para os estabelecimentos de alojamento local em residência própria e/ou em residência secundária, não podendo o número total de estabelecimentos ser superior a dois", podemos ler no projeto de lei do CDS-PP ao decreto-lei de 2014.

O CDS quer que nos documentos necessários ao registo de alojamento local conste uma declaração de que tal não se encontra expressamente proibido “no título constitutivo da propriedade horizontal, no regulamento de condomínio ou em deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição”. Isto é, o partido propõe ainda que o alojamento local só seja proibido se isso vier expresso no título constitutivo da propriedade e se essa for a decisão do condomínio.

Partido Social Democrata (PSD): Ainda sem uma proposta de lei concreta, Emília Santos, em maio, disse à Lusa que a proposta do PS é uma solução “meramente parcial” para o problema e que por isso vão apresentar uma solução “que vá mais longe”.

Como PCP, o PSD pretende “uma lógica de equilíbrio” entre a promoção da atividade económica do alojamento local, a defesa do superior interesse dos moradores de condomínios e a dimensão do arrendamento urbano. A revisão das questões de âmbito fiscal é uma das propostas dos sociais-democratas, revelou Emília Santos.

O ano de 2017 acaba sem consensos nem decisões relativamente ao alojamento local, ficando os olhos postos em 2018, onde se esperam soluções para, finalmente, dar uma arrumação a esta 'casa'. 

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