Plenário é uma iniciativa pensada para alargar o debate nas legislativas de 6 de outubro a quem tenha ideias para apresentar para uma melhor governação do país. Há muito para discutir antes da ida as urnas e é por isso que queremos começar já a pensar o país que vamos ter (e ser) nos próximos quatro anos — e contamos com o seu contributo. Assim, lançámos o desafio, em forma de pergunta: Se fosse primeiro-ministro ou primeira-ministra nos próximos quatro anos, qual era o problema que resolvia primeiro? Ou, perguntando de outra forma: qual seria a sua prioridade para o país?

António Rosa, de Almada, juntou-se ao Plenário. Leia aqui o seu contributo na íntegra:

O anúncio do Plenário SAPO24 termina com uma frase que, de certo modo, resume o maior problema que os portugueses enfrentam nos tempos que correm: “porque se há um momento para levantar a voz, é agora.” O problema está em quem é que vai ouvir a nossa voz. Por muito que se proteste e se apresentem alternativas para solucionar os inúmeros problemas da sociedade portuguesa, não existem ouvidos disponíveis por parte dos atuais ou futuros responsáveis pela governação.

No próximo dia 6 de outubro os portugueses vão mais uma vez ser chamados a eleger os deputados para uma nova Assembleia da República que, como sabemos, é o órgão legislativo por excelência do nosso sistema democrático. Mas é também a instituição que vai dar suporte a um outro importante pilar do sistema: o Governo. E este é o organismo que durante 4 anos vai gerir o património social, político e económico de Portugal. Em suma, vai influenciar a vida dos portugueses condicionando de forma decisiva as suas escolhas e decisões.

É todo este processo de escolha a que somos chamados nos atos eleitorais. Primeiro apelando ao nosso voto e depois sujeitando-nos a um imenso rol de promessas e estratégias a que os partidos chamam “programa eleitoral”.

O apelo ao voto é fundamental para garantir a sobrevivência económica dos partidos, pois sem votos não há subvenção pública para o respetivo financiamento e sem eles também a notoriedade de cada um não é possível de ser medida.

Daqui resulta talvez a sempre mais delicada pergunta: votar em quem? Em quem, nós não sabemos. Vamos a uma assembleia de voto colocar uma cruz num símbolo de um partido, e de uma maneira geral ignoramos em quem estamos a votar. De facto o meu voto não contribui para eleger o candidato que eu acho que melhor me pode representar enquanto cidadão, mas para legitimar um qualquer deputado que a elite partidária colocou numa lista.

O maior e mais urgente desafio que se coloca à sociedade portuguesa é a reforma do sistema político, sob pena de continuarmos a ser um pobre país, endividado, sem ânimo e a ver engrossar todos os anos o número de jovens emigrantes.

Uma reforma do sistema eleitoral levaria com o tempo a uma reforma do sistema político no sentido de uma maior interação dos cidadãos com a coisa pública e da abertura das instituições à sua participação.

A nossa democracia institucionalizou-se em 1976 no seguimento da aprovação da Constituição resultante de uma Assembleia Constituinte eleita pelo chamado “método de Hondt”. Este sistema teve a virtude de eleger uma Assembleia onde as diversas tendências político-ideológicas se fizeram representar proporcionalmente à sua identificação com as aspirações populares. Daí resultou uma constituição de cariz socialista, resultado de uma esperança numa sociedade mais equitativa e que havia sido reprimida pelo regime ditatorial de Salazar e Marcello Caetano. Esta grande revolução no sistema político português só foi possível graças à rápida organização de partidos políticos após o 25 de Abril de 1974, com a exceção da existência do Partido Comunista desde 1922 e do PS desde 1973.

Com o tempo, os partidos políticos e particularmente os seus estados-maiores vieram a apropriar-se do sistema democrático em seu próprio benefício e dos seus seguidores. Lentamente, a sociedade civil começou a ser dominada e manipulada por um grupo de oligarcas, quer políticos quer financeiros, criando um sistema fechado, apenas acessível aos seus seguidores e sequazes. Hoje para se entrar na política só através das juventudes partidárias, obedecendo cegamente aos ditames do partido, ou através do poder económico.

Ao cidadão eleitor apenas está reservado o papel de legitimador do sistema político através do seu voto. Passado o período eleitoral e legitimado o poder pelo voto, a classe política dirigente não mais quer saber do cidadão eleitor. Este não conta para mais nada.

Mas também no ato eleitoral, ao cidadão eleitor não fica grande margem para escolha, pois à sua frente nos boletins de voto apenas aparecem os símbolos dos partidos. O deputado ou lista de deputados que o partido indicou para o representar é de uma maneira geral um desconhecido ou conjunto de desconhecidos enquanto concidadãos do eleitor.

Este normalmente é conhecido através da comunicação social ou apresenta-se durante a campanha eleitoral. Para a escolha do seu representante, o cidadão eleitor não foi visto nem achado. Daí ser normal que os cabeças de lista dos círculos eleitorais sejam os principais dirigentes partidários, independentemente da sua origem geográfica, e que são conhecidos como dirigentes partidários e não como participantes na vida social da comunidade que os elege. Daí ser cada vez mais longa a distância entre eleitor e eleito.

Mas também aos deputados não é reservado grande papel. Se não segue à risca as indicações dos altos dirigentes do seu partido, o mais certo é já não ser candidato nas eleições seguintes.

Curiosamente, muitos dos intervenientes têm consciência que é preciso mudar o sistema. É normal durante as campanhas eleitorais ouvir os dirigentes dos grandes partidos, PS e PSD, dizer que após as eleições se irá proceder à reforma do sistema eleitoral. Promessa cuja concretização até hoje nem sequer foi esboçada. Aos pequenos partidos, BE, PCP e CDS é assunto de que não se fala, já que receiam ser os principais prejudicados numa eventual alteração do sistema eleitoral. Aos grandes não interessa perder o controlo da máquina partidária, mantendo os seus altos dirigentes o monopólio da distribuição de benesses pelos seus seguidores. Aos pequenos não interessa criar um sistema que vá provocar uma dispersão de votos por múltiplos círculos eleitorais, inviabilizando a eleição dos seus deputados.

Manter o sistema eleitoral na base da divisão administrativa distrital atual aplicando o método de Hondt na distribuição de mandatos é sem dúvida o sistema que melhor defende a oligarquia partidária. Em suma, os atores do processo político não têm qualquer interesse em mudar as regras que os perpetuam como grandes beneficiários na partilha do poder político.

Chegado o período eleitoral o apelo ao voto é tarefa indispensável para os partidos. Eles sabem quo seu comportamento enquanto governantes e legisladores não é de modo algum passível de motivar os eleitores. Não que seja importante o voto em massa, pois para legitimar o poder bastam alguns votos. Mas interessa para efeitos do financiamento público aos partidos, da constituição de grupos parlamentares e consequente suporte dos governos. Recentemente o apelo ao voto passa por instigar o medo do populismo e da extrema-direita fascista nos eleitores. Mas se não votamos no populismo resta-nos votar nas forças cuja ação deram origem ao aparecimento dos populismos. Daí o cidadão eleitor optar pela abstenção e pelo seu total desinteresse pelas questões políticas.

Mudar este estado de coisas não é fácil, pois quem poderia alterar este quadro negro não tem qualquer interesse em fazê-lo.

Em 1974, as forças armadas pressionadas por uma guerra colonial que parecia não ter solução tomaram uma posição política que deu origem ao fim da ditadura e da guerra colonial e permitiram a institucionalização de um sistema democrático. Hoje a intervenção das Forças Armadas no sentido de provocar a reforma do sistema político é impensável. Elas estão integralmente profissionalizadas e fazem parte do sistema. O “povo em armas” já não existe.

Uma revolução levada a cabo pela classe operária numa perspetiva marxista-leninista está fora de qualquer equação. Já não existem as grandes concentrações operárias de outros tempos que alimentaram o Partido Comunista e a luta contra a ditadura. O grande complexo industrial do Barreiro será no futuro um depósito de contentores; a construção e reparação naval estão praticamente reduzidos a Viana do Castelo e Setúbal, sendo uma sombra do que o setor fora outrora; a siderurgia está reduzida a um conjunto de pequenas empresas cujo corpo operário pouco significa.

Uma força social que tem vindo a ter um peso absolutamente decisivo na problemática das questões sociais, os mais de três milhões de reformados, também não me parece que sejam a força capaz de obrigar a classe política a alterar a sua posição. O seu peso eleitoral seria decisivo se politicamente organizado. No entanto, trata-se de um grande conjunto de cidadãos que apenas têm em comum o facto de serem reformados, mas que não têm uma consciência coletiva. São o alvo preferencial das políticas eleitorais dos partidos juntamente com os funcionários públicos. O pequeno partido que pretende representar os reformados, o PURP, tem uma linguagem que para além de altamente populista não tem qualquer rigor. O novo partido ALIANÇA também parece que no seu programa a reforma do sistema político no sentido do aprofundamento da participação popular não é grande preocupação. É mais um partido do sistema. Mesmo os partidos que têm sido beneficiados com o voto de protesto, BE e PAN, são apenas mais dois que crescem à sombra dos erros dos partidos do dito arco da governação e vivem do sistema

Esta é a fotografia mais ou menos superficial do nosso panorama político atual e que constitui o principal obstáculo ao desenvolvimento social, político e até económico de Portugal.

Mas o que é necessário alterar para que esta fotografia se transforme na imagem real de um povo participante na definição do seu destino?

Como se escreveu de início, uma reforma do sistema eleitoral terá consequências profundas no sistema político. Então o primeiro passo a dar é reformar o sistema eleitoral. A nossa Constituição prevê essa possibilidade sem que esta tenha que ser alterada. Nela está prevista a existência de círculos eleitorais uninominais e será pela sua criação que se iniciará a grande alteração.

- Criação de um círculo eleitoral de âmbito nacional cujos candidatos a deputados serão indicados pelos partidos políticos e que serão eleitos numa única sessão eleitoral segundo o método de Hondt, permitindo assim a proporcionalidade das respectias expressões políticas na sociedade portuguesa.

- Criação de círculos uninominais cujos candidatos a deputados serão eleitos em duas sessões eleitorais, sendo eleitos na primeira sessão, ou volta, aqueles que obtiverem metade dos votos expressos mais um. Nos círculos eleitorais onde não se verifique a eleição de um candidato na primeira volta com a maioria absoluta, irão a uma segunda volta os dois candidatos mais votados, sendo eleito o que obtiver o maior número de votos.

- Só serão admitidos a candidatos a deputados aqueles que sejam propostos por pelo menos 5% dos eleitores recenseados no respetivo círculo, independentemente do partido que o apoia.

- Os candidatos a deputados deverão residir pelo menos há três anos no círculo eleitoral a que se candidatam.

- Estas regras são aplicáveis aos candidatos propostos pelos partidos políticos quer de âmbito regional quer nacional.

- Será convidado a formar governo o partido mais votado no círculo eleitoral nacional ou o que obtiver maior número de deputados no conjunto dos círculos eleitorais.

Deste modo, se por um lado fica desde logo construída uma forte ligação entre eleito e eleitor, por outro fica garantida a estabilidade governativa. Os partidos ao mesmo tempo que escolhem os seus candidatos ao círculo eleitoral nacional, terão todo o interesse em promover a candidatura de militantes dos seus quadros aos círculos eleitorais uninominais procurando assim obter a formação de grupos parlamentares expressivos.

No círculo eleitoral nacional deverão candidatar-se 50 deputados, sendo os restantes 180 deputados eleitos em outros tantos círculos eleitorais uninominais em que será dividido o espaço do território nacional continental e insular segundo critérios a definir.

Todas as ideias que se vierem a apresentar como solução para os grandes problemas de Portugal, não passarão de um exercício intelectual sem qualquer consequência se não se proceder a uma profunda alteração das regras que balizam a atuação da chamada classe política.

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