Pelo aniversário da proclamação da independência (14 de maio de 1948), o Estado de Israel está dividido entre aqueles que pensam que os valores judaicos devem prevalecer e aqueles que estão preocupados ​​com o estado da democracia no país.

"Os israelitas estão ligados pelo destino. Quando a nossa existência é questionada, unimo-nos", explica Yedidia Stern, professora de direito da Universidade Bar Ilan e vice-presidente do Instituto de Democracia de Israel, um centro de debate.

Mas uma vez que a questão da segurança for garantida, "estaremos livres novamente para lutar uns com os outros sobre o rumo" a seguir, disse.

O governo de Benjamin Netanyahu, considerado o mais à direita de toda a história de Israel, gerou comoção entre várias personalidades ao apresentar um projeto de lei para reforçar a identidade judaica de Israel.

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Esse tipo de medida pode refletir uma busca pela identidade neste jovem Estado nascido das cinzas do Holocausto, dizem os especialistas.

Os defensores de medidas parecidas justificam-nas dizendo que é uma maneira de dar voz a outros grupos além das elites tradicionais.

Mas os seus críticos, membros da oposição, artistas, académicos ou ex-dirigentes, temem que essas políticas populistas possam ser uma ameaça à democracia.

Esta viagem introspectiva foi recentemente manifestada num projeto de lei que define Israel como o Estado Nação do povo judeu, designando o hebraico como a única língua oficial e ancorando Jerusalém como a "capital unificada" do país.

O texto foi aprovado no Parlamento numa leitura preliminar.

Um dilema antigo

A 6 de maio, uma comissão ministerial apresentou outro texto que limita o poder do Tribunal Constitucional de invalidar leis que considera contrárias aos valores democráticos.

Os ministros que apoiam esta lei consideram que o tribunal acumula muita influência em relação aos demais poderes.

O Tribunal Constitucional provocou descontentamento ao ordenar a evacuação de algumas colónias em territórios palestinianos ocupados ou ao suspender um plano de expulsão de imigrantes africanos.

Ao mesmo tempo, o ministério da Cultura procurou nos últimos anos cortar os fundos para instituições culturais que se mostram "desleais" para com Israel.

Esta dicotomia antecede a criação do Estado de Israel.

Em 1947, os líderes sionistas laicos e os representantes dos judeus ultra-ortodoxos chegaram a um acordo para que estes últimos, que observam rigorosamente as leis do judaísmo, controlassem a vida privada, por exemplo em questões como casamento e maneiras de preservar o shabat, o dia sagrado do descanso semanal.

O acordo permaneceu em vigor quando Israel proclamou a sua independência, ilustrando uma aspiração de conciliar os valores democráticos e a natureza judaica da nação recém-criada.

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Israel não tem uma Constituição, mas apenas um pacote de "leis fundamentais" que exercem essa função.

Em 1992, o Parlamento adotou duas leis fundamentais que consagraram os valores "judeus e democráticos" de Israel e que obrigam todas as normas a ajustarem-se a esses dois termos. Mas a ausência de uma definição clara do que é "judeu" e do que é "democrático" presta-se a interpretações.

Uma casa ou uma fortaleza? 

"Um número crescente de israelitas sente a necessidade de escolher entre o 'judeu' e o 'democrático', e tem a sensação de que o equilíbrio não é respeitado na aplicação desses valores", explica Yedidia Stern, com base em sondagens que tem realizado.

Os judeus laicos de origem europeia, com os seus valores social-democratas, dominaram durante os primeiros 40 anos da existência de Israel, indica.

Mas, desde então, outros grupos, como os judeus de países árabes, nacionalistas religiosos e ultra-ortodoxos, afirmaram-se como forças políticas.

Os árabes israelitas, que representam 17,5% da população, também se envolveram mais politicamente.

O conflito israelo-palestiniano continua a projetar uma sombra no futuro. Um número crescente de políticos de direita opõe-se à criação de um Estado palestiniano e falam abertamente em anexar uma grande parte da Cisjordânia ocupada.

Mas os seus adversários chamam a atenção para a questão democrática e demográfica que isso suscita.

Tendo em conta as questões demográficas, se Israel quiser permanecer um Estado judeu, terá que negar direitos iguais aos palestinianos e estabelecer um regime de apartheid, argumentam.

"Israel foi estabelecido para o povo judeu, que quase nunca se sentiu em casa em outras partes do mundo, para finalmente ter um lar", declarou recentemente David Grossman, um dos grandes escritores israelitas.

"Hoje, após 70 anos de sucesso surpreendente em muitos aspetos, Israel está em plena força, talvez como uma fortaleza. Mas ainda não é um lar. Os israelenses não vão ter uma casa enquanto os palestinianos não tiverem a deles".