Luís vive no lado espanhol da histórica aldeia comunitária de Rio de Onor, em Bragança, e, tal como outros habitantes dos dois lados da raia, a vida divide-se entre Portugal e Espanha.

Os governos dos dois países decidiram abrir uma exceção para a peculiar realidade desta aldeia ibérica e, enquanto as fronteiras estiverem encerradas, dar autorização de passagem para trabalhos agrícolas às quartas-feiras e sábados, durante duas horas, entre as 09h00 e as 11h00.

O espanhol tem ovelhas e colmeias em terrenos em volta da aldeia e o único caminho que tinha para passar com o trator foi bloqueado com grades e fitas pelas autoridades, numa região onde a única passagem autorizada e controlada atualmente é na fronteira de Quintanilha, em Bragança.

“Este é o único caminho que tenho, não tenho outro, portanto tenho de passar por aqui”, contou Luís Miguel, o único que hoje, pouco depois das 09h00, aproveitou a exceção e passou para Portugal com o trator carregado de fardos para as ovelhas.

A pé, os habitantes dos dois lados mantêm o dia-a-dia, sem constrangimentos, e é assim que Luís tem minimizado também o problema dos trabalhos agrícolas, nas últimas semanas, mas sem o trator não tem sido possível fazer o necessário.

Diz que já lhe morreram “mais de 60% dos enxames”. No final de fevereiro instalou 45, ficaram quatro por não poder alimentá-los e cuidá-los.

Contas feitas, estima que “perdeu entre seis a nove mil euros num mês”, sem contar com o mel que não vai produzir e os enxames que tem que repor. Quem lhe vai pagar as hipotecas e alimentar a família durante todo o ano, é a pergunta que deixa.

Luís vive em Rihonor de Castilha e garante que não há memória de um tempo assim, mesmo quando existiam as fronteiras físicas nunca os dois povos foram impedidos de se relacionar e circular.

“Aqui nunca houve fronteira. Aqui é Portugal, aqui é Espanha, mas isto é um povo”, vincou, apontado para os dois lados da aldeia. O sogro é espanhol, a sogra é portuguesa e têm propriedades de ambos os lados.

Garantiu que “60% dos terrenos espanhóis são de portugueses e o contrário em Portugal”.

A autorização para duas vezes por semana passar com o trator de um lado para o outro “é uma facilidade”, mas duas horas “é pouco” tempo e tem de correr para conseguir fazer os trabalhos agrícolas.

O espanhol salienta que apesar das medidas necessárias para a prevenção da pandemia, o acesso em causa “não deixa de ser um caminho agrícola e o trator não leva o coronavírus”.

“E eu tão pouco, levo três meses sem sair do triste povo, sem me cruzar com ninguém, as primeiras pessoas sois vós”, disse, dirigindo-se aos jornalistas portugueses e espanhóis que hoje acompanharam a abertura temporária da fronteira.

Alertou ainda como é que irá ser para a aldeia - com 14 pessoas do lado espanhol e cerca de 50 do português - se outra vaga da pandemia se instalar no outono, a época da apanha da castanha, da vindima e da recolha do mel.

Os governos de Portugal e Espanha reconheceram as particularidades de Rio de Onor onde “a atividade do dia-a-dia decorre como se fosse uma aldeia única”, como apontou o comandante distrital de Bragança da GNR, Carlos Felizardo.

Para minimizar os constrangimentos criados com a reposição das fronteiras, Portugal e Espanha acederam aos pedidos das autarquias locais dos dois lados para que houvesse uma exceção e fosse permitido o acesso aos terrenos e para tratar dos animais.

A abertura temporária é controlada pela GNR e Guarda Civil e, até ao momento, apenas três habitantes solicitaram autorização, dois espanhóis e um português.

“As pessoas estão devidamente certificadas para passar, as autoridades têm a relação das pessoas e das viaturas autorizadas”, esclareceu o comandante da GNR, indicando que outros pedidos nas mesmas condições poderão ser autorizados desde que se justifique.

A situação deverá manter-se até ao dia 14 de maio, data até à qual o Governo português decidiu fechar as fronteiras devido à pandemia covid-19

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 215 mil mortos e infetou mais de três milhões de pessoas em 193 países e territórios.

Mais de 840 mil doentes foram considerados curados.

Em Portugal, morreram 948 pessoas das 24.322 confirmadas como infetadas, e há 1.389 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.