A agressão deixou a região e a aldeia —quase 200 quilómetros a Norte de Pemba, província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique — devastadas: não só pelas muitas palhotas incendiadas nas várias aldeias dependentes do “posto administrativo” (uma espécie de freguesia), como também pelos danos das instalações da escola agrária e centro de saúde, entre outros equipamentos, de acordo com informações do jornal digital Carta de Moçambique.

Nesta vaga de ataques que desde há pouco mais de dois anos tem atingido o Norte de Moçambique, terão morrido já várias centenas, talvez perto de mil pessoas, segundo um líder sénior muçulmano de Pemba contactado pelo 7MARGENS. Suspeita-se que os ataques são perpetrados por grupos jihadistas que vêm do Congo, mas até agora não há confirmação sobre a sua origem e objectivos. “Não há um rosto, é alguém que desconhecemos que está por detrás de tudo isto”, diz a mesma pessoa que, por razões de segurança, prefere não ser identificada.

Em Bilibiza e nas aldeias vizinhas, as pessoas que puderam, fugiram para o mato, à espera que os ataques cessassem. Mas os elementos das Organizações Não-Governamentais que trabalhavam na zona deixaram de aparecer. “A aldeia ficou vazia e muitas pessoas continuam escondidas”, acrescenta ainda a mesma fonte, que diz que as aldeias da região estão praticamente isoladas desde então.

Como agravante, deve acrescentar-se que o Instituto Agrário de Bilibiza tinha sido remodelado há dois anos, com o apoio da Fundação Aga Khan. As salas de aula da escola, as casas para os professores e os dormitórios foram renovados, à semelhança do equipamento informático. “Ainda não sabemos muito bem o que aconteceu, mas parece que, tirando os dormitórios, ficou muita coisa queimada: salas de computadores, os blocos de aulas, o escritório da Fundação, barracas, o posto de saúde…”, enumera a fonte.

Há pouco mais de uma semana, houve notícia de dois novos ataques. Num deles, houve uma pessoa degolada – um dos métodos de assassinato que tem sido utilizado com alguma frequência. E em ambos os casos, os atacantes foram mais para sul de Bilibiza, no distrito de Meluco. “Eles estão a operar num modelo de guerrilha: chegam a um sítio, atacam, incendeiam, matam e vão embora", conta a mesma fonte.

Os atacantes "ainda não chegaram a Pemba, mas já há ameaças e estão a descer cada vez mais para sul, em direcção à cidade. Apareceu uma carta, num português manhoso, mencionando várias aldeias do distrito de Quisanga (a norte de Pemba, na costa) Mieze e Metuge”, a apenas 30 e 40 quilómetros da capital da província, explica o líder muçulmano.

Nas zonas de Quisanga, Macomia, Ibo, Mueda e outras (sobretudo a Norte de Pemba) já “é perigoso circular, muita gente já não o faz”. E todas as ameaças têm sido levadas a sério pela população, pois os bandos armados “têm conseguido fazer” quase tudo o que ameaçam. E isso acontece “sem resistência, sem combate”, a resposta do Estado é “nula”, diz a nossa fonte.

Serve o exemplo do que aconteceu em Bilibiza, de acordo com o relato da Carta: os efectivos das Forças de Defesa e Segurança não deram resposta, uma vez que eram em menor número que os atacantes.

Esse é outro problema, na opinião deste responsável muçulmano, que trabalha para uma organização da sociedade civil que opera na região: as forças armadas de Moçambique, incorporam muitas vezes “miúdos sem prática militar e sem prática do mato”, que recebem 5000 ou 6000 meticais (entre 70 e 90 euros). Chegou a haver notícias, ainda neste mês de fevereiro, de recrutamento forçado nas ruas do Maputo, com miúdos a serem levados em camiões para serem incorporados, como também noticiou a Carta.

Calculam as autoridades que haja já 156 mil deslocados internos causados por esta situação, desde outubro de 2017. E já há mesmo instituições internacionais a prepararem planos de evacuação para os seus funcionários, caso seja necessário – assegura a mesma fonte, que tem conhecimento de pelo menos uma ONG internacional nessa situação.

Os bandos armados retomam algumas reivindicações do Daesh ou da milícia Al-Shabaab, que opera sobretudo na Somália. Há já imagens com atacantes que usam fardamento moçambicano, carros da PRM (Polícia da República de Moçambique) roubados e que, “sem medo, mostram as caras”. Já ninguém entra nas machambas, os terrenos de cultivo, diz o responsável muçulmano.

Sobre os objectivos e interesses que estarão por detrás, correm muitas versões: as jazidas de gás natural descobertas na região, as areias pesadas, as pedras preciosas… Entre a população até se conta que por vezes, depois das populações abandonarem determinadas terras, chegam empresas a comprar por preços irrisórios… Ou que o grupo paramilitar russo da Wagner, contratado para ajudar a conter estes ataques (em troca pelo perdão da dívida de Moçambique à Rússia, comenta-se também), já teria identificado uma base dos insurgentes, mas depois teria recebido ordens para não atacar.

Há duas semanas, o embaixador russo em Moçambique recusou comentar se havia alguma força armada russa em Cabo Delgado para combater os grupos que têm provocado os ataques na província. Mas o resto “são tudo versões que não estão confirmadas, são coisas que correm e que ninguém esclarece”, diz a nossa fonte.

Vários destes dados são confirmados pelo bispo católico de Pemba, Luís Fernando Lisboa, quer nas informações já publicadas pelo 7MARGENS, quer num depoimento que deu à edição portuguesa da Deutsche Welle. No início, as pessoas fugiam das aldeias atacadas, depois começaram a fugir antes das aldeias serem atacadas; no início, buscavam refúgio nas vilas vizinhas, mas agora estão a chegar a Pemba famílias inteiras, resume num vídeo disponível na página da rádio.

Pemba, uma cidade com cerca de 140 mil habitantes, terá já alguns milhares mais. Há um ano, a região, cuja esmagadora maioria da população é muçulmana, sofreu o impacto do Kenneth, que teve epicentro em Macomia, onde ficou tudo destruído. “Em Pemba andava-se de barco em vários bairros da cidade, mas em Macomia foi pior, só nãos e falou tanto como do Idai”, diz a mesma fonte.

Em Bilibiza, a destruição não chegou da natureza. Há 12 anos, o que as pessoas queriam era ter fontes de água próximas, a escola agrária a ensinar e o posto de saúde a funcionar em caso de necessidade. Agora, em poucas horas, esses sonhos foram destruídos.