Com 10 milhões de passageiros transportados, a companhia de baixo custo está cada vez mais perto de ultrapassar a TAP. Michael O’Leary, o CEO da empresa, fala-nos destes números, mas também do aeroporto do Montijo e do Brexit.
“Aproveitem, a Ryanair está a oferecer-vos comida, isto não acontece muitas vezes. Pode mesmo nunca voltar a acontecer”, diz Michael O’Leary aos jornalistas que estão na sala de um hotel no centro de Lisboa à espera de o ouvir. A conferência de imprensa marcada pela companhia aérea irlandesa tem como objetivo dar conta do número recorde de reservas nos voos de verão em Lisboa, mas também anunciar seis novas rotas a partir do aeroporto Humberto Delgado. Os protagonistas, porém, não são os 10 milhões de passageiros que a transportadora vai levar nos aviões este ano, tampouco os pastéis oferecidos aos jornalistas.
Há quem lhe chame desbocado e quem o veja como um possível Trump irlandês. Depois de se sentar com o chá à frente, o CEO da Ryanair apresenta o recorde de reservas, as novas rotas e um aumento do tráfego nas bases de Lisboa, Porto (+12%), Faro (+22%) e Ponta Delgada (+16%). No longo prazo, diz, o objetivo é ultrapassar os 11,7 milhões de passageiros da TAP em Portugal, chegando assim a companhia número um no país.
Mas onde é que se aterra um Portugal inteiro? Lisboa e Montijo, espera O’Leary. “Lisboa tem uma pista com cerca de 24 milhões de passageiros por ano. Com uma pista, devia haver 60 milhões de passageiros. Os constrangimentos à pista são completamente artificiais, 44 movimentos por hora? Gatwick tem 55. Bastava aumentar para os 50 movimentos por hora e de repente criava-se 20% mais capacidade e isso leva o tráfico na portela dos 23 para os 30 milhões de passageiros”.
“O problema”, explica Michael O’Leary, em entrevista ao SAPO24, “está na forma como os aeroportos em Portugal estão organizados. A ANA é um monopólio, por isso não existe competição; a VINCI agora detém o monopólio, por isso não querem competição e quando a solução óbvia para resolver os constrangimentos na Portela é abrir o [aeroporto do] Montijo, eles continuam a encontrar novas formas de atrasar a abertura do [aeroporto do] Montijo.”
“O [aeroporto do] Montijo já lá está, está lá uma pista, há voos… E agora pedem um estudo ambiental? Do quê? A pista está lá, não é uma reserva natural, já é um aeroporto. Mas é uma forma de o atrasarem até 2021, e assim podem aumentar os preços em Lisboa ainda mais e ganhar ainda mais dinheiro”, diz o CEO da companhia low-cost. “Aquilo que o governo devia fazer era desmontar a ANA, mas é pouco provável que o faça agora que é detida pela VINCI”, acrescenta.
No Montijo os passageiros “já estão em Lisboa”, diz O’Leary. A solução para os trazer para o centro são “autocarros e táxis, não é preciso ter um metropolitano, não são precisos comboios. Autocarros, táxis e carros de aluguer seriam mais do que suficientes”. “Mesmo se abrirmos o Montijo hoje, começaria nos 5 ou 6 - 7 milhões de passageiros por ano. Os números não são grandes, em termos de travessias diárias da ponte, nem se dá por isso”.
Os planos, porém, não são de abandonar o aeroporto Humberto Delgado por completo: “as nossas operações atuais na Portela iriam continuar a crescer, mas sobretudo as novas rotas iriam para o Montijo. O Montijo cresceria para nós muito mais depressa que a Portela, por causa destes constrangimentos artificiais na pista e nos terminais da Portela”, diz O’Leary.
Lisboa lotada, Montijo atrasado, Beja às moscas
Mas se o aeroporto do Montijo não abre e se o da Portela está, artificialmente ou não, com a capacidade no máximo, porque não voar para o Alentejo, para o aeroporto de Beja? “É muito longe. Até para nós é um bocadinho longe de mais”, diz O’Leary ao SAPO24.
“Se só as companhias high fare (tarifa alta) estivessem na Portela, se fosse só a TAP e as companhias de bandeira e todas as companhias de baixo custo em Beja, talvez fosse possível convencer as pessoas a ir para lá. Mas agora que a Ryanair está na Portela, que a EasyJet está na Portela, por que iria alguém para Beja?”
"É ridículo que [o Montijo] não esteja aberto! Podia estar aberto no verão de 2019, tudo aquilo de que precisa é um terminal."
O aeroporto de Beja, que custou 33 milhões de euros e foi inaugurado há seis anos, serve, hoje, quase só para estacionamento e manutenção de linha de aviões de algumas companhias aéreas. À parte isso, dizia a ANA à Lusa em abril deste ano, o aeroporto alentejano processa “regularmente” voos de aviação privada e com “um caráter esporádico” alguns voos charter.
Desde que começou a funcionar o aeroporto de Beja processou "mais de 8.500 passageiros e mais de 800 movimentos" de aeronaves de "várias dezenas" de operadores aéreos, a maioria de operações charter não regulares. "A região Alentejo ainda não dispõe de um mercado com dimensão suficiente para viabilizar a existência de fluxos turísticos e de carga que viabilizem operações aéreas com caráter regular", refere a ANA, sublinhando que "ninguém voa para um aeroporto".
"Voa-se para um destino e o destino Alentejo não está consolidado. Enquanto isso não acontece, não faz sentido continuar-se a falar no aeroporto de Beja apenas pela insuficiência de passageiros", defende a ANA, indicando que, neste momento, aposta noutras "possibilidades de negócio", como o estacionamento de média-longa duração e a manutenção de aviões.
Para o CEO da Ryanair é um problema de localização: “Nós olhámos para Beja [como alternativa]. Voamos para Faro, temos base em Faro e base em Lisboa. Beja está no sítio errado entre essas duas bases. Tentámos, por exemplo, fazer uma rota doméstica entre Faro e Lisboa, mas não funcionou, as pessoas no Algarve simplesmente vão de carro para Lisboa, porque são só duas horas numa ótima autoestrada. Não pensamos que Beja funcionaria.”
“E o problema com Beja é que tira a pressão do Montijo, quando nós queremos é criar cada vez mais pressão para o [aeroporto do] Montijo, para abrir o Montijo mais cedo. É ridículo que já não esteja aberto! Podia estar aberto no verão de 2019, tudo aquilo de que precisa é um terminal - vão a Breslávia (Polónia) e vejam como se pode construir um terminal para 15 milhões de passageiros por menos de 30 milhões de euros. Mas o que é que eles querem fazer? Um estudo ambiental… 2021. Há de ser 2025 quando a ANA estiver a abrir aquele aeroporto.
“Precisamos da intervenção do governo. Se eles [ANA] estão a dizer que a Portela está cheia, certo; mas têm de abrir o [aeroporto no] Montijo. Era esse o acordo original na privatização [da ANA, pelo anterior governo PSD/CDS, em 2013] - quando a Portela chegasse aos 22 milhões de passageiros, o Montijo abriria. A Portela está agora com 23-24 milhões de passageiros e estão a atrasar o Montijo injustificadamente, a encontrar novas razões para atrasar a abertura do Montijo”, diz o patrão da operadora de baixo custo.
“Agora que são campeões no futebol e nas canções, também deviam ser no turismo”
De Espanha, diz-se, nem ventos, nem casamentos. Mas com os aeroportos do outro lado da fronteira a baixar as tarifas cobradas às companhias aéreas, as propostas do lado de lá podem levar as companhias a preferir o país vizinho. Mas se a canção do espanhol Manel Navarro ficou em último na Eurovisão, os aeroportos de Málaga ou Valência estão a merecer a pontuação máxima das companhias.
Voar para a Madeira, explicou O’Leary na conferência de imprensa, é duas vezes mais caro que voar para Lanzarote. Por isso, diz-nos à margem da conferência em Lisboa, os aeroportos espanhóis “são uma ameaça real para o crescimento em Portugal, porque estão a reduzir significativamente tanto as taxas aeroportuárias como as de controlo aéreo. Significa que se há uma companhia aérea do Reino Unido, da Irlanda ou da Alemanha e precisas de algum sítio para onde enviar mais voos porque não dá para voar para a Turquia ou o Egito ou qualquer outro sítio, será que vai para os aeroportos baratos em Espanha ou será que vou para Lisboa ou Faro onde a ANA está a subir os valores? Vão para Espanha, é mais barato ir para lá”. “Penso que representam uma ameaça real para o crescimento do tráfego em Portugal aumentar, mas não para o tráfego que já existe.”
Brexit: os ingleses vão ter de fazer férias na “fucking Scotland”
O impacto que a saída do Reino Unido da União Europeia representa para o turismo português é, diz O’Leary, o mesmo que representa para o turismo na Irlanda. Achamos que há a possibilidade de não haver voos de e para o Reino Unido no verão de 2019. Se o Reino Unido for avante com a vontade de abandonar o espaço aéreo aberto, porque não reconhece as decisões do Tribunal Europeu de Justiça, a liberdade das pessoas, terá de negociar bilateralmente e não vemos vontade na Europa ou em Bruxelas para dizer ‘okay, vamos ajudar o Reino Unido, vamos dar-lhes um [acordo] bilateral nos voos’; acho que a atitude em Bruxelas é ‘que se lixem’”.
"Se o isolamento económico fosse uma fórmula de sucesso, a Coreia do Norte seria a economia mais poderosa do mundo."
“Eles não vão ter mais voos, não vão ter um acordo bilateral. Vamos sofrer todos um bocadinho porque não vamos ter voos do Reino Unido no verão de 2019, mas isso até começa a ensinar as pessoas no Reino Unido que agora vão ter de passar férias na Escócia, à chuva, não podem voar para Atenas, não podem vir a Portugal, Espanha… Aí talvez comecem a perceber a estupidez de ter votado para sair da União Europeia.”
“Não vejo quaisquer benefícios de todo no Brexit. O problema com o Brexit é que foi um referendo a meio do mandato sobre um tema emocional - imigração, controlo de fronteiras - não fez qualquer sentido económico. O Reino Unido era membro do maior mercado único da Europa, por que raios haveria alguém de querer sair do maior mercado único da Europa? Que te trouxe liberdade de movimento, voos mais baratos, roaming mais baixo… Não faz sentido sair. Se o isolamento económico fosse uma fórmula de sucesso, a Coreia do Norte seria a economia mais poderosa do mundo, em vez disso estão todos a morrer à fome.
"É difícil acreditar que Portugal era uma ditadura até 1974."
“Estar aberto aos mercados funciona. Sim, tem os seus aspetos negativos - a liberdade para as pessoas andarem de um lado para o outro, por exemplo - mas a economia britânica não consegue sobreviver sem os imigrantes irlandeses, portugueses ou da Europa de leste que vão lá fazer todos os trabalhos de merda que nenhum inglês quer fazer. Quem são os baristas em Londres? São os irlandeses, os letões e os portugueses - não são os ingleses a fazer esses trabalhos. Isso vai mudar por saírem da União Europeia? Não!”
“Há um lado de luta de galos nisto porque acho que a atitude da União Europeia vai ser ‘a Grã-Bretanha tem de sofrer’, e se o Reino Unido não sofrer todos vão querer sair da União Europeia, mas ter todos os benefícios que já têm, mas essa é a natureza de um mercado aberto. Há aspetos negativos - pagamos um IVA mais elevado, pagamos os nossos impostos em Bruxelas.”
Apesar disso, “fundamentalmente, acho que ninguém pode dizer que a União Europeia não foi boa para a Europa, basta olhar para a nossa geração, qualquer um com menos de 50 anos não pensa noutra coisa senão voar por toda a Europa, viajar por toda a Europa. Haverá alguma vez outra guerra na Europa? Duvido muito, porque estamos todos tão interligados, todos trabalhamos juntos, divertimo-nos juntos, vamos de férias juntos… Acho que tem sido fantástico”.
“Basta olhar para o turismo em Portugal - é difícil acreditar que Portugal era uma ditadura até 1974. Olhem para vocês agora! Como é que isso se reverte? Como é que se anda para trás? Economicamente é uma estupidez, mas há alturas numa democracia em que as pessoas têm o direito de tomar decisões economicamente estúpidas”, diz O’Leary.
“O que vai acontecer quando chegarem ao fim de 2018 ou à primavera de 2019 é que vão perceber: ‘merda, esta foi uma decisão economicamente estúpida’; e continuo a achar que a vão reverter, ninguém acredita em mim, mas continuo a achar que vão reverter esta decisão, porque é simplesmente... estúpida. Não faz qualquer sentido. Basta olhar para o número que estão a ser levados para fora do Reino Unido - a JP Morgan comprou um edifício em Dublin esta semana onde vai ter 1.000 postos de trabalho, esses 1.000 empregos estão a sair de Londres. Onde é que isto faz sentido para a economia britânica? Não faz. Mas é esta a natureza de uma luta de galos.”
Não há almoços grátis, mas há aviões baratos
David O’Brien, o responsável pela área comercial da transportadora irlandesa desde 2014, explica ao SAPO24 que a companhia consegue oferecer voos a preços reduzidos “fazendo aquilo que tem feito nos últimos trinta anos, que é ser a companhia mais eficiente na Europa, ser a companhia mais flexível, tomar decisões rapidamente - recorde-se que muitas companhias aéreas nos últimos trinta anos ou eram propriedade dos governos ou eram influenciadas pelos governos.”
Questionado sobre se preferia uma TAP pública ou privada, O’Brien “o que era suposto ser uma TAP maioritariamente detida por privados voltou a ser uma TAP detida pelo Estado”. “Não nos faz diferença. Aquilo em que nos focamos é aquilo que fazemos. Não faz sentido a Ryanair comparar-se com a TAP, a Alitalia ou a Brussels Airlines; temos de usar como referência o nosso próprio desempenho e tentar ser melhores no próximo ano.”
“Temos a confiança das pessoas, este ano vamos transportar 130 milhões de passageiros, isso é muita confiança - e muitas tarifas baixas”, diz David O’Brien ao SAPO24, à margem da conferência desta manhã num hotel em Lisboa.
Com 86 bases espalhadas pela Europa, a companhia pode deslocar os meios para onde seja mais barato. “Quando o governo norueguês introduziu uma taxa de 8 euros, podemos deslocar alguma da capacidade que tínhamos na Noruega para outro lado - não o queríamos ter feito, mas ao menos tínhamos um sítio para onde ir”, explica O’Brien.
Para além disso, os negócios na compra de aviões à norte-americana Boeing, numa altura em que o mercado se contraía, permitiram à Ryanair comprar aeronaves para alimentar as novas rotas a preços mais baixos. Mais ainda, a diferença cambial entre euros e dólares, acrescenta David O’Brien, dá à companhia uma vantagem de 20% na compra de aviões. Até ao próximo dia 18 de maio (quinta-feira), a empresa vai oferecer voos a partir dos 21,99€ de e para o aeroporto da capital.
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