O ministro dos Negócios Estrangeiros considerou hoje ter feito “exatamente aquilo que devia fazer” relativamente às suspeitas de corrupção no Ministério da Defesa, abrindo caminho à investigação “Tempestade Perfeita”.

O que está a ser investigado?

No início deste mês, a Polícia Judiciária desencadeou a operação “Tempestade Perfeita”, que resultou em cinco detenções, entre as quais três altos quadros da Defesa e dois empresários, num total de 19 arguidos, que respeita ao período em que João Gomes Cravinho tutelou aquele ministério.

Um dos cinco detidos é o ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional Alberto Coelho, alegadamente envolvido na derrapagem nas obras de requalificação do antigo Hospital Militar de Belém, com o objetivo de o reconverter num centro de apoio à covid-19, que tinha como orçamento inicial 750 mil euros e no qual acabaram por ser gastos cerca de 3,2 milhões de euros.

A derrapagem foi revelada por uma auditoria da Inspeção Geral da Defesa Nacional (IGDN), que visou a atuação de Alberto Coelho.

O que diz Gomes Cravinho sobre as obras no Hospital Militar?

João Gomes Cravinho garante não ter autorizado um aumento de despesa além dos 750 mil euros inicialmente previstos para a requalificação do antigo Hospital Militar de Belém.

“Se eu autorizei algum acréscimo de despesa para além dos 750 mil euros? Não, a resposta é não, não autorizei, nem aliás me foi solicitado que autorizasse”, assegurou no debate parlamentar requerido pelo Chega sobre “as suspeitas de corrupção no Ministério da Defesa Nacional".

E sobre o facto de a PJ estar a investigar?

“Se estamos hoje com esta matéria a ser investigada nas instâncias próprias, é exatamente porque aquilo que eu fiz na Defesa foi agir em conformidade com a informação que tínhamos, no respeito pela lei e pelo bom nome do Ministério da Defesa Nacional”, declarou.

No discurso inicial no parlamento, João Gomes Cravinho lamentou também que haja quem se queira "aproveitar politicamente de um processo judicial que procedeu, e procede, de forma escorreita”.

Considerando que se têm assistido a “algumas efabulações” sobre o caso, Gomes Cravinho quis “esclarecer a fita do tempo”, defendendo que “não há nada mais inequívoco do que explicar os factos”.

Assim, o que aconteceu (nas palavras do ministro)?

19 de março de 2020 — No início da pandemia, Gomes Cravinho, "em apoio ao ministério da Saúde", deu instruções para se “avançar com obras no antigo Hospital Militar de Belém” com o objetivo de disponibilizar camas adicionais. Na altura, tinha-se calculado que o custo da obra “rondaria os 750 mil euros mais IVA, ou seja, cerca de 920 mil euros”.

Junho e julho de 2020 — “O então secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Jorge Seguro Sanches, que tinha delegações de competência em matéria de património, procurou, no âmbito das suas funções, receber informações sobre os custos e procedimentos relacionados com a obra”. A 22 de julho, Sanches enviou a Gomes Cravinho "um despacho resumindo a informação recolhida e sugerindo que enviasse a matéria à Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN)".

23 de julho de 2020 — Gomes Cravinho enviou o despacho à IGDN. Após o envio desse despacho, “a auditoria da IGDN identificou um conjunto de inconformidades legais e fez diversas propostas”, designadamente que “a auditoria fosse enviada ao Tribunal de Contas”, proposta que o ministro disse ter aceitado, agindo "em conformidade".

A outra proposta da IGDN, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros, foi que, “face à falta de competência decisória do Diretor-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRN)”, Alberto Coelho — um dos arguidos no âmbito da investigação “Tempestade Perfeita”, que foi detido —, Gomes Cravinho fizesse “um despacho de delegação de competências autorizando a despesa com retroatividade a 20 de março”, para sanar “as irregularidades administrativas”.

“Decidi não fazer um despacho de regularização por entender que careciam algumas respostas que justificassem o aumento dos custos da obra face ao inicialmente previsto. Preferi, por isso, aguardar a análise do Tribunal de Contas”, indicou.

Gomes Cravinho salientou também que, “considerando as dúvidas existentes”, e numa altura em que o mandato do então DGRN Alberto Coelho estava a terminar, decidiu “não reconduzi-lo para o mesmo cargo, fechando-se, desse modo, um ciclo de 19 anos como diretor-geral do ministério da Defesa Nacional”.

“Todavia, tendo em conta a sua experiência e conhecimento acumulado na área de Defesa Nacional — e, sobretudo, sem que houvesse nessa altura qualquer suspeita dolosa — considerei adequada a sua nomeação para uma empresa das indústrias da Defesa [ETI - Empordef Tecnologias de Informação], um processo que começou em abril de 2021, passou pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) e foi concluído a 8 de junho”, referiu.

20 de julho 2021 — Após terem surgido "notícias novas na comunicação social levantando suspeitas graves sobre as empresas contratadas” para as obras de requalificação do Hospital Militar de Belém, Gomes Cravinho determinou “de imediato à IGDN que fizesse uma reavaliação da sua auditoria original”.

“A reavaliação, por parte da IGDN, diz essencialmente duas coisas. Primeiro, que, em relação à auditoria inicial, ‘a matéria então identificada não apontava per si para a existência de factologia que pudesse relevar para efeitos de eventuais responsabilidades criminais’.

Segundo, a IGDN propunha que, face às novas informações e à nova investigação que tinha feito, a matéria deveria ser enviada ao Ministério Público. Foi exatamente o que fiz a 16 de agosto de 2021”, garantiu.

Perante esta cronologia, Gomes Cravinho defendeu assim que, “em cada momento, com a informação que tinha”, fez “exatamente aquilo que devia fazer”.

*Com Lusa