Se no início do ano dissessem a um adepto de futebol que Cristiano Ronaldo, vencedor de cinco Bolas de Ouro, cinco Ligas dos Campeões, figura destacada em três dos maiores campeonatos do mundo, o inglês, o espanhol e o italiano, imagem do "profissional máximo" da modalidade, tantas vezes citado por antigos colegas como o primeiro a chegar ao treino e o último a sair, tantas outras contado por amigos que relatam que, em casa, o capitão da seleção portuguesa "não pára um segundo" para ter em conta a sua melhor condição física e mental, iria ser afastado da equipa principal do Manchester United, depois de se ter recusado a sair do banco para entrar nos instantes finais de um encontro da Premier League, provavelmente poucos acreditariam.

As atitudes recentes de Ronaldo estão tão longe do modelo de carreira que nos habituou que custa a acreditar o quanto os números desta época no Manchester United estão aquém de tudo aquilo que produziu desde que chegou à equipa principal do Sporting CP: apenas dois golos, uma assistência e seis jogos a titular em 12 disputados.

O que foi semeado no verão, depois de semanas de histórias que nasciam como ervas daninhas de que CR7 pretendia sair de Manchester para uma equipa que disputasse a Liga dos Campeões, afinal de contas há quase 20 anos que Ronaldo não estava sem disputar essa competição, e as sucessivas notícias que davam conta de que nenhum clube de topo o desejava integrar no plantel, uma bola de neve fez com que o português só integrasse a pré-época da equipa na reta final, está a ser colhido agora.

Ao caos da pré-época e início de temporada, soma-se o facto de há poucos meses o jogador e a companheira, Georgina Rodriguez, terem perdido um dos gémeos, que terá morrido durante o parto, uma dor cujos impactos são inimagináveis.

Em relação a tudo isto há um problema comum: falta de comunicação. Nunca nada foi explicado pelo clube, Jorge Mendes, agente do atleta, ou pelo próprio Cristiano Ronaldo que, a certa altura, chegou a afirmar, sem data, que iria conceder uma entrevista para clarificar toda esta soma de polémicas, o que não aconteceu.

Mas se o verão já tinha sido atípico para um jogador como o 7 do United, o que aconteceu na quarta-feira - no jogo frente ao Tottenham - tornou tudo ainda mais estranho para alguém que conhece minimamente a carreira do jogador nascido na ilha da Madeira: Ronaldo recusou-se a sair do banco para entrar e recolheu aos balneários ainda antes do apito final.

A situação não é nova, num jogo de pré-época, dos poucos em que participou, tinha abandonado o estádio, com outros jogadores, também antes do jogo terminar. Na altura, Ten Hag criticou a atitude e disse que tal "não se poderia repetir". Repetiu-se e o treinador neerlandês não hesitou e afastou Ronaldo da deslocação a Londres, para o encontro com o Chelsea, deixando esta sexta-feira o português num cenário inimaginável: a treinar com os sub-21 dos Red Devils.

Mais, não se sabe quanto tempo durará este castigo.

Após o sucedido no encontro diante dos Spurs, o futebolista internacional português Cristiano Ronaldo publicou um texto nas suas redes sociais em que abordou o assunto.

“Como sempre fiz ao longo da carreira, tento viver e jogar de forma respeitosa para com colegas de equipa, adversários e treinadores. Isso não mudou, eu não mudei. Sou a mesma pessoa, o mesmo profissional, que tenho sido nos últimos 20 anos no futebol de elite, e o respeito sempre teve um papel importante no meu processo de tomada de decisões”, escreveu o ‘capitão’ da seleção portuguesa, na rede social Instagram.

Nessa publicação, o avançado de 37 anos, uma das ‘lendas’ dos ‘red devils’, mas a viver tempos conturbados em Inglaterra após ter tentado uma saída do emblema, realça que, por vezes, “não é possível” em todas as ocasiões “dar o exemplo aos mais novos”, porque “o calor do momento leva a melhor”.

“Agora, sinto que tenho de continuar a trabalhar muito em Carrington [o centro de treinos do clube em Manchester], apoiar os meus colegas de equipa e estar pronto para tudo, seja em que jogo for”, acrescentou.

Assim, e como “ceder à pressão não é uma opção e nunca foi”, espera poder continuar “unido” com o clube. “Em breve, estaremos juntos de novo”, atalhou, sem em qualquer momento ter pedido desculpa.

Já hoje, o treinador do Manchester United, em conferência de imprensa de antevisão ao jogo com os Blues, confirmou que Cristiano Ronaldo se recusou a entrar em campo no duelo com o Tottenham, da Liga inglesa, e classificou o comportamento do futebolista português de “inaceitável”.

“Sim, recusou-se a entrar. Eu sou o treinador, sou responsável pela cultura da equipa, tenho de definir padrões, valores, objetivos e tenho que colocá-los em prática. É a segunda vez que aconteceu, é inaceitável e tem de haver consequências. Foi isso que aconteceu. O comunicado de ontem (quinta-feira) é claro”, afirmou Erik Ten Hag.

Mesmo assim, o técnico considerou que Ronaldo continua a ser um “jogador importante” para o Manchester United e que “fará falta” no jogo com o rival de Londres.

“Vamos sentir a falta dele. É pena, mas é importante para a atitude e mentalidade do grupo. Agora, temos de nos focar no Chelsea, que é o mais importante”, disse.

Quem diria que Cristiano Ronaldo, depois de surpreender o mundo com um regresso a Inglaterra onde, do alto dos seus 36 anos, marcou 24 golos, estava a meses de chocar o mundo com uma série de atitudes e de jogo que não lhe são reconhecidos.