Entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988, ali se enfrentaram as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) do Estado angolano, apoiadas por Cuba e pela União Soviética, e os guerrilheiros da UNITA, liderados por Jonas Savimbi, que desde 1975 disputavam o poder ao MPLA e que eram apoiados por forças sul-africanas.
Mas no memorial consagrado à batalha, na pequena localidade com o mesmo nome, na província do Cuando Cubango (centro-sul de Angola), o papel da UNITA é totalmente omitido, aclamando-se antes uma vitória gloriosa que permitiu libertar a África Austral das grilhetas do apartheid.
Inaugurado em 2017, o monumento alude ao dia 23 de março de 1988, tida como a data que “trouxe a libertação da África Austral”, como reforçou António Chilulo, diretor do memorial, em declarações à Lusa, apontando entre os beligerantes “duas potências, socialista e capitalista”, que se confrontaram neste palco africano da Guerra Fria.
A UNITA tem classificado a efeméride como um elemento de propaganda e uma deturpação da história.
No espaço pomposamente designado como “Memorial à Vitória da Batalha do Cuito Cuanavale” sobressai uma impressionante estátua de bronze, com dois soldados a erguerem o mapa de Angola a uma altura de 18 andares, totalizando 110 toneladas de metal com o estilo triunfal da arte comunista.
À volta, peças retangulares de mármore simbolizam os que caíram na batalha.
Uma outra peça escultórica, de nome “Parede dos Heróis”, retrata, de forma dramática e apoteótica, os horrores da guerra e o sofrimento do povo angolano evocando os acontecimentos trágicos que ali tiveram lugar.
Apesar dos relatos vitoriosos do museu, que retrata os acontecimentos na perspetiva do partido que governa Angola desde a independência em 1975 (MPLA), a história não é consensual.
Dependendo do ponto de vista dos participantes, o Cuito Cuanavale é descrito como uma derrota do exército sul-africano (SADF), uma retirada tática das mesmas forças ou um empate, como descreve o site South African History Online.
O museu-pirâmide, outra área museológica deste enorme recinto de 60 hectares, acolhe os visitantes com um acervo de fotografias e documentos da época, onde também se destaca a ausência de referências à UNITA e aos seus combatentes, em contraste com a profusão de retratos de individualidades ligadas às forças do MPLA, citações do antigo Presidente José Eduardo dos Santos e descrições de operações e manobras táticas.
Não há também registo de mortos e feridos porque, justifica António Chilulo, “a batalha foi muito vasta” em termos de extensão do território e período temporal.
“Ficou aqui muita gente, mas não conseguimos contá-los”, disse.
O diretor do memorial reconheceu, no entanto, que “ambas as partes têm de escrever a história do Cuito Cuanavale” e disse que há negociações em curso para que também a UNITA possa dar a sua versão dos acontecimentos.
“Se todos escrevermos, cada um tem a sua versão, cada um deve pegar a sua lapiseira para fazer o livro a contar a história do Cuito Cuanavale”, afirmou, frisando que esta batalha “não trouxe só um ganho para o Governo, trouxe um ganho para o país e para o mundo”.
Na ampla zona exterior, destacam-se ainda os inevitáveis equipamentos bélicos, 18 peças usadas na batalha desde Migs-21 de fabrico soviético e helicópteros a rampas de lançamento de mísseis e armas de defesa antiaérea.
Alguns quilómetros à frente, o guia Salomão Miguel prossegue a visita, através de um parque temático conhecido como Triângulo do Tumbo, onde as memórias violentas são novamente convocadas, desta feita numa pequena escultura com cruzes.
No campo recria-se um posto de comando – da 25.ª Brigada, do comandante Valeriano, um dos protagonistas da batalha – numa trincheira, destroços de canhão e restos de tanques.
O Governo quer fazer desta terra, outrora sangrenta, um polo de atração turística, mas, por enquanto, apesar do ambiente ser de paz, os turistas não encontram infraestruturas adequadas para que se possam deter por aqui.
Além do memorial e da história, nada mais há para oferecer e desfrutar da paisagem, embora esteja prometida a construção de um hotel. A única alternativa é hoje uma hospedaria-restaurante, para turistas pouco exigentes e que se contentem com banhos de caneca em vez de água corrente.
Eulária, a proprietária, diz que a localidade já recebe, “graças a Deus”, muitos turistas e conta ter tido já clientes de Portugal, Brasil e África do Sul.
Entre os turistas, há também antigos combatentes sul-africanos e cubanos que se emocionam ao reviver as memórias desse período, como descreveu o guia Salomão.
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