Sete meses depois do primeiro confinamento devido à pandemia de covid-19, que quase paralisou a Europa e muitos países do mundo, os deputados voltam ao trabalho com a dúvida da evolução do surto que já fez mais de 1.800 mortos em Portugal.
Uma das mudanças na vida parlamentar é o fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, que passa a ir à Assembleia da República de dois em dois meses - uma alteração aprovada pelos dois maiores partidos, PS e PSD, e contestada pelos partidos mais pequenos.
Eutanásia
A Assembleia da República tem em curso o debate da lei para a despenalização da morte medicamente assistida, depois de ter aprovado, em 20 de fevereiro, cinco projetos do PS, BE, PEV, PAN e Iniciativa Liberal, por maioria e na generalidade.
Nas últimas semanas, o grupo de trabalho criado para o efeito, na comissão de Assuntos Constitucionais, ouviu entidades, a favor e contra, terminando esse ciclo de audições com as Ordens dos Enfermeiros e dos Médicos.
Quando regressarem de férias, arranca, formalmente, o debate na especialidade e o trabalho da deputada do PS Isabel Moreira, que fará um projeto de texto de substituição consensual.
A lei só será aprovada em definitivo após o debate na especialidade e a votação final global no parlamento, dependendo a sua entrada em vigor a promulgação pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. À direita, o CDS-PP é contra e o PCP também. No PSD, há divisões e no PS igualmente.
Pendente está também uma iniciativa popular, assinada por 95.287 pessoas, para a realização de um referendo à despenalização da eutanásia, que ainda não tem data para ser debatido e votado no parlamento.
Os diplomas preveem que só possam pedir a morte medicamente assistida, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável.
Propõem também a despenalização de quem pratica a morte assistida, nas condições definidas na lei, garantindo-se a objeção de consciência para os médicos e enfermeiros.
Apreciação de diplomas vetados
O parlamento terá de reapreciar três diplomas que o Presidente da República vetou na segunda semana de agosto: a lei do mar, que Marcelo Rebelo de Sousa devolveu para que os deputados "clarifiquem" alguns pontos específicos; o diploma que reduziu de seis para dois por ano o número de debates em plenário sobre o processo de construção europeia; e o diploma que elevou de quatro mil para 10 mil o número de assinaturas necessárias para que uma petição pública fosse apreciada em plenário.
Segundo o regimento parlamentar, a reapreciação de um diploma é feita pelo parlamento passados 15 dias da receção do veto, em reunião marcada pelo Presidente da Assembleia da República “por sua iniciativa ou de um décimo dos deputados”.
No caso de serem apresentadas propostas de alteração ao diploma original, a votação será apenas sobre os artigos alterados, não sendo necessário que o novo diploma regresse à comissão parlamentar competente.
Orçamento do Estado de 2021
É um dossiê que passa pelo parlamento, mas não em exclusivo, dado que já começaram, na sede do Governo, a poucas centenas de metros da Assembleia da República, as negociações prévias do PS com os antigos parceiros da anterior maioria parlamentar (2015-19), também chamada de "geringonça", Bloco de Esquerda, PCP, PEV e PAN.
Na esquerda mais à esquerda, PCP e BE fazem, publicamente, força junto do Governo e do PS para haver uma reforma das leis laborais, incluindo o que os socialistas negociaram com o PSD na anterior legislatura quanto ao período experimental. É esse prazo que agora comunistas querem encurtar. Da parte do Bloco, além das leis laborais, coloca-se a ênfase no investimento nos serviços públicos (também defendido pelo PCP) e medidas de proteção aos rendimentos dos portugueses em tempos de pandemia.
Quanto aos entendimentos do Governo à direita, é um cenário. António Costa, líder do PS e primeiro-ministro, já admitiu que o PSD "não tem peste", mas afastou esse caminho. E Rui Rio, líder do PSD, também disse que o PS não tem peste, embora tenha qualificado de difícil um entendimento com o executivo no orçamento.
Em termos políticos, o momento também é complicado: "vésperas" de campanha eleitoral e presidenciais, com o Presidente da República impedido, constitucionalmente, de dissolver o parlamento e convocar eleições.
Condicionalismos que já levaram Ferro Rodrigues, presidente do parlamento e segunda figura do Estado, a considerar pouco provável uma crise política em 2021.
Lei do financiamento partidário
Apresentada pelo PSD pouco antes do início da crise da pandemia, o projeto laranja teve o apoio do PS, ainda que parcial, mas o suficiente para aprovar a proposta para desresponsabilizar as direções nacionais financeiras por despesas feitas sem autorização central.
Uma "questão de clarificação das responsabilidades de gestão por parte dos mandatários financeiros das campanhas eleitorais", justificou o deputado Jorge Lacão, em resposta a um "desafio" de Rui Rio, líder do PSD, para um ajustamento da lei para que quem fizer "dívida em nome do partido sem serem autorizado" - uma situação frequente em campanhas eleitorais autárquicas.
Regulamentação do lóbi
Se em 2019 a lei caiu, mesmo depois de uma tentativa de última hora no parlamento de salvar o diploma vetado pelo Presidente da República, o CDS foi o primeiro a reapresentar o seu projeto nesta sessão legislativa.
Seguiu-se o PAN para regular a atividade do lóbi em Portugal, estabelecendo "regras de transparência aplicáveis" nas relações "entre entidades públicas e outras entidades que, sob qualquer forma, pretendam assegurar a representação dos grupos de interesses" ou lóbis. Na agenda da Assembleia da República de 2020, este tema ficou para trás.
Residência alternada
Depois do debate, em dezembro de 2019, dos dois projetos, do PS e do PAN, foi formado um grupo de trabalho na comissão de Assuntos Constitucionais para tratar o tema e fazer audições, que ainda não terminaram.
O tema não é pacífico: alterar o Código Civil e estabelecer uma preferência pelo regime da residência alternada em caso de divórcio ou separação judicial, sem necessidade de acordo mútuo entre os pais.
Eleição de órgãos externos à Assembleia
A partir de setembro, o parlamento tem de repetir as eleições para os Conselhos de Fiscalização do Sistema de Informações da República (CFSIRP) e do Sistema Integrado de Informação Criminal (CFSIIC), Conselho Superior de Informações (CSI) e um membro do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN).
Falhada a eleição em 10 de julho, por os candidatos não terem recolhido os votos necessários (maioria de dois terços dos deputados), o ato eleitoral terá de repetir-se a partir de setembro, mas não há ainda datas.
Luís Patrão, candidato ao CFSIRP, e José Luís Carneiro, à CSDN, ambos indicados pelo PS, e que falharam a eleição, retiraram as suas candidaturas. O PSD optou por manter todos os seus candidatos aos quatro órgãos, mas as eleições já não se realizaram nesta sessão legislativa.
A eleição para este tipo de órgãos exige uma maioria de dois terços e um acordo entre os dois maiores partidos, PS e PSD.
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