"No dia em que convidei a família [Espírito Santo] para vir ao Banco de Portugal e comuniquei-lhes que não podiam continuar à frente banco. Estávamos num contexto em que tínhamos que minimizar os riscos", afirmou Carlos Costa durante a sua audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA).

A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua questionou o governador sobre se "disse a Ricardo Salgado [antigo presidente do Banco Espírito Santo] que ele já não tinha idoneidade". "Claro que sim, por isso mesmo é que os factos levaram ao que levaram", afirmou o governador, confirmando que o fez em janeiro de 2014.

Carlos Costa sublinhou que "quando o Dr. Ricardo Salgado escreve uma carta a dizer que está a preparar a sucessão e os acionistas também o dizem, isso mostra que alguma coisa está a ser feita".

Certo é que o BES acabaria por ser alvo de uma medida de resolução aplicada no início de agosto de 2014.

De resto, o longo das cerca de três horas e meia em que foi ouvido nesta primeira audição na COFMA, o governador foi múltiplas vezes questionado porque é que não agiu mais cedo no sentido de retirar a idoneidade a Ricardo Salgado e outros administradores do BES, o líder do supervisor bancário apontou sempre para a questão jurídica.

"O Conselho [de Administração do Banco de Portugal] entende que em decisões relacionadas com o sistema financeiro a segurança jurídica das decisões é essencial dada a insegurança que pode surgir", afirmou.

Questionado sobre se teve medo de usar os poderes que tinha à sua disposição para afastar Salgado, Carlos Costa garantiu que não.

"Não é uma questão de receio do Banco de Portugal tomar decisões. Sobre essa matéria não recebo lições. Já o demonstrei e estou à vontade", sublinhou, destacando: "Nunca chegou ao Conselho [de Administração do supervisor] uma proposta fundamentada para ser retirada a idoneidade".

Carlos Costa explicou que a entidade que lidera "tinha uma interpretação do seu poder, mas teve que a limitar a partir de um princípio de segurança jurídico".

"Nem sempre aquilo que se ambicionava era possível", vincou, apontando para a pressão que o supervisor foi fazendo sobre a administração do BES e até junto do acionista de referência Crédit Agricole para que fosse nomeada uma nova gestão para o banco.

Depois de Carlos Costa ter dito que foi no final de 2013 que o supervisor detetou irregularidades nas contas do Grupo Espírito Santo (GES), que tinha no BES o principal ativo, os deputados insistiram porque não agiu logo na altura para afastar Salgado (que também liderava o GES).

"Nesse momento estávamos a recolher fundamentação para aquilo que veio depois a ser a nossa ação. Estávamos a reforçar a recolha de informação, de factos, para ter a fundamentação necessária para ter a segurança jurídica para as decisões subsequentes", reforçou o governador.

Carlos Costa acrescentou que "havia uma forte presunção [da falta de idoneidade de vários administradores do BES], mas ainda sem capacidade de levar ao ponto da reavaliação de idoneidade. Quando se pede a alguém para se afastar, o que é que isso quer dizer?".

"Não estávamos a falar de pombas, estávamos a falar de idoneidade", atirou Carlos Costa, relativamente às conversas mantidas com o líder do BES.

Face às dúvidas manifestadas pelos deputados sobre os reais poderes do Banco de Portugal na matéria da avaliação da idoneidade, Carlos Costa disse que não foi ao parlamento para ser avaliado sobre esta matéria.

"Eu não vim cá fazer exame de ciências jurídicas", realçou.

Depois de João Galamba, deputado do PS, ter realçado que a idoneidade dos administradores do BES em causa, com Salgado à cabeça, "nunca chegou a ser retirada", Carlos Costa rematou que "não se pode retirar [a idoneidade] quando as pessoas renunciam".

"À luz do que hoje se sabe, é fácil acusar o BdP"

O governador do Banco de Portugal garantiu que o supervisor recorreu aos meios legais que tinha à disposição no âmbito do caso BES, realçando que com a informação agora conhecida é fácil criticar a sua atuação.

"Em todos os momentos, o BdP fez uso empenhado e atento dos recursos permitidos pela lei. À luz do que hoje se sabe, é fácil acusar o BdP de poder ter atuado de outra forma", afirmou Carlos Costa .

"A supervisão merece o reconhecimento que agiu sempre de modo diligente", considerou, depois de ter sido alvo de várias críticas por parte de alguns grupos parlamentares relativamente à atuação considerada tardia para evitar o colapso do Banco Espírito Santo (BES).

Questionado sobre a situação do grupo Montepio, Carlos Costa não se alongou em comentários, dizendo que "tudo está a ser feito para assegurar o objetivo último do sistema financeiro". "E estamos a ir no bom sentido", acrescentou, notando ainda que o BdP só supervisiona a caixa económica, enquanto a associação mutualista está sob a alçada do Governo.

O governador foi ouvido na quinta-feira à noite na COFMA durante mais de seis horas, em duas audições distintas mas consecutivas, ambas relacionadas com o caso BES.

A primeira por requerimento do PCP e outra por pedido do próprio Carlos Costa, para defender a atuação do Banco de Portugal que considera ter sido posta em causa nas recentes reportagens da SIC sobre este caso, com incidência na atuação do banco central no segundo semestre de 2013.