Dando continuidade à (vídeo)digressão que tem feito a apelar ao reforço do apoio dos seus parceiros ocidentais, Volodymyr Zelensky discursou hoje por videochamada perante a Assembleia da República, numa sessão solene com a presença das principais figuras do Estado.

Mais do que decorrer no hemiciclo um evento que ficará marcado na história e que cimenta a relação entre Portugal e a Ucrânia, este acontecimento revestia-se de particular antecipação por dois motivos: que argumentos Zelensky utilizaria para apelar ao apoio português e como seria encarada a falta de comparência do PCP, que na quarta-feira anunciou que não iria estar presente. 

Paula Santos, líder parlamentar dos comunistas, comunicou que o partido não iria estar numa sessão "concebida para dar palco à instigação da escalada da guerra, contrária à construção do caminho para a paz, com a participação de alguém como Volodymyr Zelensky, que personifica o poder xenófobo e belicista, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi, incluindo de caráter paramilitar, de que o chamado batalhão Azov é exemplo".

A decisão comunista veio no seguimento do que tem sido a sua posição desde o início do conflito: condenar a guerra, mas sem apoiar o Governo ucraniano, o que tem merecido ampla condenação de vários setores da política nacional. A explicar esta postura está o facto de o Partido Comunista da Ucrânia ter sido ilegalizado, mas também porque, por exemplo, Zelensky convidou um membro do batalhão Azov para falar quando discursou no parlamento grego. Tal não aconteceu esta tarde — mas, em abono da verdade, também não foram feitos grandes apelos à paz.

Além de descrever as múltiplas atrocidades cometidas pelas forças russas na invasão — muitas delas documentadas —, Zelensky pediu a Portugal para reforçar as sanções, ceder mais armamento, apoiar o embargo das importações de petróleo russo e bloquear o sistema bancário da Rússia. O líder ucraniano solicitou ainda que o Governo português propiciasse a entrada da Ucrânia na União Europeia e que usasse o seu poder de influência junto dos PALOP para afastá-los da esfera russa — isto, porque, apesar de não tê-lo dito, Zelensky terá pensado em Angola e Moçambique, dois dos 35 países que se abstiveram na votação de uma resolução a condenar a invasão russa da Ucrânia na assembleia geral da ONU no início de março.

Mas o que perdurará na memória serão mesmo as menções explícitas a Portugal e à história portuguesa, desde ter dito que os ucranianos têm o direito a “sentir saudade”, a ter comparado a dimensão de Lisboa à de Mariupol, cidade onde “não há uma habitação intacta”. “Os russos ficaram lá um mês e fizeram dela um inferno”, afirmou. 

Pleno de oportunidade, Zelensky comparou ainda o sofrimento ucraniano perante a agressão russa ao português durante o Estado Novo na véspera das celebrações do 25 de Abril. "Tivemos duas revoluções, em 2004 e em 2014, que conseguiram parar a ditadura na Ucrânia. Vocês, que se preparam para celebrar o aniversário da Revolução dos Cravos, que também vos libertou de uma ditadura, sabem o que estamos a sentir", disse.

O discurso mereceu uma longa ovação em pé da Assembleia da República e recebeu variados encómios dos partidos e não só. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou hoje que a intervenção de Zelensky “mostra gratidão” a Portugal e “uma vontade muito grande de integrar a família europeia”.

Houve um partido, o que não compareceu à cerimónia, de opinião diferente. “A revolução de Abril foi feita para pôr fim ao fascismo e à guerra. É um insulto esta declaração [de Volodymyr Zelensky] que faz referência ao 25 de Abril. O 25 de Abril em Portugal foi para libertar e contribuiu para a libertação dos antifascistas. Na Ucrânia estão a ser presos”, argumentou Paula Santos, nos Passos Perdidos do parlamento.

É a nota que destoa esta tarde, em que as declarações foram de solidariedade com a Ucrânia, como da parte do PS e do BE, ou até mesmo de incentivo a mais apoios ao país invadido, como pediram PSD e Chega. De resto, Livre, PAN, além de alguns dos partidos acima mencionados, criticaram abertamente a postura do PCP.

“Lamentamos que nem todas as forças políticas de forma unânime tenham apoiado esta iniciativa”, disse Inês Sousa Real, que liderou a proposta de convidar Zelensky. “É de todo incompreensível que o PCP não tenha prestado o devido respeito ao povo da Ucrânia ouvindo o presidente democraticamente eleito desse povo”, disse Rui Tavares, acrescentando o deputado do Livre que ouvir Zelensky “não significa concordar com ele em tudo”.

Ao passo que Zelensky tenta abrir a Ucrânia ao mundo, o PCP fecha-se sobre si mesmo. As consequências fizeram-se sentir já esta tarde, quando, depois da sessão solene, a Iniciativa Liberal abandonou o hemiciclo do parlamento durante a intervenção dos comunistas durante um debate sobre questões europeias — mas regressou quando foi a vez do BE falar.