Teve inimigos? Terá tido, como toda a gente, mas talvez menos do que toda a gente. Era difícil não gostar da sua rabugice, não apreciar os muitos amores incendiários e rápidos – casou e descasou cinco vezes, fora as ameaças – não desdramatizar as origens latifundiárias e a opção política (muito passageira) pelo CDS.

É que para cada senão, Nicolau tinha um 'sessim'. Gostava de touradas (ui!), ramboiadas, bebedeiras e outras impertinências politicamente incorrectas, mas também era generoso, pai extremoso e incentivador benemérito dos jovens chegados à profissão com mais ambição do que talento.

Teve um papel incontornável no teatro, no cinema (mais de 40 filmes) e na televisão, como actor, produtor, encenador, director e empresário. Azar aos negócios, sorte na vida. Mesmo as mais negras maledicências passavam por ele como se fosse revestido de Teflon, porque os cozinhados nunca chegavam a pegar; levantava fervura, punha em banho Maria e, quando parecia que o caldo estava entornado, já ele estava noutros cozinhados.

Inegavelmente – e o público veio a descobri-lo tarde, mas não tarde de mais – era um excelente actor, versátil e convincente, que se prestava à comédia desabrida como ao dramalhão, tanto fazia de bondoso reitor das pupilas (grande papel!) como de patife sem escrúpulos.

Filho de proprietários falidos de Beja, veio cedo para Lisboa e cedo ganhou versatilidade nas amizades, que pela vida fora foram dos meninos da fidalguia aos excluídos das periferias, entre touradas e luta livre, noitadas no Caruncho (exclusivo, na época) e no Cantinho dos Artistas (inclusivo, na mesma época), intelectuais – amigo de Natália Correia, David Mourão-Ferreira, etc – e comediantes de vaudeville.

O pai, que foi Presidente do Grémio da Lavoura (e os do ancien regime sabem o peso que isto tem) também ensinava filosofia e aceitou bem que o filho único entrasse no Conservatório. Lá lhe disseram que seria actor dramático e estreou (no Trindade) com os monstros sagrados da época, Eunice Muñoz, Carmen Dolores, Canto e Castro. Mas cedo lhe fugiu o talento para a comédia, com a deusa Laura Alves e os olímpicos (de Olimpo) Vasco Santana e António Silva.

Dez anos de teatro, praticamente desconhecido, a fama veio com a televisão, onde pode exercer à vontade a sua extraordinária versatilidade. Brevemente ostracizado no PREC, depressa a sua bonomia e leveza ideológica lavaram o preconceito, e ei-lo na ribalta, com o imensamente popular “Sr. Feliz e Sr. Contente”.

Fez-se produtor e empresário de tv e durante anos só aparecia na televisão. Em coisas tão diferentes como “Gente fina É Outra Coisa” e “Vila Faia” (ambas de 1982). Ainda teve tempo para contrair e sarar de um cancro e, no ano passado, iniciar uma academia de actores. Em 2010 Sarah Adamoupolos escreveu-lhe uma excelente biografia “É melhor ser alegre do que ser triste”. A frase diz muito da personalidade exuberante de Nico e da sua postura na vida. Perdemos um grande actor, e também perdemos um amigalhaço. Felizmente, está tudo gravado para a posteridade que ele merece.

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