Uma das maiores autoridades eclesiásticas do país, o cardeal Odilo Scherer, teve que se justificar por vestir vermelho numa foto de perfil nas redes sociais em depois de ter sido questionado por apoiantes de Bolsonaro, que associam a cor a Lula da Silva e ao comunismo.

“A cor dos cardeais é o vermelho (sangue), simbolizando o amor à Igreja e prontidão ao martírio”, escreveu no Dom Odilo Scherer Twitter.

“Alguém tem dúvidas? Creio em Deus, em Jesus Cristo Salvador, amo a Palavra de Deus e da Igreja. Sou a favor da família, contra o aborto e toda violência contra a pessoa; não aprovo comunismo nem o fascismo; sou a favor da moral dos mandamentos de Deus. Estou em comunhão com o Papa”, ponderou noutra mensagem.

O conhecido padre Zezinho, famoso no país por compor e cantar músicas católicas, anunciou que iria deixar temporarimente o Facebook evido aos ataques que sofreu de grupos que abertamente fazem pressão para que a Igreja Católica se manifeste contra o suposto perigo do comunismo se Lula da Silva for eleito para governar o país na segunda volta das presidenciais, em 30 de outubro.

“Cansei de abrir espaço para católicos super politizados, irados e insatisfeitos com nossa igreja. Estou me retirando até dia 31 (…) Continuam a dizer que sou mau padre, que sou comunista e que sou traidor de Cristo e da Pátria porque ensino doutrina social cristã”, escreveu na sua conta na rede social Facebook.

A publicação ocorreu logo após apoiantes do Presidente brasileiro terem causado tumultos nos arredores da Basílica de Aparecida do Norte durante uma visita dele ao local em 12 de outubro, feriado em homenagem a Nossa Senhora de Aparecida, em que pessoas vestidas de verde e amarelo em campanha em favor de Bolsonaro foram filmadas perseguindo um peregrino que usava vermelho, ameaçando jornalistas.

Longe dos holofotes, religiosos contaram à Lusa que as ameaças e tentativas de politização dentro das igrejas estimuladas por fiéis estão a crescer, principalmente nas redes sociais.

“Estava até pouco tempo trabalhando na Amazónia. Lá nós temos um contexto de Brasil um pouco diferenciado do sul do Brasil. Voltando para o sul passei a perceber essa perseguição direta, muito mais nas redes sociais. Eu recebo muitas ofensas, muitas críticas pelas redes sociais. Na paróquia, graças a Deus ainda não”, contou à Lusa padre Rodrigo Shüler de Sousa, da Diocese de Osório.

“No nosso caso, nós somos líderes religiosos, estamos lá na paróquia, as pessoas percebem como é a vida real daquele padre, o cotidiano. Não é como as coisas acontecem, principalmente esses discursos de que padres são ligados ao comunismo, abortista, aos partidos de esquerda. A gente tenta [fazer] o possível, só que agora é muito difícil dialogar. O que está mais difícil hoje é dialogar”, acrescentou.

Na semana passada, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), principal instituição da Igreja Católica no país, condenou a exploração da religião na campanha para as eleições presidenciais do Brasil.

“Lamentamos, neste momento de campanha eleitoral, a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos na segunda volta”, lê-se no comunicado.

“Momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições. Desse modo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lamenta e reprova tais ações e comportamentos”, acrescentou o mesmo documento.

Padre num bairro periférico de São Paulo, o Itaim Paulista, Cristiano Manuel Rocha de Lima disse à reportagem que a polarização está levando pessoas a colocarem em causa quem defende alguns ensinamentos do evangelho.

“Infelizmente, a gente vê essa polarização muito grande. Por mais que a minha igreja seja na periferia de São Paulo, quase saindo já [da cidade] quando a gente prega o evangelho, e o evangelho, é muito claro, Jesus sempre esteve ao lado dos mais pobres, muita gente confunde. Estão confundindo a pregação do evangelho como se nós estivéssemos apoiando a esquerda, a ideologia da esquerda”, explicou.

Questionado se já sofreu ameaças, o padre disse que não, mas ouviu o que chamou de “murmúrios” que tem tentado evitar.

Já o padre missionário brasileiro Edgar Silva, que vive em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, que é palco de ataques de extremistas islâmicos, está de visita ao Brasil há 15 dias e ficou surpreso com o clima de ódio político.

Fazendo uma comparação entre a realidade dos dois países, o religioso explicou que Cabo Delgado é um palco de conflito que é visto como tendo causas religiosas mas há “um consenso, sobretudo, de pessoas que acompanham a guerra, de que o grande vilão é a questão económica.”

“Agora aqui no Brasil a questão é diferente porque nós vivemos num país maoritariamente cristão. Só que [existem] cristãos mais conscientes, mais fundamentalistas e cristãos fundamentalistas católicos e não católicos”, ponderou padre Edgar Silva.

“Neste final de semana estive em duas comunidades, uma comunidade bem popular de um bairro aqui, onde eu fui padre, e uma paróquia [num bairro] mais de classe média. Vi muitos insultos, muito autoritarismo (…) O que estamos vendo? Uma guerra religiosa baseada no ódio”, concluiu.