“Não sou de Carcavelos nem de Lisboa. Sou uma aldeiazinha pertinho de Viseu. Sempre gostei de estar no campo, fui criada no campo e costumo dizer que nasci no meio das couves”.

Para Marcília de Almeida, residente em Carcavelos, concelho de Cascais, a vivência na cidade não lhe retira o campo que permanece vivo na alma e na cabeça. É “dona”, desde 2014, de uma das 34 hortas comunitárias de Cascais -

“É a horta de São João, na Rebelva, pertinho da minha casa”, identifica ao referir-se ao terreno que lhe foi afeto pela autarquia. “Foi uma belíssima ideia, adorei e inscrevi-me logo”, embora só tenha recebido a parcela agrícola mais de um par de anos após o arranque da iniciativa da câmara municipal de Cascais, em 2009.

Aos 68 anos, vai à horta “de dois em dois dias, no verão e, no inverno, em que está frio, de três em três”, confessa. São dez anos de idas e voltas. “Gosto de estar em movimento com a terra e do cheiro da terra”, atesta durante a conversa com o SAPO24 no evento que juntou no Mosteiro de Santa Maria do Mar a câmara municipal de Cascais e a Nestlé Portugal e que serviu de mote à entrega, por parte da empresa, de 10 toneladas de composto ao projeto Terras de Cascais.

Marcília de Almeida pôs-se na fila para a recolha e acrescentará este composto biológico resultantes das cápsulas NESCAFÉ Dolce Gusto NEO ao “estrume de cavalo” que vai buscar “à Quinta da Cardiga, em Leceia”, conta. “Tenho um compostor onde ponho várias coisas e faço esse processo”, adianta.

Fala com orgulho do seu pedaço de terreno. “São 30 metros quadrados. É bom, porque dá para pôr um bocadinho de cada coisa”, acrescenta. “Todo o tipo de verduras, espinafres, nabiças, nabos, couves de todas as maneiras e feitios. Estão tão lindas. Olhe, vou doar algumas no sábado às famílias que necessitam, como fazemos sempre pelo Natal (programa solidário da CM Cascais)”, testemunha.

“Planto também batata normal e a batata-doce, as três qualidades, a normal, a laranja e a roxa, este ano até esteve bonitinha e vingou muito bem, a salsa, coentros, todas as ervas aromáticas, a hortelã, o tomilho e a erva-cidreira. Para o chazinho é uma maravilha”, cataloga.

Tudo o que extrai da terra é para consumo e distribuição pelos filhos, netos e “e a bisneta que tem 15 diazinhos e já come as verduras através da mãe”, sorri.

Hortas comunitárias, Cascais
Hortas comunitárias, Cascais créditos: Marcília de Almeida

“Promover a agricultura urbana no concelho”

Luís Almeida Capão, diretor municipal de Ambiente e Sustentabilidade da CM de Cascais, explica ao SAPO24 que o objetivo do Terras Cascais “é promover a agricultura urbana no concelho. Iniciado em 2009, criámos do nada e temos neste momento 34 hortas comunitárias que servem 755 famílias”, destaca.

“O presidente Carlos Carreiras costuma dizer, em tom de ironia, que foi a pior decisão que tomou na vida, porque sempre que inaugura uma horta, a lista de espera aumenta. Temos 1700 pedidos”, quantifica.

“A taxa de abandono é bastante reduzida, estamos a falar de 7% a 8% ao ano, é uma rotatividade reduzida, mas que nos permite, de alguma forma, até refrescar” os agricultores citadinos que, por qualquer razão, não continuam a pisar a terra.

Sem discriminação positiva, a autarquia entrega a quem está na lista de espera. “Há uma percentagem da horta nova dada à população da vizinhança sempre por ordem da lista de espera”, reforça. A chave na mão “é atribuída a quem cumprir, com sucesso, uma formação em agricultura biológica,” afirma.

A formação vai aos detalhes. “Como produzir determinados tipos de plantas, leguminosas, gramíneas, vegetais, frutos, utilizando as ferramentas que a agricultura biológica permite, desde indicadores biológicos a todo o tipo de agricultura regenerativa, tudo aquilo que é feito para que não sejam utilizados produtos que não abrangidos pela certificação da agricultura biológica”, realça.

As hortas a disponibilizar estão espalhadas pelo concelho. “Sempre que há um terreno que a autarquia perceba que tem capacidade de produção agrícola, agricultura local, biológica, sazonal, esse terreno, em vez de ficar expectante, porque o Plano Diretor Municipal de Cascais também está bastante definido, entre terrenos para equipamentos e terrenos para áreas verdes, é transformado num terreno produtivo, agrícola, de envolvimento da comunidade”, relata.

“As hortas não são para velhos”, exclama. “Temos avós, pais e filhos a concorrer, netos a usufruir. Temos uma classe etária bastante transversal, transversalidade que se estende à distribuição geográfica e temos todas as classes sociais representadas, de juízes até ao rendimento social de inserção”, refere.

O responsável municipal aproveita o tempo de antena e acrescenta dois exemplos que Cascais desenvolveu ainda no campo das hortas.

“A horta do Estabelecimento Prisional de Tires, produção de agricultura biológica mais massiva, com tratores, em que os alimentos produzidos são doados às IPSS de Cascais e famílias identificadas como carenciadas”, sublinha. “E a horta da Quinta do Pisão, aberta à população, projeto bastante mais integrado de agricultura sustentável a nível do ecossistema paisagístico, onde temos praticamente todos os sistemas agrícolas, florestais e silvopastorícia a funcionar”, resume.

Hortas comunitárias, Cascais
Hortas comunitárias, Cascais créditos: Marcília de Almeida

Além das hortas, as vinhas comunitárias dentro da região demarcada do Vinho Carcavelos, são o passo seguinte na aposta agrícola da edilidade. “Esperamos que, em 2026, culmine com a primeira edição do Vinho de Carcavelos”, aponta.

“Trata-se da recuperação total de uma vinha de praticamente 3 hectares, que estava ao abandono (onde será depositado parte do composto das 10 toneladas doadas pela Nestlé Portugal)”, acrescenta. “Experimentámos as castas típicas do Vinho de Carcavelos e vamos voltar a fazer como o Oeiras fez com a recuperação da vinha ali ao lado. A diferença é que o nosso vinho vai ser biológico e resultante de agricultura regenerativa”, anota Luís Almeida Capão.

O que tem este composto que serve hortas e vinha?

“Este composto orgânico que estamos a doar à Cascais Ambiente e ao projeto Terras de Cascais, é classificado como classe 1, a melhor classificação possível, e tem a valência de poder ser aplicado em hortas de agricultura biológica e agricultura regenerativa”, explica Miguel Abreu, responsável de Marketing de NESCAFÉ Dolce Gusto.

“Produzimos 10 toneladas de composto”, uma dose onde couberam “as cápsulas feitas à base de papel, combustável a nível doméstico e industrial que entregámos à Tratolixo após o evento do lançamento, a 31 de janeiro”, esclarece.

A esta novidade desenvolvida pela empresa, “juntámos outros resíduos orgânicos, verdes, de cortes de relva e restos de podas de árvores que deram mais matéria orgânica”, continua.

Hortas comunitárias, Cascais
Hortas comunitárias, Cascais créditos: Marcília de Almeida

“Através do processo da compostagem, estamos a devolver à terra o café que, em anterior momento, a terra nos tinha dado e a devolver à terra todos os materiais, neste caso, o papel, através do processo da compostagem”, assegura Hugo Silva, responsável de sustentabilidade na Nestlé.

“Os consumidores podem colocar a cápsula nos saquinhos verdes que temos em casa, junto com a casca da banana ou de ovo, restos de comida ou pão”, adianta.

“Todos estes resíduos vão para uma central de compostagem e através da compostagem industrial, que demora cerca de 3 meses, o processo de compostagem doméstica vai até 6 meses, transforma todos estes resíduos em composto orgânico”, finaliza Hugo Silva.