A este nada de novo. Recupera-se esta frase — com uma ligeira alteração — que intitula o romance clássico de Erich Maria Remarque para descrever o que se vem arrastando na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia desde o final do verão.

Desde que Alexander Lukashenko foi reeleito em condições altamente dúbias em 2020 — sendo que o resultado não foi reconhecido por muitos países, com a União Europeia à cabeça — e da violenta repressão a que submeteu a oposição ao seu Governo, que esta antiga república soviética tem estado sob pressão internacional.

Às sanções que a União Europeia tem vindo a redobrar, a Bielorrússia respondeu com uma aparente estratégia de permissão de entrada de muitos migrantes e refugiados do Médio Oriente no seu território, depositando-os depois junto à fronteira da Polónia. Os primeiros alertas surgiram no final de agosto e, com a chegada do mau tempo, a situação só tem vindo a agudizar-se

Desde o princípio do ano que a Guarda Fronteiriça polaca registou à volta de 32 mil tentativas de entrada na Polónia através da Bielorrússia: quase 17.300 em outubro, cerca de 7.700 em setembro e mais de 3.500 em agosto — recentemente foram mais 468 a tentar a sua sorte.

De um lado, tropas bielorrussas policiam a fronteira, trazendo migrantes e impedindo-os de regressarem — isto apesar da narrativa oficial ser a de que “não querem voltar”; do outro, os polacos militarizaram a sua entrada junto ao país vizinho e têm vindo a bloquear a entrada destas milhares de pessoas. No meio, vive-se o inferno da indefinição, da carestia, da violência física e psicológica, de quem não sabe para onde vai nem tem condições onde está.

Como a grande maioria dos conflitos do século XXI, todo este caso reveste-se de enorme complexidade:

  • A Polónia e os países do Báltico (Estónia, Letónia e Lituânia) acusam a Bielorrússia de conduzir um “ataque híbrido”, considerando que o estado vizinho está a fazer dos migrantes armas de pressão política e a descurar os seus direitos humanos. Já em agosto pediram a intervenção da ONU e agora consideram pedir uma consulta à NATO por sentir que a sua integridade territorial e segurança estão a ser ameaçadas.
  • Entretanto, a Ucrânia também já começou a militarizar a sua fronteira para impedir que ocorra situação semelhante.
  • Por seu lado, a Bielorrússia conta com o apoio da Rússia e Lukashenko pediu ao presidente russo Vladimir Putin o envio de bombardeiros nucleares para policiar a fronteira. Embora um confronto bélico seja pouco provável, os dois países têm vindo intensificar operações militares conjuntas e o ministro da defesa bielorrusso ameaçou “ripostar severamente".
  • Perante esta situação, a União Europeia anunciou que ia aumentar as sanções sobre a Bielorrússia, incluindo as pessoas e empresas que possam estar envolvidas nesta condução de migrantes para a fronteira. Como tal, há companhias aéreas que já começaram a impedir o voo de migrantes para Minsk, a capital bielorrussa.
  • Em resposta, perante a crise energética que assola a União Europeia, a Bielorrússia ameaçou fechar a passagem do gás russo pelo gasoduto Yamal-Europa se Bruxelas adotar “sanções inaceitáveis” contra o seu regime. No entanto, a Rússia já fez saber que tal não vai acontecer.

Os mais recentes desenvolvimentos deste conflito deram-se hoje, com o anúncio consumado de novas sanções da União Europeia e a confirmação da Polónia de que irá construir um muro de 180 quilómetros na fronteira para impedir a entrada dos migrantes.

Quanto ao primeiro ponto, o Alto Representante para a Política Externa e de Defesa da UE, Josep Borrell, disse que os estados membros estão a “procurar todas as soluções possíveis para impedir que o regime de [Alexander] Lukashenko nos vise e que deixe de usar a população”.

O Conselho da UE alterou hoje o seu regime de sanções à Bielorrússia, alargando os critérios de listagem a cooperantes do regime, para responder à instrumentalização de migrantes e ataques híbrido de Minsk. As novas sanções em si ainda não foram reveladas, sabendo-se que, até agora, abrangem 166 pessoas e 15 entidades com a proibição de viajar para a UE e o congelamento de bens no espaço europeu.

Já no caso da Polónia, o ministro polaco do Interior, Mariusz Kaminski, anunciou que o prometido muro vai ter a sua construção iniciada ainda este ano, com trabalhos a decorrerem 24 horas por dia, e terá um custo de 353 milhões de euros.

Não há respostas fáceis a esta situação: se é verdade que a União Europeia tem revelado tibieza quanto a crise migratória — basta olhar para o que se passa há anos na Grécia e na Turquia —, não é menos certo que a Bielorrússia tem aproveitado esse contexto para pressionar ainda mais os adversários geopolíticos.

Há milhares de pessoas presas entre dois países que não os querem e não parece haver solução à vista. Para lá da retórica, da propaganda e das atoardas, continuam a ser os mesmos de sempre a sofrer.