Diário de um pai em casa. Dia 45


Portugal é um país de “três efes”: Fátima, Futebol e Fado. Três fenómenos sociais que, à partida, unem os portugueses, diz a maioria. Hoje, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter dito que o Estado de Emergência terminará dia 2 de maio, apetece-me multiplicar os sons e as palavras começadas pela consoante.

Um grito que, depois de tantos dias fechados em casa a esconder-nos de um inimigo invisível, será tão fértil quanto a imaginação. Que é múltipla. Antecipo que muitos pensarão em vários outros “efes”. Acredito que o recolhimento apura os pensamentos.

Mas vamos primeiro à trilogia. Ora associada ao Estado Novo, ora uma caracterização redutora sobre o mesmo criada no pós-25 de abril, coloca em igual patamar de preferências as devoções, paixões e lamentos nacionais: a religião, o futebol, que para alguns também é uma “religião” e o fado (música e expressão máxima da saudade portuguesa).

Por estes dias, que não sabemos se ficam por ser irrepetíveis, muito se tem cantado, Fado e não só, em casa. Música pela voz de artistas e quem o faça até que a voz lhe doa. Canta-se em salas, quartos ou garagens, com transmissão pelas redes sociais. E mostramo-nos nas varandas do país, espaços que ganham palco de plateau da fama, aos vizinhos, e não só.

Parece que o Futebol pode estar de regresso, embora da Holanda e de França o fim tenha chegado com estrondo e antecipação. Da minha parte, um tanto ao quando divorciado com a bola nos anos recentes, rezo para que as condições de saúde permitam o retorno. Embora, tristemente sem público.

E Fátima, a cerimónia, já se sabe, será uma devoção em casa. Sem romarias. Espero que toque bem fundo tanto quanto as imagens do Papa Francisco na Praça São Pedro, durante a Páscoa. 13 de maio é também o dia que completo 49 anos. Será uma Festa diferente, sim, mas seguramente ao lado de pessoas de que gosto.

Fátima, Futebol e Fado. Crescemos a ouvi-los. Altura para fazer um update. E um acrescento. Da minha parte, fui buscar, cito de memória, outros “efes” que me recordo, num ápice, para juntar aos famosos três que associam à nossa identidade.

Fé. Nestes momentos duros e incertos, e nos dias que se seguem, seguramente diferentes, a Fé terá sido, e será, o colo de mãe que muitos procuraram e vão procurar. Para que não atingisse os seus. Que passasse rápido. E que, acima de tudo, que tudo volte a ser aproximadamente o que era. Ou que recupere daquilo onde caiu. Mais ou menos crentes, estou certo que a maior parte fez e fará o seu caminho das pedras. Eu, pelo menos, fiz e farei.

Família. Acrescento outro “F”. O “F” de Filhos. Um não anda sem o outro. Com estes dois “efes”, partilhamos espaços e ar durante 24 horas. A casa é muita coisa ao mesmo tempo. É um local de cowork partilhado. Onde se come. Onde estão depositadas as nossas bicicletas. Os cães. O local, o mesmo local, do qual desligamos da escola virtual e do teletrabalho e nem precisamos de chave para entrar e sair.

Faz-de-conta. Apetecia-me que tudo isto fosse um enorme faz-de-conta. Que nada disto aconteceu. Infelizmente não é. E quanto ao Filme que aí vem, sabemos que deverá ser diferente daquilo que queríamos que fosse.

Funeral. Demasiados funerais sem luto. Despedidas que não foram feitas. Ato reduzido a cerimónias sem abraços de consolo que afaguem a dor.

Por fim, o quarto “F”. O “F” de Fim. Começo, a partir de hoje a contar os dias para a chegada do dia 2 de maio. Para o anúncio do Fim do Estado de Emergência. Com o prenuncio que seja o Fim do princípio e não o princípio do Fim.