Rodrigo Barros jogou futebol no Brasil, Alemanha, Estados Unidos da América e Portugal, onde viria a terminar precocemente uma carreira que não se esperava que fosse. Pendurou cedo as botas, foi para Silicon Valley, São Francisco e vestiu a camisola de empreendedor.

Anderson Luís de Souza, conhecido como Deco, foi um mágico com a bola nos pés. Deu os primeiros pontapés no país onde nasceu, Brasil, atravessou o Atlântico, aterrou na Luz, vestiu de encarnado no Benfica, Alverca e Salgueiros, mas seria de azul que o número 10, para uns, melhor que o Pelé, se mostrou. O Porto abriu-lhe as portas da seleção nacional e ofereceu-lhe o bilhete de ida para Barcelona. De número 20 nas costas, da cidade Condal saltou para Londres (Chelsea) e de lá regressou a casa (Fluminense), clube onde, em 2013, se despediu dos relvados. Transformou-se num empresário e é hoje diretor desportivo do Barcelona.

Um amigo comum colocou Deco e Rodrigo a jogar na mesma equipa. O SAPO24 falou com ambos não sobre a bola, mas sobre o presente que envolve comida saudável e liderança.

Uma história de 17 anos antes de chegar a Portugal

A Boali Healthy Food, empresa brasileira de alimentação saudável é a razão que junta no mesmo lado da mesa Rodrigo Barros e Deco, o “Mágico”.

Rodrigo adiantou-se na conversa com sotaque e gramática brasileira. “A Boali nasce em 2015, mas há um precursor, a Salad Creations, companhia americana que os meus sócios Vítor (Giansante) e Fernando (Bueno) levaram para o Brasil em 2007. No total, a companhia tem 17 anos. Nove de Boali e oito que precedem esta história”, clarificou.

“Em 2007 quando se falava em vender salada era uma loucura total. Quem vai ficar vivendo só de salada, perguntavam. E esse foi um aprendizado  [uma aprendizagem] importante, porque em 2013 deixamos de vender só salada para vender salada, wraps e crepes. Mantivemos o core business de alimentação saudável e não largámos”, referiu.

“Hoje parece óbvio, todo mundo fala que este é o momento, mas há 17 anos foi o nosso momento, tivemos a visão de investir neste mercado antes deste mercado ser o que é hoje”, assinalou.

Depois do Brasil, Estados Unidos da América, onde entraram em 2022, as ambições viajam para a Europa, entrada feita pela porta portuguesa. “A visão de longo prazo é de ser a maior empresa de alimentação saudável do mundo, a maior dentro do franchising, em número de operações, mas também em volume de alimento. É bastante ambicioso, mas está no nosso site, acredito nisso e vamos executar o plano”, reforçou o empresário brasileiro.

Rodrigo Barros acredita no modelo franchising e explicou porquê. “Dá uma capacidade de escala maior do que o negócio de capital próprio, justamente porque o sistema faz com que o franqueado seja o nosso sócio e, no final do dia, é o dono da sua operação”, esclareceu.

Pausa o discurso para apresentar os números no Brasil. “Para o mercado brasileiro são mais de 80 operações, 100 até agosto e vamos chegar às 120 este ano. Temos neste momento 19 em abertura, 17 em fase de implantação”, detalhou. “Temos 500 colaboradores e mais de 100 milhões de reais de faturação”, disse.

Virou a agulha para Portugal. “Somos associados da Associação Portuguesa de Franchising e a ideia é ter um Master Franchise. Já fizemos todo o trabalho de backoffice, de inteligência de logística e supply chain (cadeia de fornecedores)”, adiantou.

“Agora é colocar esse projeto para rodar e fazer a nossa expansão”, comunicou. O plano prevê “20 operações nos próximos dois anos” suportados por “três milhões de euros investimento” para no final do terceiro ano “ter 10 milhões de euros de faturação”, antecipou. “E vamos criar 150 empregos diretos”, assegurou.

“Lisboa e Porto são as duas primeiras cidades”, mapeou, “mas já estamos a olhar um ponto no Algarve e temos uma franqueada já bastante avançada”. O portfólio divide-se “entre 50% e 60% dentro de shoppings e os outros 40% a 50% fora de shoppings, aí dividindo entre rua e zonas comerciais de prédios corporativos”, identificou.

Sobre a entrada em Portugal, recordou ainda que a empresa tem “fornecedores globais, o centro de distribuição é global, a logística é global, mas execução local. E aí, o distribuidor de alimento, certamente, 70% vai ser em Portugal”, revelou Rodrigo Barros, CEO da Boali.

As afinidades na tomada de decisão

Depois dos números, tempo de falar de pessoas. Deco, até então em silêncio, entrou suavemente em campoTudo aconteceu quase por acaso “numa conversa com a minha irmã, com a Paula (mulher) e também com o Pedro, meu filho, ávido consumidor da Boali e que nos apresentou este conceito que poderia encaixar no que procurávamos para a Arena DecoBeach, onde sempre pensámos ter comida saudável, ligada à saúde, só que não tínhamos nenhum know-how”, recordou o ex-jogador.

“O Guto, um sócio nosso na NoBlu, empresa de eventos desportivos onde o meu filho trabalha, providenciou um encontro com o Rodrigo. Mas era muito mais pensado para eventos e patrocínios (a cadeia é patrocinadora do Iron Man no Brasil, Rali dos Sertões)”, confessou o diretor desportivo do emblema catalão.

Rodrigo recuperou a bola. “No encontro com o Deco para uma operação no Brasil estendi para ele o nosso interesse e objetivo de internacionalizar para a Europa, tendo Portugal como porta de entrada”, recordou. “E o Deco falou, poxa, mas então o que está faltando. Falei que estava faltando uma pessoa e ele falou, eu posso ser essa pessoa”, disse.

A redondinha voltou para os pés de Deco. “Não tinha nos meus planos, sinceramente, investir num negócio que gosto, mas não domino. Ou seja, para mim é sempre muito difícil investir em alguma coisa que foge um pouquinho”, assumiu o ex-internacional português.

As afinidades deram um empurrão à tomada de decisão. “A gente começou a falar de várias coisas em comum, ele (Ricardo) jogou no Corinthians na época em que eu estava jogando no Corinthians, jogou em Portugal, no ano que eu estava aqui”, confidenciou.

“(O Ricardo) explicou da internacionalização da marca, que já estava caminhando pelos Estados Unidos e que entrar na Europa passaria por Portugal, onde já estavam há dois anos trabalhando, estudando e mapeando. E aí, ele falou, fica na tua cabeça essa ideia. Se você topar ser sócio nosso, beleza, acho que é uma coisa que teria sentido”, reviveu a conversa.

Mais depressa do que inicialmente pensado, Deco disparou. “Falei, Rodrigo, pô, eu estou disposto. Preciso entender como a gente vai fazer, estou animado”, rematou.

Várias foram razões que levaram o ex-jogador Deco a investir. “Primeiro, a credibilidade da marca e do Rodrigo. É uma coisa que me identifico, que gosto, a minha mulher também é apaixonada por comida saudável, ou seja, tem tudo a ver com o que é o nosso dia-a-dia de casa. E por achar que Portugal também tem capacidade de absorver um crescimento grande e tem essa mudança de comportamento que existe nas novas gerações”, certificou.

“Não estava procurando nenhum negócio para investir. A coisa foi acontecendo, como te falei, nessa informalidade do almoço, que era para uma coisa específica. Talvez se pegasse o Rodrigo no início (da empresa), talvez não sei se seria o momento, talvez se eu não tivesse a Arena e se o meu filho não conhecesse ... não tem muita explicação aí”, sorriu. “São momentos de vida de cada um que acabou por se encontrar. Acho que é por aí”, abreviou.

Na verdade, acho que a liderança é a vida mesmo”

Os investimentos de Deco distribuem-se pelo imobiliário, empresa de eventos, restauração e uma empresa de agenciamento de jogadores (D20 Sports), entretanto encerrada para abraçar o cargo de diretor no Barça.

“Na verdade, eu não tenho nenhum plano específico. Sinceramente, como falei, não gosto de fazer coisas onde não consiga dedicar um tempo possível. Mesmo se não tenho experiência, e não tenho na questão da alimentação, sei que posso acrescentar, nesse caso específico, alguma coisa ao projeto em Portugal”, detalhou.

Rodrigo Barros introduziu a liderança da conversa. “O Deco foi um craque dentro de campo, mas também tem sido um craque fora de campo. E a liderança que o Deco exerce fora do campo, sem dúvida, foi uma condição sine qua non para a nossa decisão”, assegurou.

“A nossa decisão não foi ter um jogador de futebol ou alguém famoso para ser sócio. Nunca foi isso”, afirmou. “A maturidade do Deco de ter sido líder e craque fora de campo, obviamente, conta mais para ser nosso sócio do que ser famoso”, assegurou o CEO da Boalis que dá um outro exemplo. “Temos o Edu Guedes (chef e piloto de automóveis) que é muito famoso no Brasil, mas não é pela fama, é pela pessoa que faz parte do projeto”.

No único momento em que se falou de futebol (estava prometido não falar), as analogias com o mundo da bola saem da boca de ambos.

“O Deco sempre foi um cara que recebeu da linha de trás e fez a bola chegar na frente, quando não era ele que acabava finalizando. A compreensão que ele tem de tocar a bola e ao mesmo tempo de receber é a compreensão que ele traz hoje no dia a dia para a empresa. A capacidade que ele tem de confiar, não sei se é delegar, mas confiar de facto no escopo daquilo que está determinado, ou seja, essa linha do campo aqui pode deixar que eu vou resolver, essa linha aqui você vai resolver e aí a gente se complementa quando as linhas se cruzarem. Acho que esse é o ponto”, asseverou.

“Mas tem uma coisa importante no Deco: a humildade. Tem sempre um comportamento de humildade e isso é dizer estou aqui para aprender, estou aqui evoluindo”, caracterizou. “Esse comportamento vem da maturidade que o Deco tem e é isso que a empresa pede. E isso na tomada de decisão fica cada vez mais evidente”, sublinhou.

“Um dos maiores ativos (do Deco) talvez não seja nem o dinheiro, nem a fama, mas é a capacidade dele de tomar decisão aliado à nossa capacidade de tomar decisão que vai fazer com que um possa somar e multiplicar com o outro nessa tomada de decisão. Afinal de contas, fazer uma empresa prosperar é tomar boas decisões”, elucidou Ricardo Barros.

Deco agarra no tema. “Na verdade, acho que a liderança é a vida mesmo. Não sei se nasce, acho que ela se transforma”, começou por dizer. “Sou de resolver as coisas, não sou de lamentar, porque não dá tempo para lamentar”, sublinhou.

“É um pouco como o futebol. O futebol é duro, as derrotas são duras, difíceis e complicadas. Mas tinha sempre a oportunidade de refazer. O futebol tem uma coisa muito boa que é a cada três dias você tem uma nova oportunidade. Às vezes, você é injustiçado numa empresa e demora mais tempo, no futebol tem uma oportunidade nova, mas também é julgado o tempo todo”, avisou.

“Ou seja, é uma coisa bastante constante, bastante engano. Eu acho que aprendi. Tudo soma, a vida pessoal, a vida profissional, as dificuldades, os acertos, os erros, mas a liderança acho que vem um pouco de pegar a rédea da tua vida, saber que ela depende de você, de Deus, óbvio, mas se você não pegar, ninguém vai fazer. Você tem que fazer, tem que atuar, tomar decisões, tem que cuidar dos teus filhos, é um pouco por aí”, resumiu.

“As coisas vão acontecendo, no fundo. Nos momentos difíceis, é duro, é complicado, é complexo, mas tem de ter tranquilidade, tentar ter a cabeça fria e tomar decisões. É a mesma coisa quanto à educação dos teus filhos, é o momento de tomar decisões pessoais, é o momento de tomar decisão da empresa”, comparou para fim de conversa. Sem falar de contrações e defeso futebolístico.