Na sessão de homenagem a Nelson Mandela, promovida pelo Ministério da Justiça e pela União Internacional de Advogados (UIA), Francisca Van Dunem acentuou "a dimensão integral de lutador pela causa da liberdade, da não discriminação e da paz".

"Assistimos, aqui, nesta singela cerimónia, a um tributo a um homem singular. Um homem que quebrou barreiras – do medo, da violência, do ódio – que desceu aos infernos e subiu ao cume da montanha. Cujo exemplo de vida inspirou gerações e que continuará a inspirar gerações de mulheres e homens em África e em todo o mundo", referiu.

A ministra da Justiça acrescentou que se celebra o centenário do nascimento de Mandela, primeiro Presidente negro da África do Sul (1994-1999), "num ambiente de incerteza, em que densas nuvens pairam sobre democracias, se fragilizam os valores do Estado de Direto e se reavivam fenómenos de intolerância e discriminação, fazendo pairar sobre o mundo sombras de passados que criamos há muito, enterrados".

Van Dunem, que aludiu à luta do líder histórico sul-africano contra a segregação racial, afirmou que Nelson Mandela, "na sua dimensão de homem de leis, assumiu o direito como arma essencial para combater a injustiça".

A ministra recuperou a memória do julgamento de Rivonia, em 1963 e 1964, no qual Mandela, que estava a ser julgado, em que se dirigiu ao juiz exigindo "direitos políticos iguais", porque "sem esses direitos, as insuficiências" das pessoas negras "serão permanentes".

"Com quase 30 anos de cadeia, violentamente apartado de um mundo que se movia e transformava, Mandela foi o exemplo da razão que assistia a um grande advogado português, Francisco Salgado Zenha, também ele combatente pela democracia e pela liberdade, quando afirmava que só é vencido quem desiste de lutar", salientou Francisca Van Dunem.

A governante exortou a que todos "sejam dignos do exemplo" de Mandela, Prémio Nobel da Paz em 1993, que "nunca desistiu" e "resistiu na prisão", para, depois de libertado, exemplificar "o que mundo de hoje mais precisa: de entendimento, de capacidade de diálogo, de criação de pontes".

Por isso, Van Dunem considerou que se deve "exprimir a adesão ao seu exemplo", porque, "onde estiver a injustiça, a falta de solidariedade, a discriminação, a iniquidade, aí está Mandela".

Na cerimónia, em que esteve presente o bispo católico timorense Carlos Ximenes Belo, Prémio Nobel da Paz em 1984, o presidente da UIA, Pedro Pais de Almeida, recordou a luta de Mandela contra o 'apartheid' e vincou "o feito" em 1962.

"É importante referir que, em 1962, na África do Sul, havia uma comunidade de cerca de 3.000 advogados e só 13 advogados eram de raça negra", referiu, acrescentando que era "um feito ser advogado em 1962" no país sul-africano.

O presidente da UIA disse que Mandela é, "sem dúvida, considerado o mais importante líder da África Negra e o pai da moderna nação sul-africana, onde é normalmente referido como Madiba (nome do seu clã) ou "Tata" ("Pai")".

Pedro Pais de Almeida, que classificou Mandela como "um advogado e um líder rebelde", entregou a medalha de membro honorário da UIA a Mandela, a título póstumo, cerimónia que teve a presença do presidente da Ubuntu Global Network, John Volmink, e do professor da Universidade de Stellenbosch Willie Esterhuyse.

Legado de Mandela baseia-se na dignidade e na integridade

O legado de Nelson Mandela baseia-se na liderança, integridade e dignidade, consideraram os participantes numa conferência realizada em Lisboa, a propósito da passagem do centenário do nascimento do ex-Presidente sul-africano, cuja data se comemora hoje.

Na conferência, realizada terça-feira no Teatro Thalia, o escritor e jornalista britânico John Carlin, que acompanhou o percurso de Nelson Mandela, disse que nenhuma ação do ativista e político teria surtido efeito “se não transmitisse integridade, que significa confiança”.

Willie Esterhuyse, professor emérito e honorário da Universidade de Stellenbosch, centro do pensamento do Congresso Nacional Africano, partido fundado e liderado por Nelson Mandela, considerou que a libertação do dirigente histórico sul-africano em 1990, após 27 anos de prisão, foi um momento crucial para consolidar o respeito que já granjeava e preservar a sua dignidade.

Intelectual africânder (grupo étnico da África do Sul), Willie Esterhuyse recordou as palavras de Mandela, quando este disse que só sairia da prisão depois de todos os outros presos políticos serem libertados.

Para John Volmink, professor sul-africano envolvido na renovação curricular pós-apartheid, o legado de “Tata” (como também era tratado Mandela) na África do Sul traduz-se na “esperança de poder participar ativamente na sociedade e decisões que afetem a vida própria”.

Nelson Mandela tinha como principal capacidade a de escutar e criar empatia com qualquer pessoa, acrescentou John Volmink.

Mandela desempenhou um papel reconciliador perante a população afetada pela violação dos direitos humanos, salientou.

O escritor zambiano Martin Kalangu-Banda, autor de “Leading Like Mandela”, são necessários líderes consensuais à escala global, como Nelson Mandela, face à “perturbação” que o mundo atravessa atualmente.

O “poder de surpreender os adversários com generosidade e compaixão”, foi a caracterização feita por Eugénia Quaresma, da Academia Ubuntu de Portugal, enquanto o judoca português Nuno Delgado destacou Mandela como um “grande desportista”.

Delgado, vice-campeão olímpico de Judo em 2000, Mandela percebeu que o desporto era uma oportunidade para “promover o desenvolvimento do mundo”, como o fez com a organização do Campeonato Mundial de Râguebi em 1995 na África do Sul, onde todos se uniram em torno da seleção, independentemente da cor da pele.

Hoje celebra-se o Dia Internacional de Nelson Mandela, decretado pela Organização das Nações Unidas em 2009 para manter viva a memória de um dos impulsionadores da democracia e paz mundial.