Quando Freddie Mercury entrou no ano de 1990, tinha (quase) tudo. Através da sua posição enquanto frontman dos Queen, desde que 'Bohemian Rhapsody' se havia tornado um êxito em 1975 até ao estrondoso concerto que o grupo deu no Live Aid, era uma das maiores estrelas rock no planeta, e considerado um dos maiores, se não mesmo o maior, vocalista da sua geração. A sua conta bancária, recheada, permitia-lhe todos os luxos e mais alguns, da mansão em Kensington (Londres) à sua vasta coleção de arte japonesa. As suas festas de aniversário, onde reinava o deboche, eram lendárias. Na sua lista de contactos estavam nomes como David Bowie, com quem compôs 'Under Pressure', ou a soprano catalã Montserrat Caballé, com quem escreveu 'Barcelona' e ajudou a diminuir o fosso entre a música rock e o mundo da ópera. E havia também descoberto o amor e a tranquilidade de uma relação duradoura, na figura do ex-cabeleireiro Jim Hutton, com quem vivia.

Entre as poucas coisas que Freddie não tinha estava uma cura para a SIDA, doença que acabou por levar à sua morte prematura em 1991, sensivelmente dez anos após ter contraído HIV. Hoje talvez estejamos cada vez mais perto de a encontrar, e é agora perfeitamente possível levar uma vida plena sendo-se portador do vírus. Mas, há 30 anos, ter SIDA era quase como que uma sentença de morte, tanto física como social. O desconhecimento em torno da doença e o preconceito contra a população homossexual, o grupo mais afetado por ela, transformava os seropositivos em párias. Os medicamentos criados para a combater estavam ainda na sua fase experimental – o que significa que não eram tão eficazes quanto se esperava – e nem todos tinham acesso a eles.

Semana Europeia do Teste

A Semana Europeia do Teste VIH-Hepatites começa esta segunda-feira com rastreios gratuitos em todo o país direcionados principalmente aos grupos mais vulneráveis.

Até 29 de novembro, será possível fazer rastreios “gratuitos, rápidos e anónimos” a estas doenças em 33 organizações distribuídas pelo país.

Os interessados podem encontrar informação sobre os locais na página do Facebook da Semana Europeia do Teste.

Unidade Móvel de Rastreios 

A Unidade Móvel de Rastreios “Saúde + Perto”, da Liga Portuguesa Contra a SIDA, funciona todo o ano. Consulte os locais e os horários na página de Facebook da Liga.

Linha SOS SIDA

  • 800 20 10 40
  • Dias úteis entre as 17:30 e as 21:30
  • Linha gratuita, anónima e confidencial

Rastreio e diagnóstico da SIDA

Tão ciente estava Freddie de que o mundo o olharia com outros olhos, assim que declarasse ter SIDA, que só o fez vinte e quatro horas antes de largar o seu último suspiro, na mesma mansão onde se refugiou nesses mesmos últimos anos de vida, rodeado apenas pelo namorado e pelos seus amigos mais próximos. No seu pensamento não estaria apenas a ideia de querer manter intacta a sua imagem (só na hora da sua morte é que muitos fãs dos Queen descobriram que Freddie era homossexual), como também a de se querer manter afastado das objetivas e das manchetes dos tablóides britânicos, que se alimentavam de rumores e histórias escabrosas.

Mas, e apesar de o seu corpo já não responder como Freddie pretendia, e apesar de a esperança diminuir a cada dia que passava, o músico recusou-se a baixar os braços. No seu último ano de vida, gravou um álbum, “Innuendo”, e vários temas soltos com os Queen (que acabariam no póstumo “Made In Heaven”). Dedicou os seus tempos livres a cuidar de um lago com carpas ornamentais japonesas, que havia mandado construir, e a mimar os seus gatos, criaturinhas que amava mais que a quaisquer outras. Escreveu o seu testamento, deixando boa parte dos seus pertences à mulher que amou, e que foi sua melhor amiga até à morte, Mary Austin. E procurou a privacidade que normalmente não é conferida às estrelas rock, sobretudo se a sua vida pessoal gerar parangonas cor-de-rosa. Como se quisesse morrer nos seus próprios termos e condições. E fê-lo.

Orgulho e preconceito

Os anos 80 foram, grosso modo, os melhores da vida de Freddie Mercury. Não só pela sua produção artística – o punk não tinha conseguido acabar com a popularidade dos Queen, que continuavam a ser acarinhados pelo grande público apesar de nunca terem tido o respeito da crítica, um pouco à semelhança dos Led Zeppelin, anos antes –, como também pelo privilégio de, sendo multimilionário, poder viver como queria. Aquando do fim da sua relação com Mary Austin, depois de lhe ter confessado «acho que sou bissexual», o músico partiu à descoberta de si mesmo, navegando de encontros casuais para encontros casuais. Acabou por descobrir os prazeres ocultos de uma Nova Iorque que, no início dessa década, era uma espécie de Meca para a comunidade homossexual, o local onde todos os tabus eram permitidos (desde que escondidos). Foi presença assídua em clubes como o Mineshaft ou o The Anvil, onde só era permitida a entrada a homens e a (muito poucas) drag queens. E foi também aí que, numa noite tórrida como tantas outras, acabou por contrair o vírus que o matou.

Não é possível precisar uma data exata para o contágio, mas sabe-se que, em 1982, Freddie Mercury tinha já um dos sintomas mais associados ao HIV: uma lesão na língua, denominada de leucoplasia pilosa, que provoca um aspeto esbranquiçado num dos bordos laterais e é frequente em casos positivos. Seguiram-se-lhe outros sintomas ao longo dos meses e anos subsequentes, mas só em 1986, já depois de ter ficado chocado com a morte do ator Rock Hudson (que também conseguiu esconder a sua homossexualidade do mundo, a isso sendo obrigado pelo preconceito alheio), que tinha SIDA, é que a consciência da doença chegou a Freddie. 

Freddie Mercury, 1984 | JEAN-CLAUDE COUTAUSSE / AFP

Após umas férias no Japão, com Jim Hutton, foi confrontado com uma manchete do “News of the World”, que aludia ao facto de ter contraído HIV. De acordo com a notícia, tinha sido testado e o resultado havia sido positivo, o que era à altura apenas uma meia verdade: o músico ainda não tinha decidido testar-se. Ao “The Sun”, mostrou-se combativo: «Tenho ar de quem está a morrer com SIDA?». Mas Hutton, em “Mercury and Me”, testemunho pessoal da sua relação com Freddie, contou-o de outra forma. «Esse artigo deixou-o numa pilha de nervos durante alguns dias. Normalmente ele ignorava as especulações da imprensa, mas dessa vez foi como se tivessem tocado num ponto sensível», escreveu.

Semanas depois, é por fim testado, com o teste a comprovar que tinha contraído efetivamente o vírus. Desolado, chega a dizer a Jim Hutton que, caso este queira, porá um fim à relação entre ambos. «Eu disse-lhe que o amava e que não iria abandoná-lo, nem então nem nunca. Nunca tomei plena consciência das consequências daquilo que ele me contou. Foi algo para o qual eu nunca estive preparado, nem sabia como lidar com isso. Ele não gostava de falar sobre a sua doença, e a partir daí, se havia algo a dar na televisão sobre a SIDA, ele mudava de canal ou desligava-a. Não é como se não tivesse empatia para com os outros, só não queria que o lembrassem do seu próprio destino».

Os seus conflitos com a imprensa não ficariam por aí. Em 1987, Paul Prenter, seu antigo amante e confidente, dá uma entrevista ao “The Sun” na qual abre o livro em relação à doença do músico, ao seu consumo de drogas e aos seus antigos casos amorosos. Pior: dois desses casos já tinham falecido, devido à SIDA. A entrevista derruba-o emocionalmente, e Freddie não voltaria a confiar em ninguém da mesma forma. Hutton referiu mesmo, em “Mercury and Me”, que o músico não fez quaisquer «novos amigos» após esse episódio, preferindo a companhia daqueles que lhe eram mais íntimos.

Por esta altura, começam também a surgir rumores em torno de um hipotético fim dos Queen, especialmente quando o seu vocalista afirma, em nova entrevista, que não pretende voltar a fazer digressões. A doença começava a pesar-lhe, sobretudo o cansaço físico por ela despoletado. Porém, eram apenas isso: rumores. Profissional e musicalmente, a banda continuava prolífica, lançando “The Miracle” em 1989 e pouco tempo depois voltando ao estúdio para gravar “Innuendo”, que se tornaria no último álbum lançado pelos Queen com Freddie ainda vivo.

O espetáculo deve continuar 

O estado de saúde de Freddie Mercury foi ocultado, durante algum tempo, dos seus colegas de banda. Eventualmente, o músico não pôde senão confessar a Brian May, Roger Taylor e John Deacon que tinha SIDA, até por uma questão de controlo de danos: Freddie não queria ver a sua vida privada devassada pelos jornais, e os restantes membros dos Queen seguiram-lhe os passos, continuando a garantir à imprensa que o músico se encontrava de boa saúde apesar de o seu aspeto físico – sobretudo uma brutal perda de peso – causar desconfiança. Em “Somebody To Love”, biografia de Freddie Mercury escrita por Matt Richards e Mark Langthorne, que dedicam também várias páginas à história do HIV e da SIDA e no mundo, há uma citação de Brian May em que o guitarrista admite: «Ocultámos tudo. Fugimos às perguntas. Mentimos porque queríamos protegê-lo».

Era, provavelmente, um sentimento mútuo. “The Miracle”, o primeiro álbum gravado pelos Queen após Freddie receber um diagnóstico positivo, foi também o primeiro onde todas as canções do alinhamento foram creditadas aos quatro membros da banda, e não apenas ao seu compositor de facto. “Innuendo” seguiu-lhe os passos, talvez porque Freddie, cuja generosidade para com os seus amigos era bem conhecida, não quisesse que May, Taylor e Deacon passassem por quaisquer problemas financeiros após a sua morte. O que o fez, de igual modo, continuar a «trabalhar até cair para o lado», como afirmou então. Até porque, ao longo de toda a sua vida, foi sobretudo a música aquilo que o alimentou e com a qual deixou um legado enormíssimo no planeta.

Antes de começar a gravar “Innuendo”, os Queen marcaram presença nos BRIT Awards, a 18 de fevereiro de 1990, onde foram galardoados com um prémio especial pela sua contribuição para a música. Foi a última aparição pública de Freddie Mercury, que já se encontrava visivelmente desgastado. Em palco, aquela que é para muitos a melhor voz de sempre do rock proferiu apenas três palavras: «Obrigado, boa noite». A despedida possível de um homem que amou, mais que nenhum outro, as luzes da ribalta e se via, agora, obrigado a abandoná-las.

No mês seguinte, os Queen voaram para Montreux, localidade desde sempre presente no coração de Freddie – que chegou a lá viver, e onde hoje encontramos uma estátua erguida em sua homenagem – para gravar “Innuendo”, até para conseguir fugir aos paparazzi que rondavam a casa do vocalista em Londres. Dessas sessões nasce aquela que viria a ser uma das canções mais pungentes do grupo, tendo em conta o contexto em que surgiu: 'The Show Must Go On'. Ainda que não tenha sido composta, de forma deliberada, com a doença de Freddie Mercury em mente, essa temática foi-lhe imposta sobretudo nos anos que se seguiram à morte do músico. «Eu escrevi a maior parte da letra, para que o Freddie a cantasse», revelou Brian May mais tarde. «A dada altura, perguntei-lhe se ele se sentia confortável em fazê-lo, e ele disse que por ele estava tudo bem, que iria dar tudo. E foi o que fez. Acho que essa canção contém uma das melhores partes vocais que ele fez em vida. Por essa altura sentia-se muito fraco, mas ainda ia buscar forças para cantar».

Estátua de Freddie Mercury em Montreux | EPA/LAURENT GILLIERON

O álbum acabaria por ser editado pela Hollywood Records, detida pela Disney, com quem os Queen assinaram contrato em novembro desse ano. A editora conseguiu, também, comprar os direitos sobre todo o seu catálogo – o que, após a morte de Freddie, significou lucros astronómicos. As grandes estrelas rendem sempre mais quando falecem, e Freddie Mercury não foi exceção. Não que a Hollywood soubesse que o fim do músico estaria próximo. Mesmo quem trabalhou com ele de perto, como o engenheiro de som Gary Langan, não pensou que daí a um ano estaria a lamentar a sua morte. Claro que os sinais estavam lá. «Ele estava a tentar ser o mais reservado possível», afirmou Langan, que ficou chocado com o aspeto físico de Freddie. «Não foi bonito de se ver».

Montreux acabou por se tornar num escape, já que na Suíça «as pessoas habituaram-se a ver-nos por lá, e ninguém nos chateava», conforme explicou Brian May. No Reino Unido, os rumores persistiam e os jornais insistiam. Numa festa de lançamento para “Innuendo”, o guitarrista viu-se mesmo forçado a questionar os presentes se aquela voz presente no disco soava à de alguém «doente ou a morrer». Sim, para ambas: o que não impedia Freddie de se dedicar ao seu trabalho a 100%. «Quanto mais doente ele ficava, mais parecia precisar de gravar», afirmou Roger Taylor, citado em “Somebody To Love”. «Precisava de algo para fazer, um motivo para acordar de manhã. Foi um período muito intenso em termos de trabalho».

Os (últimos) dias da sua vida

Vivendo – ou sobrevivendo – com dores insuportáveis, febres e náuseas várias, Freddie foi tentando aproveitar o pouco tempo de vida que lhe restava. No verão de 1990, recebeu uma visita em sua casa da irmã, Kashmira, acompanhada pelo marido. É nesta altura que lhe revela estar a morrer com SIDA, mas pede-lhe que não conte aos pais. Sentia que não estariam preparados. Só na véspera da sua morte, com a publicação de um comunicado onde revela o seu estado de saúde ao mundo, é que os pais de Freddie Mercury souberam tudo o que se passava com o filho.

Não era fácil escondê-lo, e todas as semanas parecia acontecer algo que ameaçava destruir a fachada que Freddie Mercury ergueu para se resguardar. Também no verão, descobre que um antigo cozinheiro e amante seu, Joe Fanelli, contraiu igualmente o vírus. O músico ficou arrasado, e comprou a Fanelli uma casa em Chiswick onde este passou os seus últimos meses de vida. «Estávamos todos muito preocupados sobre o que a imprensa diria se descobrisse que o Joe também estava doente», afirmou Jim Hutton. «Imaginámos as manchetes doentias que escreveriam, iriam chamar à nossa casa “Mansão da SIDA”». E o próprio Hutton acabou por não conseguir escapar ao HIV: após descobrir que é seropositivo, escondeu a verdade a Freddie, para não o perturbar ainda mais.

À entrada para 1991, Freddie sabia já que o seu tempo neste planeta se estava a esgotar. Ao longo do ano, procurou descansar o mais que pôde por entre as suas obrigações contratuais com a Hollywood. Ao gravar o vídeo para 'I'm Going Slightly Mad', o seu estado de fraqueza era tal que foi forçado a encher o rosto de maquilhagem, recorrendo também a uma farta peruca negra, para o esconder. 'These Are The Days Of Our Lives' marcou a sua última presença em frente a uma câmara: o vídeo foi rodado a preto e branco para disfarçar a sua aparência. No final, vemos Freddie a sorrir e a sussurrar I still love you. Foi o seu último adeus aos fãs.

A 5 de setembro, Freddie Mercury celebrou o seu 45º aniversário, rodeado apenas de alguns amigos – uma dolorosa exceção às suas festas anteriores, que ficaram famosas pela opulência. Em “Somebody To Love”, os autores referem que ninguém, dentro do seu círculo de amigos, esperava que Freddie durasse até essa data, dado que a sua saúde vinha-se progressiva e rapidamente fragilizando. No seu próprio livro, Hutton referiu que o músico sabia que não estava «no pico da forma», e que já não podia «disfarçar o facto de estar a chegar ao fim da sua vida». «Não queria dar uma festa enorme para os seus amigos, porque não queria que eles vissem o quão triste se encontrava. A única coisa que ele queria, no último aniversário dele, era privacidade».

Em outubro, e na companhia de Hutton, Freddie viaja para Montreux pela última vez, passando os dias no sofá da sua casa suíça a ver filmes. Durante a sua estadia, decide deixar de tomar os medicamentos com os quais ia prolongando o seu tempo de vida, de forma ténue. «Tinha vivido a sua vida como quis, e viveu-a de forma plena. Sem a capacidade para continuar a fazer música, para que viveria ele?», podemos ler em “Somebody To Love”. E Hutton acrescentou, em “Mercury And Me”: «A luta contra a doença tinha terminado. Ele sentia-se preparado para partir, sem reagir».

A 10 de novembro, o músico regressou a Londres, sem ainda saber que não poderia concretizar o seu último grande sonho: passar o Natal em Montreux. Garden Lodge, a mansão em Kensington, transforma-se então na sua fortaleza, o lugar onde poderia manter uma aura de controlo perante a inevitabilidade da morte. Do lado de fora, dezenas de jornalistas tentavam, sem sucesso, obter uma imagem que fosse que acabasse – ou provasse os rumores de que Freddie estava a morrer com SIDA. Lá dentro, Hutton tentava ser o rochedo de Freddie. «Encontrei alguma paz de espírito enquanto trabalhava no jardim», escreveu. «Vivi para a alegria que ele tinha, de me olhar a trabalhar desde a janela. Trabalhei no jardim até ao seu último dia. Mesmo nesse dia, cortei a relva».

Há uma voz que nunca se apaga

Pouco menos de duas semanas depois, Freddie Mercury decide, por fim, revelar o seu estado de saúde ao mundo. Uma reunião com Jim Beach, manager dos Queen, em sua casa foi essencial para a decisão, que surpreendeu os seus amigos mais próximos. Após anos e anos a guardar religiosamente o seu segredo, Freddie contou-o ao mundo, gerando ondas de choque consideráveis. «No seguimento das conjeturas realizadas pela imprensa ao longo das últimas duas semanas», podia ler-se, «desejo confirmar que testei positivo ao vírus do HIV e que tenho SIDA. Julguei ser sensato ocultar esta informação até hoje, de forma a proteger a privacidade dos que me rodeiam. Mas é hora de os meus amigos e os meus fãs, por todo o mundo, saberem a verdade e espero que se juntem a mim, aos médicos e a todos aqueles que lutam contra esta doença horrível».

É possível que Freddie se tenha inspirado no anúncio, com o mesmo teor, de Rock Hudson, anos antes, o qual o marcou profundamente. Mas também há quem considere que o músico não desejava de todo exibir publicamente a sua doença, tendo a isso sido impelido por Jim Beach. «Tive sempre dúvidas de que o Freddie tenha escrito esse comunicado de sua própria vontade», afirmou Jim Hutton em “Mercury And Me”. «Manteve tudo em segredo durante tanto tempo, que soou estranho ter querido começar a confessar o que fosse, como se tivesse algo de que se envergonhar. Tenho a certeza que ele sentia que o seu destino não deveria tornar-se num debate público».

O comunicado foi lançado a 22 de novembro, e imediatamente noticiado por jornais de todo o mundo. Pouco mais de 24 horas depois, às 18h48, Freddie morria em Garden Lodge. «Eu ia a caminho de casa dele, para o visitar, e estava a uns 200 metros de lá chegar quando o Peter Freestone [assistente pessoal de Freddie Mercury] me liga para não me incomodar, porque ele tinha morrido», contou Roger Taylor mais tarde. Não tardou para que fãs de toda a parte se juntassem à porta de Garden Lodge, enchendo o jardim da mansão de flores e mensagens em homenagem ao músico. A 27 de novembro, dá-se o funeral de Freddie; uma cerimónia zoroastriana, a pedido dos pais, que professavam essa mesma religião. Só a família e os amigos próximos, entre eles os membros dos Queen, marcaram presença. O corpo de Freddie Mercury foi cremado, e até hoje ninguém – exceção feita a Mary Austin, a quem Freddie confiou essa tarefa – sabe onde foram deitadas as suas cinzas.

créditos: Facebook Queen

Se a sua música teve um impacto tremendo naqueles que a escutaram e a elegeram como banda-sonora para as suas próprias vidas, a sua morte não o teve menos no que tocou a consciencializar o mundo para a luta contra a SIDA. «A morte do Freddie Mercury fez com que esse assunto chegasse às manchetes de jornais de todo o mundo», explica Annie Lennox, dos Eurythmics, em “Somebody To Love”. Em abril de 1992, os restantes membros dos Queen criaram o The Mercury Phoenix Trust, organização de apoio à luta contra a doença. Nesse mesmo mês, teve lugar um concerto de tributo a Freddie Mercury, no Estádio de Wembley, que contou com 72 mil pessoas e artistas como os Metallica, Elton John, David Bowie, Guns N' Roses ou George Michael. O evento foi transmitido ao vivo para 76 países e estima-se que tenha sido visto por mais de mil milhões de pessoas.

Esse concerto não significou apenas o adeus a Freddie Mercury: significou, também, um ponto de viragem na carreira dos Queen. Se, em vida, o vocalista havia afirmado que o grupo acabaria se qualquer um dos seus quatro elementos o abandonasse, a verdade é que os Queen, sem John Deacon (que após o lançamento de “Made In Heaven” decidiu procurar a sua própria privacidade), continuam a tocar as suas canções até hoje – primeiro com a ajuda de Paul Rodgers, desde 2011 com a de Adam Lambert. Para manter vivo o legado de Freddie, mas talvez, também para proteger os seus próprios interesses.

«Sei que o Freddie teria aprovado [o espetáculo], mas tive reservas em relação a alguns dos que atuaram», escreveu Hutton. «Havia artistas que ele não conhecia. Pensava que a ideia era ter apenas aqueles que, da indústria musical, eram seus amigos íntimos». Richards e Langthorne vão mais longe. «Não houve Aretha Franklin, Michael Jackson, Montserrat Caballé. Não houve referências à ópera, ao ballet, à música clássica, e não se escutou nada do trabalho a solo de Freddie. Talvez o concerto tenha sido mais sobre Brian, Roger e John do que sobre Freddie. Talvez tenha sido a forma que encontraram de lidar com a morte dele, de lamentá-la publicamente e tirá-la dos seus sistemas», escreveram. Talvez a continuação dos Queen ainda seja, no fundo, um luto. Talvez seja uma homenagem contínua ao legado de Freddie Mercury. Seja o que for, e 30 anos após a sua morte, que a sua música continue a eclodir por toda a parte é o maior testemunho daquilo que nos deixou.

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