Hind Rajab, uma criança palestinana que estava desaparecida há quase duas semanas no meio dos combates em Gaza foi encontrada morta juntamente com vários familiares, confirmou o Hamas e a própria família este sábado, 10 de fevereiro.

O caso de Hind chegou às manchetes porque a menina de apenas seis anos fez um telefonema desesperado de ajuda no momento do ataque. Também se questiona a atuação das forças israelitas que terão, neste contexto, aberto fogo contra um carro cheio de civis e contra uma ambulância enviada para resgatar a menor.

Hind fugia de Gaza na companhia de uma tia, um tio e três primos e o carro onde viajavam foi aparentemente interceptado por um tanque israelita, escreve a BBC. Uma gravação de áudio entre Hind e os serviços de emergência sugerem que a menor foi a última sobrevivente no veículo.

Segundo a sua família, em declarações à AFP, Hind encontrada na manhã deste sábado, num carro perto de um posto de gasolina no bairro de Tel al Hawa, na cidade de Gaza, depois de os tanques israelitas se retiraram da área ao amanhecer. Segundo um paramédico do Crescente Vermelho, citado pela BBC, o carro onde Hind seguia com a família foi encontrado com os vidros partidos e cravejado de balas.

Uns metros mais à frente foram encontrados os remanescente de um outro veículo, completamente queimado, que, segundo o Crescente Vermelho, é a ambulância que tinha sido enviada para tentar resgatar Hind. A equipa de dois paramédicos que nele seguia, Yusuf al-Zeino e Ahmed al-Madhoun, também foram encontrados mortos. A organização acusa as forças israelitas de terem atacado a ambulância assim que esta chegou ao local, a 29 de janeiro, apesar de terem dispendido horas a negociar com as forças israelitas a autorização de acesso ao local onde Hind se encontrava.

A mãe de Hind, que esperou quase duas semanas para saber o que tinha acontecido à sua filha, desafiou o Crescente Vermelho a divulgar detalhes sobre a tentativa de coordenação com as forças israelitas.

Uma chamada desesperada

A BBC divulga detalhes da chamada por ajuda de Hind. Na segunda-feira, 29 de janeiro, as tropas israelitas pediram a retirada de civis da zona oeste da cidade de Gaza, indicando que seguissem para sul através de uma estrada junto à costa.

A mãe da criança de seis anos, Wissam, e os filhos mais velhos decidiram colocar-se a caminho a pé. Mas Hind, devido à idade e ao mau tempo — "estava muito frio e a chover" —, seguiu no carro dos tios. O carro seguia em direção à Universidade de al-Azhar quando acabou por dar de caras com tanques israelitas. Dentro do carro, os familiares de Hind fizeram chamadas para a família e para os serviços de emergência a pedir ajuda.

Por volta das 14h30 (hora local), uma operadora do Crescente Vermelho ligou para o telemóvel do tio de Hind, mas foi a sua filha de 15 anis, Layan, a atender. Esta relatou  que os irmãos e pais estavam mortos e que havia um tanque perto do carro. "Estão a disparar contra nós", contou. A chamada acaba abruptamente ao som de tiros e de gritos, detalha a BBC.

Quando a equipa do Crescente Vermelho ligou de volta foi Hind a responder, com uma voz quase inaudível, tornando-se claro que era por esta altura era a única sobrevivente, pois disse que os seus familiares "dormiam". "Eu disse-lhe para os deixar dormir, que não os queríamos incomodar", conta Rana Faqih, a operadotra do Crescente Vermelho que esteve com Hind ao telefone durante horas.

Rana pediu a Hind que se escondesse debaixo dos bancos e que não deixasse que ninguém a visse. "O tanque está perto de mim, está a mexer-se", relatou, pedindo repetidamente que alguém a fosse buscar. "A certa altura ela disse-me que estava. ficar escuro", conta Rana. "Estava assustada. Perguntou-me se a minha casa era muito longe, senti-me impotente", continua.

Três horas depois do início da chamada, uma ambulância saiu ao encontro de Hind. Antes, o Crescente Vermelho conseguiu contactar a mãe de Hind e colocou as duas a falar.

A última vez que a operadora soube de Hind ou da ambulância em que seguiam os seus colegas foi no momento em que foi notificada de que se encontravam perto do local e a aguardar autorização por parte das forças israelitas para avançar.

Por duas vezes a BBC questionou as forças israelitas sobre detalhes das operações nesse dia e sobre o desaparecimento de Hind — e a resposta foi que estavam a averiguar.

O exército israelita também não respondeu às perguntas da AFP sobre os disparos contra um carro cheio de civis ou sobre o paradeiro daqueles que até hoje eram dados como desaparecidos.

As regras ditam que o pessoal médico não pode ser atacado em zonas de conflito e que os civis têm direito e receber tratamento médico — o melhor tratamento possível, no menor tempo possível, dadas as circunstâncias.

No passado, Israel acusou o Hamas de usar ambulâncias para transportar armas e militares.

"Catástrofe iminente"

O desfecho da história de Hind surge numa altura em que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, classificou como "excessiva" a resposta de Israel na Faixa de Gaza após os ataques de 7 de outubro pelo movimento islâmico Hamas.

Sobretudo porque e exército israelita intensificou os seus ataques em Rafah, no sul de Gaza, na fronteira com o Egito, para onde os palestinianos fugiram por indicação de Israel e onde 1,3 milhões de palestinianos sobrevivem em condições de sobrelotação.

A par, aumentam os receios de uma incursão terrestre de Israel nesta zona. O ministro da Defesa, Yoav Gallant, já tinha sugerido várias vezes na semana passada que Israel avançaria em direção a Rafah quando terminasse as suas operações em Khan Younis. Ontem, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ordenou a retirada de civis de Rafah.

Segundo o gabinete do primeiro-ministro, este pediu ao exército um "plano combinado [...] para a evacuação da população e a destruição dos batalhões do Hamas" em Rafah.  "É impossível atingir o objetivo da guerra sem eliminar o Hamas e deixar quatro batalhões do Hamas em Rafah" e, para isso, também é necessário que "os civis deixem as zonas de combate", afirmou em comunicado o chefe do governo israelita.

Essa possibilidade parecia mais distante, uma vez que estava a ser negociado um outro possível acordo de cessar-fogo para libertar reféns e prisioneiros palestinianos, mas as conversações parecem estar estagnadas, já que o Hamas exige uma cessação definitiva das hostilidades e a retirada das tropas israelitas do enclave, algo a que Netanyahu se opõe fortemente.

Tanto a ONU como os EUA manifestaram a sua preocupação quanto a uma possível expansão da ofensiva terrestre do exército israelita para Rafah. O Departamento de Estado advertiu na quinta-feira que uma operação militar nesta zona sem um planeamento adequado para a retirada de civis seria “um desastre”. A Arábia Saudita fala numa "catástrofe iminente".

O número de mortos contabilizados na Faixa de Gaza ultrapassou hoje os 28 mil, em consequência dos contínuos ataques israelitas contra este enclave palestiniano, anunciou o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo grupo islamita Hamas.