Instalado no Palácio Stephens, um edifício do século XVIII, o museu de dois andares inclui documentos e coleções únicas, no centro da “capital do vidro”, com a Escola Profissional e Artística da Marinha Grande como vizinha.
“O museu relata a nossa história, a nossa identidade, o nosso ADN. É aqui que nascemos enquanto cidade, enquanto território. Foi aqui que se construiu toda a vida do que são os marinhenses”, comenta, em declarações à Lusa, a presidente da Câmara da Marinha Grande (distrito de Leiria), Cidália Ferreira (PS).
A autarca destaca que neste museu está “refletida toda a história” iniciada com Guilherme Stephens, que no século XVI adquiriu a sua primeira indústria de vidros, até então pertencente a John Beare.
“À volta de todo este museu existe um património que também foi um legado de Guilherme Stephens e que ainda hoje preservamos. É o único museu nacional que conta a história do vidro, que conta esta arte, o artesanato e a arqueologia, na investigação que foi a história do vidro em Portugal”, acrescenta Cidália Ferreira.
O vidro não tem segredos para Alfredo Poeiras, um dos poucos mestres vidreiros que resistem e há 52 anos trabalhador nesta indústria. No estúdio Poeiras Glass, “as peças são quase todas únicas”.
“Não recorremos a moldes. Fazemo-las inteiramente modeladas com as mãos. Seguimos desenhos ou a nossa imaginação e trabalhamos o vidro a 1.100 graus, com a utilização de diversas cores”, revela.
Com um brilho nos olhos, Alfredo Poeiras considera que o museu é também seu: “Na altura da inauguração empenhei-me e tive uma equipa a trabalhar. O museu também é muito meu, como pessoa e como vidreiro.”
Alfredo Poeiras destaca o papel deste espaço - “vai transmitir às novas gerações um pouco da história” do vidro, “que se vai perdendo”.
O mestre assume-se como “uma espécie em vias de extinção”.
“Lamento muito. As empresas fecharam e não é um trabalho atrativo para os jovens de hoje. O vidro inteiramente manual tem os dias contados”, diz.
Alfredo Poeiras duvida da capacidade para atrair jovens para o setor, até porque “hoje em dia quase todo o vidro é feito com 'robots'”.
No seu entender, as novas tecnologias “tiram a parte criativa ao vidro, que lamentavelmente nunca teve um salário digno”. Essa limitação levou a que as pessoas se afastassem, num “processo irreversível.”
O vidreiro explicou que “quase todas as empresas têm défice de vidreiros”, até porque “demora muitos anos” a dominar a arte e “as empresas também nunca quiseram investir na sua formação”.
O Museu do Vidro recebeu mais de 370 mil visitas em 20 anos de vida. O espaço foi requalificado para servir como biblioteca, teatro, escola e museu, entre outros, constituindo um forte polo cultural.
“São cerca de 25 mil visitantes por ano, que levarão esta história. Qualquer peça de vidro que aqui está reporta-nos para séculos anteriores e para a sua história; reporta-nos para as mãos que souberam sempre, ao longo de todos estes séculos, trabalhar o vidro e dar-lhe esta forma artística que ainda hoje tem”, afirmou Cidália Ferreira.
Nas vitrinas do Museu do Vidro, sublinha, está "contemplada a história de tantos operários vidreiros que com as suas mãos foram transformando todos os objetos em obras de arte", mesmo quando têm uma vertente utilitária.
Cidália Ferreira exemplifica com o candeeiro de uma das salas, que é “uma réplica daqueles que estão na Casa Branca”.
Sindicato dos Vidreiros lamenta perda do “saber fazer belas peças” manuais de vidro
“A população da Marinha Grande e do país, têm um sentimento de perda, porque foi e é uma perda deste saber fazer belas peças quer em vidro transparente, como nas diversas cores, diversos formatos, diversos tamanhos. Também estamos a perder o saber fazer transformar as peças produzidas em vidro com a aplicação da gravação, lapidação e outras decorações, as quais são valorizadas pela beleza”, referiu à Lusa a dirigente sindical Etelvina Rosa, a propósito dos 20 anos do Museu do Vidro.
Segundo a dirigente, “não existe máquina que consiga atingir os níveis de perfeição e detalhe artístico, tal como os trabalhadores, com as suas mãos, transformam em peças únicas, cada uma diferente da outra”.
Etelvina Rosa sublinhou, contudo, que o setor do vidro continua a ser de grande importância para o concelho da Marinha Grande: “Existe um forte subsetor do vidro de embalagem, as denominadas garrafeiras, que está em expansão e com um peso considerável na exportação”.
A presidente da Câmara da Marinha Grande acrescentou que o “vidro, como todas as outras coisas na Marinha Grande, se inovou”.
“As três grandes fábricas de vidro do país estão sediadas na Marinha Grande e só de uma saem 500 camiões por dia. Multiplicado pelas três, veja-se quanto vidro não sai do concelho para todo o mundo. O vidro cresceu e cresceram os moldes. Aliás, os próprios moldes nasceram dos moldes do vidro e evoluíram para aquilo que hoje temos de melhor a nível internacional”, reforçou Cidália Ferreira (PS).
Etelvina Rosa destacou que o vidro tem ainda um grande peso na economia da Marinha Grande.
“Devemos ter em conta que temos das maiores empresas de vidro a nível nacional, com elevados níveis de exportação, que empregam direta e indiretamente muitos trabalhadores e que contribuem para a economia do município”, disse.
Os setores de referência são, atualmente, o vidro de embalagem, a cristalaria manual e automática, o vidro científico e a transformação do vidro.
“No concelho existe uma empresa de produção de vidro manual, mas há que salientar que no limite do concelho, embora já no concelho de Alcobaça, há duas fábricas de produção manual. Na Marinha Grande temos uma empresa de média dimensão de fabricação cristalaria automática também em expansão e forte em exportação”, explicou Etelvina Rosa.
Segundo a dirigente sindical, existem nove empresas na área deste setor - três são de produção do vidro de embalagem, três de vidro científico, uma de cristalaria automática, uma de produção manual e uma de transformação. No total, os quadros destas empresas empregam 1.670 trabalhadores.
Existem ainda algumas microempresas na área dos acabamentos das peças das fabricadas.
“Além das empresas de vidro, é importante ter em conta todo o desenvolvimento económico criado no concelho, com empresas de metalurgia que são necessárias às empresas vidreiras, assim como o comércio”, salientou Etelvina Rosa.
Para a dirigente sindical, a “industrialização não é um mal, porque na produção do vidro de embalagem são necessárias milhares de peças diariamente, produzidas em série, necessárias para produtos de consumo”, como, por exemplo, “boiões, garrafas para azeite, vinho, cervejas, águas”.
“Mas esta é somente uma vertente de um subsetor do vidro. É evidente que fazem falta ao nosso concelho empresas de produção de vidro tradicional, o saber dos seus trabalhadores, o passar o conhecimento aos mais novos de transformar a matéria-prima incandescente em peças de utilidade doméstica e de decoração”, alertou.
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