“O ideal seria todos [os formandos] serem monitorizados, mas devido ao financiamento, isso não é viável”, lamentou Joana Guedes, uma das docentes que faz parte do projeto liderado pelo professor Mário Vaz (que também defendeu a mesma ideia hoje em tribunal) que está a ser desenvolvido em parceria com o Exército, com vista à deteção precoce da rabdomiólise (desintegração das fibras musculares devido ao excessivo esforço).
A professora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto explicou ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa que dois dos 67 instruendos do 127.º curso de Comandos, no qual morreram os recrutas Hugo Abreu e Dylan Silva, em setembro de 2016, foram “escolhidos aleatoriamente" pelos Comandos para vestirem "um colete fino" durante o curso, equipado com um dispositivo que regista parâmetros como a temperatura corporal e as frequências cardíaca e respiratória.
“Tratou-se de uma fase de experimental, na qual utilizámos os equipamentos apenas para recolha de dados e sem interferência na instrução. Os dados dos dois instruendos estavam normais, face à intensidade do exercício ministrada. Os indicadores mostram que houve fases de exercício físico intenso intercaladas com fases de descanso”, explicou a docente.
Contudo, Joana Guedes deixou uma ressalva: “Não estive lá, não sei qual o tipo de instrução dada”, sublinhou, acrescentando que as respostas diferem de instruendo para instruendo, razão pela qual “não pode garantir” nem se pode extrapolar estes resultados para os restantes formandos do 127.º curso de Comandos.
A professora contou que no próximo curso de Comandos serão, no máximo, seis os instruendos que usarão estes equipamentos, devido aos custos elevados associados.
Joana Guedes salientou que os mesmos “ajudarão a reduzir os riscos” inerentes a uma atividade física intensa e, desta vez, com uma intervenção “mais direta” por parte dos investigadores responsáveis pelo projeto.
Mário Vaz, líder deste projeto, também ouvido por videoconferência, reiterou a posição de Joana Guedes, congratulando-se com o facto de no próximo curso de Comandos “haver maior rigor científico, uma componente científica”, o que não acontecia no passado.
O académico sublinhou que a instrução nos cursos de Comandos mudou.
“O treino foi repensado, há uma proteção acrescida [aos instruendos], o acompanhamento médico é outro”, frisou Mário Vaz.
Questionada pela procuradora do Ministério Público (MP), Cândida Vilar, sobre se sabia que o guião do 127.º curso de Comandos permitia apenas três litros de água por dia, e que no dia 04 de setembro de 2016 estavam 23 dos instruendos numa tenda “por falta de água”, o docente disse desconhecer o valor previsto no manual de instrução.
Contudo, ressalvou que nas reuniões que manteve com os responsáveis militares pelo 127.º curso, estes tinham sempre presente “uma preocupação” com a água que seria dada aos instruendos.
Mário Vaz disse ainda que até agora só recebeu “parcialmente” os dados clínicos dos instruendos que estiveram internados no hospital, os quais são “importantes” para se perceber exatamente o que se passou no dia 04 de setembro de 2016.
Para a manhã de quinta-feira ficou agendado o início do debate instrutório.
A instrução é uma fase processual facultativa que visa a comprovação ou o arquivamento por um juiz da acusação da acusação do MP, cabendo ao juiz decidir se leva ou não os arguidos a julgamento.
Em junho do ano passado, o MP acusou 19 militares no processo relativo à morte de dois recrutas dos Comandos e internamento de outros, considerando que os arguidos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos".
Entre os acusados está o tenente-coronel Mário Maia, diretor da primeira prova (Prova Zero) do 127.º curso de Comandos, o capitão Rui Monteiro, Comandante da Companhia de Formação do mesmo curso, Miguel Domingues, capitão e médico responsável pela equipa sanitária, e o sargento enfermeiro João Coelho.
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