Este não é um texto jornalístico sobre a morte de Vítor Feytor Pinto, que morreu hoje aos 89 anos.

Não vai ser por aqui que vai saber mais sobre o seu papel determinante na ponte entre a religião e a sociedade civil, sobre o seu trabalho à frente da Pastoral da Saúde, a sua defesa do SNS, a forma desempoeirada como lidou com a crise da toxicodependência ou como chegou a desafiar alguns dogmas católicos pelo bem da comunidade. Para isso, o melhor é mesmo ler a entrevista que deu a esta mesma casa em 2019.

Esta é uma pequena pincelada que, talvez, ajude a compor um retrato maior.

Balizando a escala temporal entre 20 e 15 anos passados, este jornalista, uma jovem, imberbe e irrequieta criança, passou a — pela mão dos avós maternos que moravam ali mesmo ao lado em Alvalade — frequentar a catequese da paróquia do Campo Grande.

Nesses tempos, a fé religiosa era inversamente proporcional à vontade de passar fins de tarde e sábados de manhã ao serviço de Deus — hoje, a paciência é certamente outra, mas a fé, essa, desvaneceu também. Todavia, do rol de pessoas devidamente equipadas para lidar com a inquietação infantil, havia uma que parecia fazê-lo sem o menor esforço.

Por mais que os ditames da boa educação determinassem que todos devessem estar em silêncio durante a missa, ao padre Vítor Feytor Pinto não era sequer necessário fazer esse pedido. Ele falava e o resto ouvia, e a sua voz não carregava imposição ou dureza. Pelo contrário, era pela candura da palavra que conquistava e amainava os espíritos.

Numa fase onde a Igreja Católica volta uma vez mais aos holofotes mediáticos pelas piores razões, a instituição perde um dos seus estimados cultores e que se destacou pelas melhores razões: o Deus que Feytor Pinto professava não era vingativo ou sedento de sacrifício, mas sim de ternura, de genuíno amor pelo próximo, de infinita paciência, de gosto pelo diálogo e com um sentido de humor transbordante.

Creio nunca ter visto o padre Vítor Feytor Pinto cabisbaixo, zangado ou soturno — certamente que experienciou estes sentimentos, mas como o esteio de positividade que se prestou a ser, era sempre com um sorriso estampado que abordava os demais.

Por mais que a sua vida de fé tenha ficado para trás, este que escreve este pequeno texto não esquece como foi Feytor Pinto a fazer as exéquias dos seus avós e ofereceu o seu abraço caloroso — tão gigante e afável quanto possível — para aplacar a perda. Se, de facto, houver um além, estarão os três em boa companhia, trocando anedotas e comungando entre si como tanto gostavam.