Em entrevista à agência Lusa a propósito das negociações do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018), concedida antes das reuniões que decorrem esta semana com os partidos que apoiam parlamentarmente o Governo socialista de António Costa, João Oliveira falou sobre as propostas comunistas em matéria fiscal, nomeadamente a criação de dez escalões no IRS, o dobro dos que atualmente existem.
"[O desdobramento de escalões do IRS] foi uma das soluções que se discutiu no Orçamento do Estado para 2017 que acabou por não ser concretizada porque se encontrou um problema que tinha que ver com o efeito que isso teria nos rendimentos mais elevados”, revelou João Oliveira, sublinhando que o objetivo “não é propriamente” o desagravamento de impostos nos rendimentos mais altos.
Segundo o líder da bancada parlamentar do PCP, "esse problema foi identificado e foi isso que levou à circunstância de não haver já no Orçamento do Estado para 2017 uma alteração nos escalões do IRS que fosse nesse sentido".
Pois, "falar em desdobramento de escalões é falar de uma coisa muito indefinida" porque "depende sempre do limiar que se coloca para cada um dos escalões", ficando "por se saber qual é a taxa que se aplica a cada um dos escalões", acrescentou.
"Os escalões terão sempre que ser desdobrados para haver mais escalões do que aqueles que há hoje. Seja no segundo, seja no terceiro", considerou.
O líder da bancada parlamentar do PCP adiantou ainda que os comunistas partem para as negociações com o Governo com "propostas concretas" em relação aos escalões do IRS, escusando-se, no entanto, a concretizar que propostas são essas.
João Oliveira considerou ser "possível dar avanço de forma progressiva", para "reverter o saque fiscal que foi introduzido em sede de IRS pelo anterior Governo, de cerca de 3,6 mil milhões de euros".
"Falou-me em 200 milhões de euros [que o Governo tem para aliviar a carga fiscal dos baixos rendimentos]. Nós não nos damos por amarrados a esses valores porque nós consideramos que essa questão dos escalões e do IRS não pode ser tida em conta em função desta ou daquela limitação que pode surgir", respondeu.
Recordando que os comunistas já vão discutir esta questão com o Governo pelo terceiro Orçamento do Estado consecutivo, o deputado foi perentório: "o ponto de partida do PCP são os dez escalões, mas nós nunca enjeitamos a possibilidade de ir avançando, ainda que não imediatamente, para a reposição dos oito escalões e acrescentando outros dois".
João Oliveira detalhou ainda que a discussão que o PCP quer fazer "sobre matéria de política fiscal não é apenas sobre o IRS, nem só sobre os escalões do IRS".
Também em entrevista à Lusa esta semana, o primeiro diretor dos serviços do IRS da Autoridade Tributária e Aduaneira, Manuel Faustino, alertou que o desdobramento do segundo escalão do IRS em dois patamares "não vai beneficiar nada" os contribuintes do nível inferior de rendimentos, "mas todos os superiores vão ganhar" porque o imposto é progressivo.
Em junho, o ministro das Finanças, Mário Centeno, disse que o seu gabinete estava "a desenhar uma medida que vai ao encontro de uma necessidade de alívio fiscal" no intervalo de rendimentos do segundo escalão, cujas famílias "têm uma taxa marginal de imposto muito elevada".
Durante o programa de resgate, o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, reduziu o número de escalões do IRS, de oito para cinco, uma alteração que, até agora, o executivo de António Costa não reverteu.
PCP "não passa cheques em branco" ao Governo
O PCP assegura que, em relação ao Orçamento do Estado para 2018, "não passa cheques em branco" ao Governo socialista que apoia parlamentarmente e recusa fazer esta discussão "na base de linhas vermelhas".
João Oliveira, traçou os "cinco grandes domínios" do orçamento em que o partido vai procurar intervir: reposição de rendimentos e direitos dos trabalhadores, pensões, questões fiscais, investimento público e serviços públicos.
"Nós nunca passamos cheques em branco e também não fazemos discussões na base de linhas vermelhas. A ideia das linhas vermelhas que se marcam numas áreas e que permitem que em todas as outras se aceite tudo aquilo que é imposto não corresponde à forma de estar nem à forma de intervir do PCP", assegurou, a propósito da viabilização do OE2018.
O PCP, acrescentou, não desliga o Orçamento do Estado "do conjunto mais geral de opções políticas que o Governo vai fazendo", considerando que "a discussão na base das linhas vermelhas não é forma de discutir o que quer que seja".
"Queremos avançar naquilo que é possível avançar, não desperdiçando nenhuma oportunidade para avançar no quadro político que hoje existe, mas não deixando de fazer as críticas", enfatizou.
Sobre o voto do PCP, João Oliveira explicou que "a apreciação geral do OE2018 resulta daquilo que, em concreto, o OE2018 for". "Essa discussão ainda está por fazer. Faremos a apreciação do orçamento no momento em que ele for apresentado pelo Governo, tomaremos a nossa posição de voto, mas nem damos de barato, nem damos por garantido, nem por perdido o que quer que seja", prometeu.
De acordo com o líder da bancada parlamentar comunista, houve reuniões com o Governo "antes do mês de agosto, haverá reuniões durante este mês e esse trabalho vai ter que prosseguir".
"O exame comum do OE2018 tem que ser feito com rigor e com a profundidade que o orçamento exige", justificou, considerando que o orçamento obriga "a concentração de atenção em vários domínios, livre das amarras e dos condicionamentos internos e externos".
Detalhando aqueles que são os domínios nos quais o PCP fará propostas e exigências ao Governo, o deputado do PCP explicou que pretendem eliminar "os cortes e as restrições que ainda subsistem". "É preciso consolidar o aumento de pensões que foi aprovado no último orçamento por insistência e proposta do PCP e que é necessário considerar um aumento de pensões para 2018", defendeu ainda.
Em relação à questão fiscal, os comunistas querem "eliminar benefícios fiscais que são injustificados como aqueles que o grande capital beneficia", para além de, em matéria de IRC, quererem "avançar com a derrama sobre as grandes empresas que têm mais 35 milhões de euros de lucros".
Outra proposta nesta matéria é referente ao Pagamento Especial por Conta, defendendo "a definição de critérios objetivos para que as pequenas e médias empresas não sejam obrigadas a pagar impostos acima daquilo que devem".
"Há necessidade de reforçar o investimento público, em particular para dar resposta a problemas com que hoje os serviços públicos se confrontam na resposta que dão aos utentes. Isto verifica-se nos transportes, saúde, educação", explicou, recordando que "a quebra do investimento público foi dramática" nos últimos anos de governação da direita.
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