“É essencial que admitamos que o problema existe, mas também é importante que se diga que a questão não é ignorada”, nomeadamente pelo Estado, realça o jurista e vogal do Conselho Diretivo do ACM.

No Centro Nacional de Apoio a Integração de Migrantes, em Lisboa, por estes dias com algumas pessoas à porta colocando questões sobre a proteção legal e social dos migrantes no quadro excecional de pandemia de covid-19, José Reis observa que o debate sobre o racismo é “mais ou menos incendiário, mais ou menos fraturante” consoante as conjunturas e os protagonistas.

“Atualmente, temos vários atores, a nível mundial e nacional, que têm essa vontade mais fraturante”, constata, frisando: “Não vou contribuir para dar palha para esses protagonistas ‘queimarem’ mais ainda a questão. O racismo é demasiado sério para estarmos com bocas no Facebook.”

A solução para o problema não passa por “insultos, acusações, atos extremos”, mas sim pelo “diálogo”. O tema do racismo "já está demasiadamente associado à violência, está na hora de haver paz a tratar isto”, defende.

Não é otimista ao ponto de acreditar que o racismo será, um dia, eliminado. “Podemos dar condições para que o racismo seja algo muito mitigado e muito controlado. A melhor forma de fazermos isso é capacitarmos todas as pessoas para que se sintam cidadãos de pleno direito e se sintam integrados na sociedade”, defende.

Para José Reis, o racismo anda de mãos dadas com a desigualdade. “Temos de criar condições de paz social, de igualdade, de acesso à educação, à cultura, ao desporto... O problema é que esse acesso – e sabendo nós que os imigrantes e muitos descendentes das ex-colónias estão nesses bairros problemáticos e carenciados - não é dado a essas pessoas. Se esses jovens, essas crianças não tiverem acesso a isso, nunca estarão em condições de igualdade para depois poderem competir com os demais”, analisa.

“Se, desde criança, não sou estimulado para o pensamento, para uma intervenção cívica, para uma intervenção política, muito naturalmente não haverá candidatos, depois, para estarem numa Assembleia da República”, aponta.

Admitindo que começou por acreditar que bastariam as mesmas condições para chegar lá como os outros, o jurista perdeu a ingenuidade e agora sabe que “também há o sistema” e que é esse que faz do racismo algo estrutural. “As duas coisas têm de trabalhar lado a lado”, reconhece, dizendo que ainda está “em processo” de reflexão sobre a imposição de quotas baseadas na raça ou na etnia. “Continuo a achar que a questão das quotas, por si, não resolve”, admite, temendo que, sem igualdade de acesso e oportunidades, não haja ninguém para as preencher.

Sobre o caso que voltou a catapultar para a agenda a discussão sobre o racismo – a morte do cidadão afro-americano George Floyd, na sequência de um polícia branco ter pressionado o joelho contra o seu pescoço enquanto estava algemado no chão –, José Reis realça que “há responsabilidades que não são compatíveis com grandes falhas”. Concretiza: “A atuação de um elemento de uma força policial pode pôr em causa demasiada coisa para que seja admissível esse tipo de falha tão grosseira."

Considerando que “houve uma evolução ao nível da intervenção das forças policias” em Portugal, José Reis reconhece, porém, que “ainda existem demasiados exemplos negativos de atuações de elementos das polícias, nomeadamente no que diz respeito ao excesso do uso da força", especificamente nalgumas comunidades.

Dizer que “os exemplos de má conduta são menores” não os desvaloriza, porque “o que se espera de uma força policial, seja GNR ou PSP, é que não haja esse tipo de situações”, distingue.

O ACM tem feito “investimento” na sensibilização das forças de segurança, destaca, referindo que, desde 2015, houve “mais de 900 formações sobre racismo”, envolvendo perto de três mil agentes.

A morte de George Floyd às mãos da polícia provocou uma onda de protestos e distúrbios nos Estados Unidos, que se estendeu a todo o mundo. Para hoje, estão marcadas manifestações contra o racismo e a violência policial em várias localidades de Portugal.

“Sou favorável a todas as formas de luta legítimas e uma manifestação é uma forma de luta legítima”, assinala José Reis, esperando que os organizadores respeitem todos os cuidados a que a pandemia de covid-19 obriga. “Até porque, se não forem tidos esses cuidados, o motivo da luta passará parta segundo plano, desde logo nas notícias”, frisa.

O caso George Floyd foi “mais uma explosão”, mas “agora é preciso" lidar com o que aconteceu "de uma forma sensata, racional, senão a única coisa que vai acontecer é mais extremismo de um lado, mais extremismo do outro e não vamos evoluir”, observa.